História de Portugal
Classes da antiga Nobreza de Portugal
Ricos Homens
A conquista das Hespanhas pelos mouros igualou todas as condições neste pais. O Godo soberbo, opressor dos antigos Hespanhoes, ficou bem como eles, servo dos Sarracenos. As relíquias dos Cristãos livres, que se acolheram ás serranias das Astúrias havendo abandonado as suas propriedades e riquezas aos árabes conquistadores, não podiam dividir-se em outras classes, senão naquelas que o valor e força de cada individuo constituía. O valente e robusto era naturalmente superior ao tímido e apoucado de forças, e assim podemos ter em geral por provável, que as circunstancias morais e fisicas daquele punhado de foragidos inverteu a ordem social, que havia dado a cada um deles o nascimento. Mas a desgraça, a necessidade de se defenderem dos invasores, e de reconquistarem a liberdade da Pátria, os devia conservar algum tempo na união e igualdade fraterna. Pelaio começou o reino das Astúrias, que seus sucessores estenderam, intitulando-se Reis de Oviedo e depois, de Leão. Neste tempo o aumento do poder e riqueza deu começo ás novas distinções de classes, que foram imitadas das tradições góticas. No undecimo século o império árabe desabava em ruínas, e sobre parte delas se alevantava o reino de Portugal. Este, nascido das conquistas feitas pelos descendentes dos Reis de Leão e Oviedo, adoptou em grande parte costumes e instituições análogas ás do resto da Espanha, e a nobreza apareceu ou antes continuou entre nós.
As primeiras distinções tinham começado no reino das Astúrias, por uma circunstancia, que foi, e sempre será, em todas as nações, a mais própria para distinguir o homem do homem; - falamos dos bens da fortuna. As riquezas adquiridas nas correrias contra os mouros, os despojos das batalhas, caindo, como ordinariamente acontece, nas mãos de poucos, estabeleceram esta diferença. Os Reis guerreiros desses tempos, obrigados a sustentar seus soldados, que não eram pagos, dividiram com os mais abastados este encargo, mediante certas honras e dignidades de que os revestiram. Dai nasceu o titulo de Rico-homem, dado primeiro pelo povo aos que mantinham uma porção da soldadesca, e depois pelos príncipes, que deles fizeram uma classe nobre, com deveres e privilégios especiais. Com o correr dos tempos lhes foram confiados os mais importantes cargos dos exércitos, e em ninguém eram obrigados a reconhecer superioridade senão no rei. Chamavam se Ricos-homens de pendão e caldeira, porque na guerra cada um trazia seu pendão ou bandeira separada, que seguiam os nobres ou vassalos que deles dependiam; e como eram obrigados a manter esta gente, conduziam consigo grandes caldeirões onde se cozinhavam os mantimentos. Destas caldeiras se conservavam ainda há poucos anos algumas nos mosteiros da Batalha e Alcobaça, as quais haviam sido tomadas em Aljubarrota no tempo de D. João 1º. Os Ricos-homens podiam com seus vassalos ajudar nas empresas militares os príncipes estranhos, quando não eram necessários no reino, e ao próprio rei lhes era licito fazer guerra, em certos casos sem que disso lhes resultasse dano ou infâmia. Os vassalos destes régulos, particularmente os lavradores, gozavam de grandes privilégios e isenções, para que não lhes faltassem com as rendas, visto serem obrigados a servir com seus vassalos em todas as guerras, que el-rei fazia em pessoa.
Durou esta dignidade em Portugal até ao tempo de D. Afonso V, em que se começou a mudar na de condes, duques, e marqueses O mais antigo Rico-homem que se encontra na nossa historia é o celebre Egas_Moniz. Ruy Gomes de Britteiros, de Infanção que era, foi feito Rico-homem por Afonso III; e na cronica de Afonso IV se acha concedido semelhante titulo a Lopo_Fernandes_Pacheco.
O acto da nomeação de um Rico- homem era feito com grande solenidade. Veladas as armas em uma capela ou igreja, ia no dia seguinte o agraciado apresentar se a elrei com um numeroso séquito; e posto de joelhos diante dele, recebia de suas mãos um pendão com as caldeiras pintadas; e isto era o sinal que indicava poder o novo Rico-homem capitanear gente na guerra, com obrigação de sustenta-la. Feita esta cerimonia o novo titular começava a gozar de todas as vantagens e privilégios, que competiam á dignidade que recebera.
Infanções
Os Infanções eram imediatos na dignidade aos Ricos-homens. Em geral dava se este titulo aos filhos segundos dos nobres. A origem do nome é obscura, e parece remontar aos tempos dos Reis de Oviedo. A semelhança das palavras, fez com que alguns escritores se persuadissem ser o titulo de Infanção dado aos infantes, filhos segundos dos reis; mas uma grande serie de documentos prova que eles eram inferiores aos Ricos- homens, o que não aconteceria se pertencessem á família real. Entre os privilégios concedidos por D. Afonso IV, manda-se que pelas aposentadorias, que os mosteiros eram obrigados a dar aos fidalgos, tenham os Ricos-homens 30 réis, os Infanções 15, e os cavaleiros 10, o que mostra a gradação sucessiva das classes nobres. Os mais antigos Infanções portugueses parece foram alguns habitantes da comarca da Feira, nas vizinhanças do Porto, chamado também antigamente Cidade de Santa Maria, de modo que se tornou quase como formulário em todos os privilégios de Infanção, o ser egualado aos Infanções da terra de Sancta Maria. D João I concedeu as preeminencias e gozo deste titulo aos cidadãos de Lisboa, graça que sucessivamente obtiveram os do Porto e de Braga, e que mostra quanto menos valia começava a ter semelhante dignidade.
