quarta-feira, 17 de outubro de 2012

História: Sintra, o penedo dos ovos ou Penha Longa (imagem de 1860)




História: Sintra, o penedo dos ovos ou Penha Longa (imagem de 1860)

Tanto que o leitor puser os olhos na estampa que lhe apresentámos, reconhecerá logo por aquela penedia rolada e sobreposta, que é um lanço da famosa serra de Sintra, á qual, pela sua eminencia chamaram os antigos geógrafos monte ou promontório da lua.

Na estrada real, que vai de Lisboa para Sintra, pouco antes de chegar a esta deliciosa vila, á mão esquerda, fica uma casinha de modesta aparência, mas de grande nomeada. É a da Sapa, antiga e imortal... queijadeira, a cuja porta fazem paradeiro todos os que regressam de Sintra, e querem trazer para a cidade um atestado autentico da sua visita áquele delicioso vergel de Portugal.

Mesmo ao lado d'esta casinba, se abre uma estrada traversa, que em menos de meia hora conduz a um lugar denominado do Linhó ou Linhol, talvez corrupção de Linhal, agro ou plantio de linho que ali houvesse antigamente.


Não tem o Linhó, de certo, grandes atractivos para o viajante, porque ficando no fundo do vale, que formam os montes da Pena e de Santa Eufémia, faltam-lhe as belas vistas que oferecem os píncaros de Sintra as sombras dos seus frondosos bosques, e a frescura maviosa dos seus passeios. Mas em compensação, é o terreno mui florido e virente, por ser continuamente regado das copiosas águas que da serra se precipitam, como serpes de cristal, coleando-se por entre os pomares e jardins, de que o vale é recortado.

Sobre esta planície se ergue alterosa, á beira da estrada, a longa penha ou penedo que a nossa gravura representa, e devemos ao lápis do nosso insigne paisagista o sr. Annunciação, e ao buril primoroso do sr. Pedroso. É formada esta penha por um alteroso grupo de penedos, todos rolados pelas águas, como em geral são os de Sintra; e sobranceiro a eles, está um enorme, posto a pino, em cujo vértice assentaram uma grande cruz de pedra os frades do próximo convento que se denominava de Penha Longa, tirando o nome desta que lhe está vizinha. A cruz desabou já, mas ainda lá se conservam uns resquícios que a estampa acusa.


O povo chama-lhe, desde muito tempo, penedo dos ovos, a historia pera longa ou penha longa, e uma cronica manuscrita que temos á vista, composta por um frade jeronimo do mencionado convento, diz que se lhe chamou já em eras remotas, pedra da verdade.


A denominação primitiva parece nos ser de pera longa, contracção de pedra em português velho. Porque, na escritura da compra do sitio para se edificar o convento, que transcreve o já citado frade, escritura feita em 1390, diz o proprietário, que era um João Domingues, corretor da cidade de Lisboa, que vende por 3$500 réis, moeda corrente de dez soldos, a sua quinta em Peralonga, que consta de casas, azenhas, vinhas, herdades, pomares, matos, fontes e foros, a qual parte com caminho que vai de Sintra para a Malveira, com o casal que foi do conde Dom Henrique, e outros que cita, até entestar com os logradouros dos vizinhos do dito lugar de Peralonga.


Esta escritura tem muitas singularidades, que por brevidade deixámos de apontar. Mencionarmos, contudo, que n'este notável instrumento, se transcreve uma carta del-rei D João I, com o seu selo de camafeu, datada de Santarém, e dirigida ao dito João Domingues, agradecendo-lhe o ele ter acedido aos rogos que lhe fizera para que vendesse a sua quinta aos frades jerónimos; e porque eles lhe não tinham podido pagar até Junho, como fora ajustado, ele, rei, lhe mandava o dinheiro, para que não deixasse de se efectuar a compra, isto é uma coisa que cumpre muito ao serviço de Deus e nosso; o que vos muito agradesseremos e per que vos faremos mercê. Assim conclui o mestre de Avis.


Assinam esta escritura, entre outros, como testemunhas, Bartholomeu Domingues, escolar de leis, filho do vendedor, e João Martins, costureiro
(?).

Vê-se pois que o convento (que foi comprado pelo sr. Bessone), tomou o nome do lugar, e este o tinha tomado da penha ou penedo de que estamos falando.

Sobre a denominação de penedo dos ovos, tão popular no sitio, eis o que nos diz o sr. Munró, num apontamento que muito lhe agradecemos.

«Atribui-se o nome de penedo dos ovos, dado a esta penha, á seguinte lenda:

Era voz constante naqueles sítios, que debaixo da enorme pedra existia um "tesouro encantado", o qual só se descobriria a quem pudesse conseguir derrubar a pedra, atirando-lhe com tantos ovos quantos bastassem para conseguir tal façanha. Ninguém a tentava; mas um dia, certa velha do lugar quis empreender essa tarefa, e munindo-se de quantos ovos pôde juntar por muitos dias, começou a atiral-os sobre o formidável penedo. Tendo, porém, exaurido todas as munições, sem poder quebrar o encanto, e faltando-lhe os meios de adquirir ainda mais projecteis, abandonou a empresa, e ficaram todavia na pedra, e ainda hoje lá se vêem, os sinais do tiroteio que fez a velha, nas malhas amarelas que cobrem um dos lados do penedo, malhas que os velhos e crianças do sitio afirmam serem as gemas dos ovos que ali ficaram! Um musgo amarelado, que cobre a parte meridional do penedo, aviventa esta crença dos honrados linholenses.

Este rochedo serviu por muito tempo de sinal ou marco aos navegantes que demandavam a barra de Lisboa. Com os melhoramentos da navegação, e a colocação de faróis na costa, não serve hoje o penedo dos ovos senão para colónia de corvos, e admiração dos raros viajantes que ali vão.»

Archivo pittoresco, Volume 3, 1860

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