segunda-feira, 27 de maio de 2013

A DEUSA MÃE - ORIGEM, SIMBOLISMO, PODER E DECLÍNIO

A DEUSA MÃE - ORIGEM, SIMBOLISMO, PODER E DECLÍNIO


A Europa antiga não tinha deuses. A Grande Deusa era considerada imortal, imutável e omnipotente; e no pensamento religioso ainda não tinha sido introduzido o conceito de paternidade. Tinha amantes, mas por prazer e não para proporcionar um pai aos seus filhos. Os homens temiam, adoravam e obedeciam à matriarca, sendo o lugar que ela cuidava, uma caverna ou uma cabana, os seus mais antigos centros sociais e a maternidade era o seu principal mistério.

A primeira vítima de um sacrifício público grego, por exemplo, era sempre oferecida a Hestia, a deusa do Lar. A imagem branca e anicónica da deusa, talvez a sua representação mais difundida, que aparece em Delfos como o omphalos ou umbigo, pode ter sido originalmente representado por um monte branco de cinza que encerrava o carvão aceso, e que constituiu o meio mais elementar de conservar fogo sem fumo. Mais tarde foi graficamente identificada como um monte de cal sob o qual se ocultava um boneco de cereal da colheita que era retirado na Primavera; o com os montes de conchas marinhas, ou quartzo, ou mármore branco, debaixo do qual eram enterrados os reis mortos.

OS SÍMBOLOS DA DEUSA

Não só a Lua, mas também o Sol eram os símbolos celestiais da deusa. A Lua surge como mais importante que o Sol, pois despertava um maior temor supersticioso, não se obscurecendo com o declinar do ano e tem o poder de conceder ou negar a água aos campos.

O Sagrado Número Três

Três das fases da Lua, a Nova, a Cheia e o Quarto Minguante, recordavam as três fases que vão de donzela, ninfa (mulher núbil) e velha da matriarca. Depois, como o percurso anual do Sol recordava igualmente o desenvolvimento e declínio das faculdades físicas - na Primavera donzela, no Verão ninfa e no Inverno velha - a deusa chegou a identificar-se com as mudanças de estação na vida animal e vegetal; e em consequência com a Mãe Terra, que ao princípio do ano vegetativo só produz folhas e botões, depois flores e frutos e finalmente deixa de produzir. Mais tarde pôde-se concebê-la como outra tríade: a donzela do ar superior, a ninfa da terra ou do mar e a velha do mundo subterrâneo, representada entre os gregos por Selene, Afrodite e Hécate. Estas três analogias fomentaram o carácter sagrado do número três e a deusa Lua aumentou até nove as suas facetas quando cada uma das três pessoas - donzela, ninfa e anciã - apareceram em tríade para representar a sua divindade. Os seus devotos nunca esqueceram por completo que não existiam três deusas, mas apenas uma, ainda que na época clássica grega o templo de Estínfalo na Arcádia era um dos poucos sobreviventes onde todas elas levavam o mesmo nome: Hera.

Uma vez descoberta a relação entre o coito e o parto - um relato deste momento decisivo na religião aparece no mito hitita de Appu - a posição religiosa do homem melhorou pouco a pouco e deixou de se atribuir a gravidez das mulheres aos ventos e aos rios.

Sacrifícios Humanos

Ao que parece a ninfa ou rainha tribal escolhia um amante anual entre os homens jovens que a rodeavam, um rei que devia ser sacrificado quando terminava o ano, fazendo dele um símbolo da fertilidade mais do que um objecto do seu prazer sexual. O seu sangue era espalhado para que frutificassem as árvores, as colheitas e os rebanhos e a sua carne, tudo indica, era consumida crua pelas ninfas companheiras da rainha - sacerdotisas que levavam máscaras de cadelas, éguas ou porcas. Mais tarde, com uma modificação desta prática, o rei morria com o declinar do poder do sol, com o qual se identificava e que começava a declinar no Verão, e outro jovem convertia-se em amante da rainha, para ser sacrificado em pleno inverno e, como recompensa, reencarnar numa serpente oracular. estes consortes adquiriam o poder executivo apenas quando lhes era permitido representar a rainha usando as suas vestes mágicas. Assim começou a monarquia sagrada e, ainda que o Sol se tenha convertido num símbolo da fertilidade masculina uma vez identificada a vida do rei com o curso das estações, seguiu sob a tutela da Lua, assim como o rei seguiu sob a tutela da rainha, pelo menos em teoria, até muito tempo depois de ter sido superada a fase martriarcal. Assim, pois, as bruxas de Tessália costumavam ameaçar o Sol, em nome da Lua, com a ameaça de envolvê-lo numa noite perpétua.

