História de Leiria e imagem de 1860 do antigo brasão
A CIDADE DE LEIRIA
No tempo em que os romanos dominavam na Lusitania, havia neste país uma cidade chamada Collipo, da qual Plínio faz menção. Não são concordes os escritores sobre a situação exacta desta cidade. O nosso antiquário Gaspar Barreiros pretende que existiu num lugar próximo dali, chamado agora S Sebastião, fundando-se nas muitas ruínas de edifícios antigos que se aí viam no seu tempo e diz mais que, com os materiais da arruinada Collipo, se edificou a actual cidade de Leiria.
Outros autores seguem opinião diversa, mas com fundamentos não menos problematicos. D. Luís Caetano de Lima, diz na sua Geographia Historica:« A fundação desta cidade Leiria, deixando as fábulas que escrevem alguns autores, teve principio pelo seu castelo, o qual edificou el rei D. Afonso Henriques, antes que ali houvesse alguma outra povoação, pelos anos de 1135, afim de reprimir os moiros de Santarém e de outras terras e de facilitar a conquista da Estremadura.»
Algumas inscrições romanas em mármore branco e vermelho, consagradas a memorias fúnebres e achadas junto deste castelo, provam que, naquele sitio ou próximo dele, existiu com efeito uma povoação na época do domínio romano. Seja porém como for, o que parece fora de duvida, é que quando D. Afonso Henriques fundou o castelo, não havia junto dele povoação alguma.
Cinco anos depois da fundação da fortaleza, andando D. Afonso Henriques todo ocupado na guerra que lhe movia seu primo D. Afonso VII, rei de Leão, vieram os moiros capitaneados pelo seu rei Ismar, sobre aquele castelo, que conseguiram tomar, apesar da porfiosa resistência que lhes fez o alcaide, D Paio Guterres e os seus. Logo, porém, que o monarca português se viu desembaraçado dos cuidados daquela campanha, voltou as suas armas contra os infiéis e veio por cerco ao castelo de Leiria, em 1141 ou 1142.
Refere a lenda, que achando se acampado o exercito cristão sobre uma eminencia vizinha, á qual ainda hoje chamam o Cabeço del rei, aparecera em cima de um grande pinheiro, que se erguia entre o arraial e o castelo, um corvo, que não cessava de bater as asas e grasnar. Ordenado o assalto, redobrou por tal modo o corvo os seus movimentos e gritos que os portugueses, tomando isto por um feliz agoiro, investiram a fortaleza com tão incrível valor e confiança que, apesar de bem defendida, assenhorearam-se dela, em breves momentos. E em memoria deste sucesso, veio a tomar Leiria por brasão de armas, em escudo de prata coroado um castelo sobre campo verde, colocado entre dois pinheiros, cada um com o seu corvo em cima; e na parte superior do escudo duas estrelas de oiro.
A descrição deste brasão é como se acha na Torre do Tombo; entretanto há outra versão que dá só um pinheiro com um corvo em cima.
Correndo o ano de 1195, tendo já falecido o nosso primeiro rei, tornaram os moiros a ganhar o castelo e a povoação, que junto dele se fora edificando. Mas pouco lhe durou esta posse, porque el rei D. Sancho I logo o resgatou e desta vez ficou assegurado o seu domínio na coroa de Portugal.
Por esta ocasião o mesmo soberano, querendo dar impulso á povoação e atrair-lhe moradores, concedeu-lhe foral de vila, com grandes privilégios, aos 13 de Abril desse ano de 1195.
Por duas vezes se reuniram cortes em Leiria: no reinado de D. Afonso III em 1254 e no de D. Duarte em 1437. Estas ultimas foram convocadas para sr tratar dos meios de libertar o infante D. Fernando, então cativo em Fez.
Serviu por vezes Leiria de residência a alguns dos nossos soberanos e príncipes, porém el rei D. Dinis foi o que maior assistência aí teve, com a rainha Santa Isabel, sua mulher, a quem fez doação do senhorio desta terra. Foi este monarca que tanto favoreceu a agricultura, quem mandou semear o grande pinhal de Leiria, que é hoje a principal floresta do país e que constitui um importante ramo da riqueza publica.
Por morte da rainha Santa Isabel, tornou a vila a encorpara-se na coroa. El rei D. Fernando deu-a primeiramente á rainha D. Leonor Teles, sua mulher e depois ao seu cunhado, o conde D. Gonçalo; porém o mestre de Avis, subindo ao trono, revogou a doação e d aí por diante não se alienou mais do património real.
