História de Portugal
Os PRIMEIROS REIS PORTUGUESES
Antigas Dissensões com Roma - 1
Depois da morte do conde D. Henrique, sua mulher a rainha D. Tareja, ficando com a administração de Portugal, se havia ligado com D. Fernando, conde de Trastamara, fidalgo galego por laços cuja espécie é hoje duvidosa. O infante D. Afonso Henriques, temeroso de ser desapossado da herança do reino, fez guerra a sua mãe, e n' uma batalha junto de Guimarães a prendeu e lançou em ferros. Afonso 7.º de Leão pretendeu liberta-la, mas foi derrotado em Arcos de Valdevez: daí a pouco voltou mais reforçado, e pôs cerco a Guimarães, onde estava o infante D. Afonso; foi então que sucedeu o celebre caso de Egas Moniz, de que brevemente falaremos.
Nesta epoca, segundo as remotissimas cronicas, repositório onde, pela maior parte, se lançavam em escritura, no 14.º e 15.º séculos, as tradições nacionais, começaram as dissensões dos nossos Reis com a corte de Roma. Posto que a autoridade destas cronicas seja controversa, ninguém lhes poderá negar venerável antiguidade, e os factos nelas contidos, que aos nossos escritores aprouve negar, não foram combatidos com razões assaz poderosas para destruir em nós toda a crença nos primeiros monumentos da nossa historia. Seja como for, eis o que essas antigas memorias dizem da intervenção da corte de Roma nas dissensões de Afonso Henriques com a rainha lua mãe.
O papa, que nestas eras tenebrosas se intrometia em todas as mudanças politicas, que com rapidez sucediam umas após de outras na Europa revolta, ou porque D Teresa o tivesse ocultamente atraido a sua parcialidade, ou ele o fizesse em obséquio d'elrei de Leão, ou porque, finalmente, fosse movido pela persuasão de que, do alto do seu trono pontifical, devia dirigir todas as acções dos príncipes, que o reconheciam por cabeça da igreja, ordenou a D. Afonso, por via do bispo de Coimbra, D. Bernardo, que soltasse a rainha sob pena de excomunhão, cousa que naqueles tempos, ainda sendo injustiça, tinha consequencias fatais. Recusou o príncipe obedecer. Conta-se que então o bispo o excommungara, e fugira alta noite de Coimbra, onde estava a corte; que no dia seguinte, sabendo D. Afonso da fuga do bispo, mandara reunir o cabido para que elegesse outro prelado, e que, recusando os cónegos fazê-lo ordenara a um clérigo preto, que encontrara ao sair da sé, que se revestisse para dizer missa, assegurando-lhe que o nomeava bispo. Entretanto o papa, vendo que o príncipe lhe desobedecia, assentou em enviar lhe um cardeal com o titulo de legado, esperando por este meio alcançar seu intento, recomendando-lhe ao mesmo tempo renovasse a excomunhão no caso de D Afonso persistir em seu propósito. A noticia da chegada do cardeal assustou os nobres que seguiam o príncipe; mas este lhes assegurou que se o legado se descomedisse, seria severamente castigado. Nos Paços da Alcáçova, em Coimbra, recebeu D. Afonso o legado do papa, e lhe declarou que não estava d'animo de obedecer ás suas intimações; e com tal vigor lhe falou, que o cardeal fez pôr de noite o interdito, e fugiu imediatamente. Ao romper o dia soube o príncipe da sua fuga, e cheio de furor pelo insulto que recebera, o seguiu, acompanhado de poucos cavaleiros. Breve o alcançou, e já tinha travado dele para lhe cortar a cabeça, se os fidalgos lh'o não embaraçassem. Deixou-o em fim partir, obrigando o primeiro a jurar que a excomunhão seria levantada logo, e que nunca mais o papa se intrometeria nos negócios de Portugal.
O judicioso historiador Fr. António Brandão julga uma fábula este acontecimento, fundado em ser o bispo D. Bernardo parcial de D. Afonso, e por ele elevado á dignidade que exercia; razão em verdade, de pouca monta, para quem sabe a influencia que o bispo de Roma tinha no espírito dos outros prelados nos séculos tenebrosos da idade media, e como o clero, que então era um estado no estado, cortava por todos os respeitos para conservar a unidade e força do poderio sacerdotal.
Dai a pouco aparece o bispo de Coimbra confirmando, com os outros magnates da corte de D. Afonso, varias doações deste príncipe, o que não deve admirar, porque também em muitos desses documentos se lê, entre os confirmantes, o nome de D. Tareja e o do conde de Trastamara, com quem as desavenças do príncipe tinham sido maiores do que com o bispo D Bernardo.
Sossegado D. Afonso das inquietações domesticas prosseguiu na guerra dos mouros, a quem conquistou quase todo Portugal. A batalha de Ourique lhe assegurou a coroa e o titulo de rei, que herdou a seu filho D. Sancho. As grandes vitorias, que alcançou lhe ganharam o nome de grande capitão. Chorado dos soldados que o amavam por sua liberalidade e brandura, morreu em Coimbra em 1185, pouco mais ou menos de 90 anos e foi sepultado no mosteiro de Santa Cruz.
No mesmo anno em que seu pae falleceu, começou a reger os povos o principe D. Sancho, no 32.º anno da sua edade. Portugal estava subjugado, e o paiz começava a gosar de uma profunda paz. O moço rei voltou, portanto, todos os seus cuidados para a noa administração da republica, fazendo povoar as villas e cultivar os campos, assolados da guerra: mas não durou muito esta tranquillidade. Os mouros continuavam ainda a habitar o Algarve; uma grossa armado de cavalleiros da cruzada arribou a Lisboa um temporal; convidou os D. Sancho para o ajudarem a conquistar Silves; combatida a cidade, depois de larga resistencia foi tomada; e os defensores da religião seguiram sua viagem carregados de despojos, custando muito a D. Sancho alcançar delles que não pasmassem á espada todos os captivos. Os mouros de Hespanha, aggravados desta guerra, entraram por Portugal devastaram no e retomaram Silves. Por outro lado a peste, e a fome faziam horriveis estragos, de modo que elrei se viu obrigado a pedir aos mouros tréguas, as quaes brevemente quebrou. Depois de varia fortuna, nas guerras que teve com os leonezes, e com os mouros e de um reinado de vinte e sete annos, morreu em 1212. - Seus ossos foram sepultados ao pé dos de seu pae, no mosteiro de St.ª Cruz de Coimbra.
JORNAL LITTERAIUO E INSTRUCTIVO DA Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis PUBLICADO TODOS OS SABBADOS Julho 1 1837 9 O PANORAMA
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