No entanto, não existe nenhuma prova de que, nem sequer quando as mulheres exerciam a soberania em questões religiosas, que fosse negado aos homens algumas áreas em que podiam actuar sem supervisão feminina; ainda que seja muito possível que adoptassem muitas das características do sexo feminino, até então consideradas funcionalmente próprias do homem. Eram-lhes confiadas a caça, a pesca, a recolha de certos alimentos, o cuidado das manadas e rebanhos e a ajuda na defesa do território tribal contra os intrusos, desde que não transgredissem a lei matriarcal. Eram eleitos chefes dos clãs totémicos e concediam-lhes certos poderes, especialmente em tempos de migração e guerra. As regras para determinar quem deveria actuar como supremo chefe varão variavam, segundo parece, nos diferentes matriarcados; habitualmente era eleito o tio materno da rainha, ou um seu irmão, ou o filho de uma tia materna. O chefe supremo da tribo mais primitiva tinha também autoridade para actuar como juiz nas disputas pessoais entre os homens, contando que não prejudicasse a autoridade religiosa da rainha. A sociedade matrilinear mais primitiva que sobrevive na actualidade é encontrada em regiões meridionais da Índia, onde as princesas, ainda que casem com maridos crianças dos quais se divorciam imediatamente, têm filhos com amantes de qualquer posição social; e as princesas de várias tribos matrilineares da África Ocidental, que se casam com plebeus ou estrangeiros.

Os Sagrados Números 7 e 28

No princípio calculava-se o tempo pelas fases da lua, e todas as cerimónias importantes eram realizadas numa das suas fases; os solstícios e os equinócios não eram determinados com exatidão, mas por aproximação com a seguinte lua nova ou cheia. O número sete adquiriu uma santidade peculiar porque o rei morria na sétima lua cheia depois do dia mais curto do ano. Inclusivamente quando, depois de uma mais cuidadosa observação astronómica, se demonstrou que o ano solar tinha 364 dias, com algumas horas mais, foi dividido em meses - ciclos lunares - em vez de fracções do ciclo solar. Esses meses converteram-se mais tarde no mundo de língua inglesa no que é chamado “common-law months” (meses de direito consuetudinário), cada um com vinte e oito dias; o vinte e oito era um número sagrado, no sentido em que a Lua podia ser adorada como uma mulher, cujo ciclo menstrual és normalmente de vinte e oito dias e que este é também o verdadeiro período das revoluções da lua em função do sol. A semana de sete dias era una, unidade do mês de direito consuetudinário e o carácter de cada dia era deduzido, ao que parece, da qualidade atribuída ao correspondente mês da vida do rei sagrado.

Este sistema levou a uma identificação ainda mais íntima da mulher com a Lua e, posto que o ano de 364 dias é exactamente divisível por 28, a série anual dos festivais populares podia-se engajar com esses meses prescritos pelo costume. Como tradição religiosa, os anos de treze meses sobreviveram entre os camponeses europeus mais de mil anos depois da adopção do Calendário Juliano.

O Número 13 e a Morte

Treze, o número do mês da morte do Sol, nunca perdeu a sua má reputação entre os supersticiosos. os dias da semana estavam a cargo dos Titãs: os génios do Sol, da Lua e dos cinco planetas até então descobertos, que eram responsáveis deles perante a deusa com Criadora. Este sistema foi desenvolvido provavelmente na Suméria matriarcal.

Assim o Sol passava por treze etapas mensais que começavam no solstício de Inverno, quando os dias recomeçavam a crescer depois de uma longa decadência outonal. O dia extra do ano sideral, obtido do ano solar mediante a revolução da terra em redor da órbita do Sol, foi intercalado entre o décimo-terceiro mês e o primeiro e converteu-se no dia mais importante dos 365, a ocasião em que a ninfa tribal elegia o rei sagrado, geralmente o vencedor de uma corrida, uma luta ou um torneio de arqueiros. Mas este calendário primitivo sofreu modificações; nalgumas regiões o dia extra parece ter sido intercalado, não no solstício de Inverno, mas em algum outro Ano Novo, no dia da Candelária, quando são evidentes os primeiros sinais da Primavera; no equinócio da Primavera, quando se considera que o Sol atinge a sua maturidade plena; ou no solstício estival; ou no equinócio outonal, quando caem as primeiras chuvas.

A mitologia grega primitiva relaciona-se sobretudo com as mudanças nas relações entre a rainha e os seus amantes, que começam com os seus sacrifícios anuais ou bi-anuais e terminam, na época em que foi composta a Ilíada e os reis se gabavam de que «Somos muitos melhores que os nossos pais!», com o eclipse daquela por uma monarquia ilimitada. Numerosas analogias aficanas ilustram as etapas progressivas desta mudança.

Robert Graves, Os Mitos Gregos

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