Condes
O titulo de Conde existia desde o tempo dos imperadores romanos: a significação primitiva desta palavra era companheiro, por serem os que possuíam esta dignidade familiares dos príncipes. Os capitães godos que destruíam o império romano, abraçando o fausto dos vencidos, tomaram também deles o titulo de Conde, para indicar os proceres ou magnates que andavam nas suas barbaras cortes. Destes o receberam as nações modernas; e nas Hespanhas começou a aparecer logo no principio das guerras de independência contra os invasores árabes.
Na história das guerras de D. Afonso Henriques com Afonso VII de Castela mencionam se vários Condes do Minho e Galiza: em escrituras deste tempo aparecem os nomes de outros muitos nobres com este titulo; e na tomada de Triana pelo príncipe D. Sancho, iam com ele dois Condes que apontam as antigas cronicas. Parece que as dignidades de Rico-homem e de Conde se ajuntavam ás vezes na mesma pessoa, como aconteceu com Mendo Afonso, um dos cavaleiros do D. Afonso Henriques. Os condados eram então vitalícios, e dava-se também este nome ao senhorio de grandes terras, podendo ser que dai proviesse o dizermos, ainda hoje, que é um condado qualquer propriedade extensa.
Duques, Marqueses, Viscondes, e Barões
As relações com Inglaterra no tempo de D João 1º em que súbditos daquela coroa vieram a Portugal ajudar-nos a conservar a independência nacional, e, dai a anos a ida de D Afonso 5º a França, introduziram em nosso pais muitos usos e instituições estranhas, de que em outros lugares teremos ocasião de falar. Entre as cousas que nos vieram de fora se contam os dois títulos de Marquês e Duque. O infante D. Pedro, filho de D João 1º. e depois regente do reino na menoridade do príncipe D. Afonso, foi o primeiro que houve em Portugal. Seu pai lhe deu o titulo de Duque de Coimbra, e ao celebre infante D._Henrique o de Duque de Viseu. O titulo de Marquês foi introduzido por D Afonso 5º, que nomeou o Conde de Ourem primeiro Marquês de Valença. O mesmo rei criou os primeiros Viscondes e Barões, depois de voltar de França.
Vassalo
Quando em nosso país foram decaindo as primitivas instituições de liberdade, a palavra Vassalo começou a mudar de sentido e a significar o que súbdito; porém muitíssimo diferente era o valor nos primeiros tempos da Monarquia.
Nas leis das Partidas de D. Afonso o Sábio, mandadas traduzir por el-rei D. Dinis, e que foram observadas como leis subsidiarias, se diz ser o vassalo aquele que recebe honra, ou boa obra do senhor, como o gráu de cavalleiro, terras ou dinheiro por serviço assignalado que lhe haja de fazer. Havia assim espécies de vassalos - os senhores de terras, que dependiam do rei, e os alcaides mores, que dele dependiam - os fidalgos - as pessoas abastadas da classe popular, que serviam na guerra. A respeito de cada um destes três géneros de pessoas nobres se davam circunstancias particulares.
O primeiro, como dissemos, era composto dos senhores de terras e alcaides mores, ou governadores feudais dos castelos e fortalezas do reino. Estes eram em geral os Ricos- homens e grandes da nação, e geralmente o seu nome aparece entre os confirmantes das doações reais. As suas obrigações eram portanto as mesmas que notámos acerca dos Ricos-homens.
Constituíam o segundo género de vassalos os fidalgos acontiados. Eram estes aqueles nobres que sem serem, muitas vezes, donatários da coroa, recebiam d'elrei certa quantia, para além de servirem na guerra com sua pessoa, trazerem também consigo soldados de cavalo, armados de lança, a que propriamente se dava o nome de cavaleiros. Os filhos sucediam aos pais nesta dignidade imediatamente nasciam, vencendo desde então uma quantia como eles. D. Fernando limitou esta prerogativa aos primogénitos, e D João 1º ordenou se lhes desse tão somente quando chegassem á idade de poder servir, e que fosse menor da que vencia seu pae.
Enfim a terceira ordem de vassalos era tirada da classe do povo, segundo a riqueza de cada um. Nesta classe entravam os súbditos dos senhores particulares, que os serviam com armas e cavalo, e que além disso eram também vassalos d'elrei, sendo obrigados a estar sempre prestes para a guerra. Esta espécie de vassalos senhores de terras é de uma origem assaz incerta: porém sabemos que os havia já em tempo d'elrei D. Fernando, e que D João 1º proibiu que ninguém fosse vassalo senão da coroa, passando a esta a obrigação que os donatários tinham de lhes dar as quantias, e que os Reis dai avante deram, provavelmente só em tempo de guerra.
Vê-se da cronica de D João 1º que (talvez em consequencia de semelhante disposição) estes vassalos estavam alistados por comarcas, e que pouco a pouco se introduziu o abuso de contar neste numero todos os que serviam com armas, quer fossem cavaleiros, quer besteiros de cavalo, quer peões, ou de infantaria. Assim naturalmente, sendo depois todos os Portugueses em geral obrigados á milícia quando a sua idade ou saúde lh'o permitia, se perdeu com o correr dos tempos a distinção de vassalo, e se deu este nome em comum a todos os súbditos da coroa portuguesa.
JORNAL LITTERARIO E INSTRUCTIVO DA Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis 6 PUBLICADO TODOS OS SABBADOS Junho 10 1837 O PANORAMA
Sem comentários:
Enviar um comentário