No próprio século XV, em que se inventou a sublime arte tipográfica, coube a Leiria a gloria de possuir a primeira imprensa que se estabeleceu em Portugal e, segundo parece, com muito bons fundamentos, a primeira também que apareceu em toda a península.
El rei D. João III elevou Leiria á categoria de cidade e depois á de sede episcopal, por bula que alcançou do papa Paulo II no ano de 1543.
Na velha monarquia, tinha Leiria voto em cortes com assento no banco terceiro. Foram seus alcaides mores, os marqueses de Vila Real, os quais tinham aposentos dentro do Castelo, além de umas casas próximas do rio.
Acha-se edificada esta cidade junto á falda de leste do monte do Castelo, numa planície cortada pelos pequenos rios Lis e Lena, dos quais, ao que parece com mais probabilidade, lhe veio e nome de Leiria. Dista de Lisboa vinte e duas léguas para o norte, doze de Coimbra e quatro do oceano, no sitio em que os dois rios, já unidos, se lançam no mar.
Divide-se a cidade em duas paroquias: a Sé e S. Pedro. A primeira, consagrada como todas as catedrais do reino á Assunção de Nossa Senhora, é um bom templo de três naves, construído desde os alicerces pelo segundo bispo desta diocese, D. Frei Gaspar do Casal, que lançou a primeira pedra no dia 11 de Agosto de 1559, como consta da inscrição que se vê na frontaria da igreja. Está situada junto ao monte do Castelo, e contigua ao paço episcopal.
Anteriormente a esta fundação servia de Sé a igreja de Nossa Senhora de Penha de França, edificada dentro do castelo por D. Afonso Henriques e reconstruída por el rei D. Dinis. Era um pequeno templo, ao presente arruinado.
O palácio do bispo está, como dissemos, contíguo à Sé, mas em terreno um pouco mais alto, que faz parte do monte do Castelo. É um edifício não muito vasto e de modesta arquitetura, com a sua cerca e jardim.
O seminário episcopal foi fundado por D. frei Gaspar do Casal, logo depois de chegar do concilio de Trento, em 1563.
Reconstruiu-o na segunda metade do século XVII D. Pedro Vieira da Silva, que tendo sido casado com D. Leonor de Noronha e servido lugares importantes, como secretário dos Reis D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II, enquanto príncipe regente, e plenipotenciário no ajuste da paz entre Portugal e Espanha no ano de 1668, depois de enviuvar, tomou ordens sacras; e foi nomeado bispo de Leiria.
Os outros edifícios religiosos são: a igreja e hospital da Misericórdia; o convento de Santa Ana, de freiras dominicas, fundado em 1494 por D. Catarina de castro, filha de S. Fernando I, segundo duque de Bragança e no qual existem actualmente umas nove ou dez religiosas; e várias ermidas.
Existiram nesta cidade quatro conventos de frades, cujos edifícios existem apropriados a diversos usos; e chamavam-se S. Francisco, que foi de religiosos observantes, cuja primeira fábrica foi obra del rei D. João I no ano de 1384, em agradecimento de ter podido casar com a rainha D. Filipa, não obstante ser cavaleiro professo na Ordem de Avis; o de Santo Agostinho, de eremitas do mesmo santo; o de S. António, de capuchos arrábicos, construído pelo bispo D. Pedro Vieira da Silva; e, em tempos remotos, teve dentro do castelo um convento de cónegos regrantes, que se arruinou.
O castelo, fundado sobre uns penhascos, que para o lado do norte são escarpados, acha-se em grande ruína; mas ainda assim apresenta uma vista pitoresca, a quem o vê da alameda. Ainda se mostram dentro dele os restos do paço del rei D. Dinis e de Santa Isabel.
A parte da cidade, que se estende ao longo de um vasto campo ou Rossio que a separa do rio Liz, é alegre e bonita. O resto é uma rede de ruas estreitas, tortuosas e imundas, com pequenos largos, tudo guarnecido de casas altas, entre as quais se vêm algumas de boa aparência. A casa da câmara nada tem de notável.
Na extremidade do sul daquele espaçoso campo, erguem se a catedral, logo acima o paço do bispo e o castelo. No lado do poente, avulta o quartel militar, outrora convento e que é actualmente, depois dos melhoramentos e alindamentos que se lhe têm feito, um belo edifício que muito adorna o Rossio. Está construído em terreno um pouco mais elevado que o resto do campo, o que o faz sobressair. Costuma estar ocupado por um batalhão de caçadores.
O Liz corre pelo lado do sul deste quartel e próximo dele, entre muralhas bem construídas que o encanam. De uma parte vai-o acompanhando um caminho e da outra uma comprida e formosa alameda de grandes árvores com assentos de espaço a espaço sobre o rio e comunicando-se com a outra margem por duas pontes, uma no centro e outra no fim. à entrada da alameda e já no campo, está uma boa ponte de pedra, além da qual há, no mesmo campo, ou Rossio mais duas, sendo a de S. Martinho uma das entradas da cidade.
Quatro fontes abastecem de agua os habitantes. A chamada os «Olhos de Pedro» tem a singularidade de, sendo duas nascentes que rebentam da mesma penha, ser fria a agua de uma nascente e tépida a da outra.
Tem Leiria bonitos arrabaldes, principalmente todo o vale regado pelos rios Liz o Lena, que é fértil e bem cultivado. Há neles diversas ermidas e capelas, das quais a principal é a de Nossa Senhora da Encarnação, fundada sobre uma pequena eminencia, por meio de esmolas, tanto do povo da cidade como do de fora, que ali concorria e ainda concorre em grandes romarias, por ser este santuário de muita devoção em todos aqueles arredores.
A pouca distancia da cidade está o celebre pinhal de D. Dinis. Tem quatro léguas de comprimento e corre ao longo da costa do oceano. Na sua administração, que se acha mui bem organizada, emprega-se bastante gente. Há aí uma fabrica do estado para a extracção do alcatrão e outras substancias dos pinheiros. Modernamente tem-se feito neste pinhal muitas sementeiras do pinus larix e de outras variedades do norte da Europa, de grande estimação pela boa qualidade das madeiras.
A uma légua de Leiria, encontra-se a importante fabrica de vidros da Marinha Grande. O edifício é do estado, que dá por arrematação a longos períodos a laboração dá fabrica. Dá ocupação a considerável numero de braços e o actual arrematante tem levado os seus variados produtos a bastante perfeição. A Marinha Grande é uma povoação de mil e trezentas almas.
O termo de Leiria produz abundância de cereais, legumes, frutas, vinho e algum azeite. Cria-se nele bastante gado e muita caça. Encerra importantes jazidos de carvão de pedra e de ferro para a exploração, dos quais se organizou uma companhia que ainda não encetou os seus trabalhos, por se ter recusado o governo a satisfazer-lhe certas exigências.
No mesmo termo, não a muita distancia da cidade, descobriu-se há poucos anos um edifício romano que estava soterrado, de onde se tiraram alguns quadros de mosaico muito bem conservados.
A 29 de Março faz-se anualmente uma feira no grande Rossio da cidade, de muito movimento comercial e mui concorrida de géneros, de gado e de povo das províncias da Estremadura e da Beira. No mesmo Rossio se faz a exposição geral de gado das diferentes espécies, que costuma ter lugar todos os anos nas capitais dos distritos, distribuindo-se, por essa ocasião, prémios aos criadores das raças mais apuradas.
Leiria conta uns dois mil e seiscentos habitantes. Como capital de um distrito administrativo do seu nome, é sede de um governador civil e mais autoridades administrativas, de justiça e fiscais; de uma junta de distrito; de um liceu, etc.
A bela estrada macdamisada que presentemente liga esta cidade com Lisboa, Coimbra e Porto; o estabelecimento das carruagens malas postas que nela transitam diariamente e cujo serviço se acha o melhor possível; e a estrada que está em construção do pinhal para o próximo porto de S. Martinho, sobre o oceano, deverão sem duvida fazer prosperar Leiria, e muito mais se for por diante a empresa de mineração a que aludimos.
Foi natural desta cidade o cardeal patriarca de Lisboa, D. fr. Patrício da Silva; e nela foi criado o primeiro duque de Bragança, D. Afonso, que nasceu no castelo de Veiros, no Alentejo e que foi filho bastardo del rei D João I.
Por Ignacio de Vilhena Barbosa
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Pelo Censos 2011 Leiria conta com 127 468 habitantes
Freguesias de Leiria
Amor, Arrabal, Azoia, Bajouca, Barosa, Barreira, Bidoeira de Cima, Boa Vista, Caranguejeira, Carreira, Carvide, Chainça, Coimbrão, Colmeias, Cortes, Leiria, Maceira, Marrazes, Memória, Milagres, Monte Real, Monte Redondo, Ortigosa, Parceiros, Pousos, Regueira de Pontes, Santa Catarina da Serra, Santa Eufémia, Souto da Carpalhosa
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