quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

História: Terremotos e o terremoto de Lisboa



História

TERREMOTOS

São os terremotos os mais terríveis, e mais destruidores dos phenomenos naturais. É certo que muitas vezes treme a terra. sem que d'alli resulte o mais leve dano, e que passam desapercebidos e sem comemoração muitíssimos tremores; mas outras vezes são taes e tão promptos os seus devastadores efeitos para as propriedades e vidas, que a historia os recorda como o mais terrível flagelo da espécie humana.

Não trataremos da causa originaria de similhante phenomeno, por ser ela ainda hoje ponto obscuro da sciencia. O que podemos afirmar com certeza é que essa causa tem profundas raízes no interior da terra, e que parece não ser diversa d'aquella que produz os phenomenos vulcânicos - quer provenha de uma simples acção dynamica, quer d'uma acção puramente chimica. O nosso único fim é descriplivo e histórico.

Ainda que os maiores terremotos sejam felizmente acontecimentos raros, são os de menor monta tão frequentes, que Humboldt assevera não se passar um dia só, em que a superfície da terra não seja aqui ou ali abalada.

Podemos distinguir nos terremotos quatro espécies de movimento subterrâneo, que posto algumas vezes obrem isolados, outros operam de um modo mais ou menos combinado. São estes o movimento tremulo, o undulatorio, vertical e rotatórioo. Os choques trémulos que os Americanos do Sul chamam tremblores, são de todos os mais inofensivos; a terra treme com um abalo similhante ao que se experimenta à borda dos barcos de vapor. Destes tremblores que ás vezes quase diariamente se sentem em pontos da América ao correr da costa do Pacifico, nenhum prejuízo resulta ordinariamente.

São mais perigosos os abalos undulatórios que se propagam á maneira de ondas, elevando e deprimindo o solo em uma certa direcção. Após este os movimentos verticais são mais violentos e terríveis em suas consequências: a terra abala-se como impelida por uma explosão subterrânea. No grande terremoto da Calábria em 28 de Março de 1783 pareceu elevar-se e abater se a mais alta montanha granítica de Aspromonte; indivíduos foram arremedados ao ar e para longe do sitio onde se achavam; e edifícios inteiros mudados de posições mais baixas para outras mais superiores. Este movimento sempre se combina com o undulatório segundo pensam Humboldt e Dolomieu.

Os choques rotatórios são os mais raros, mas os mais destruidores. No terremoto de Catânia em 1818, em que a direcção do abalo subterrâneo foi de sueste a noroeste, muitas estátuas fizeram meio giro sobre seus pedestaes, mudando de posição norte sul para a linha de leste-oeste; o mesmo se observou em Valparaizo em 1822, e no ultimo terremoto do Chile em 1838. A este respeito menciona Humholdt, que não é raro ver-se árvores dispostas em linhas rectas ficarem em curvas sensíveis depois de terremotos.

A duração dos terremotos é em geral mui curta; tem-se notado, que tanto menos duradoiro é o abalo, tanto mais forte, e por conseguinte mais terríveis os teus efeitos, bastando poucos segundos, muitas vezes, para reduzirem a um montão de ruínas, vastas e populosas cidades. E quem atentamente considerar nas desastrosas consequências de tão súbita calamidade, não poderá deixar de concluir com o citado Humboldt: «que não há força alguma conhecida, nem mesmo aquela de nossos mortíferos projecteis, que em obra de tão pequeno espaço de tempo faça maior numero de vitimas do que um terremoto.» Assim, podemos citar o da Sicília em 1692 em que pereceram 50 000 pessoas; o de Pirobamba em 1797 que matou 40.000; o de Calábria em 1783 60,000; e mais de 200,000 na Ásia menor, na Síria em tempos de Tibério e Jostiniano.

A direcção do choque subterrâneo é umas vozes indeterminada, e irregular; outras vezes linear seguindo de preferência a cordilheira de montanhas; outras em fim como se partira de um centro e divergisse para a circumferencia.

Alguns terremotos tem havido bastante circumscriptos a um dado local, e outros que se teem propagado a enormes distancias. O de Lisboa foi mui violento em Espanha, Portugal, e norte de África; mas quase toda a Europa, e até as West-Indias o sentiram no mesmo dia. Parrot diz que ele se estendera por 700 000 milhas allemãas, o que não é menos de 1/12 da superfície total do globo. Parece que o movimento subterrâneo se vai sucedendo muitas vezes ao correr de uma linha, e sucessivamente produzindo os seus estragos; mas em outras ocasiões o momento de acção é instantâneo ainda em partes bem remotas. O de Lisboa que começou ás 10 horas menos 10 minutos da manhã, foi sentido em Madrid ás 10 horas e 17 minutos, isto é, no mesmo instante, tendo em vista a posição geographica destas duas capitais.

Não há parte alguma da terra que possa julgar-se isempta de terremotos, mas umas são mais sujeitas a eles do que outras. Tem-se pretendido que nas vizinhanças dos vulcões activos há mais frequentes tremores; e posto que muitas irrupções volcanicas são precedidas de comoções subterrâneas, outras muitas teem logar independentemente delas. Com tudo os maiores terremotos teem acontecido cm regiões mui distantes de vulcões activos; e os imensos abalos subterrâneos, que no Novo Mundo assolaram as povoações de Latacunga, Riobamba, Honda, Caracas, etc., não coincidiram segundo refere Boussingault, com irrupção alguma conhecida. A oscilação da terra, que precede este ultimo phenomeno, diz Bischoff, é para assim dizer local; ao passo que os terremotos, que (ao menos em apparencias) se não casam com irrupções volcanicas, não só são muito mais fortes, como se propagam muitíssimo mais longe.

Por outro lado parecem tão dependentes taes phenomenos, que na proximidade dos vulcões se sentem os terremotos, quando por longo prazo adormece a acção vulcânica, e terminam aos primeiros symptomas de novo paroxismo na cratera.

O que em geral pode colher-se de muitas observações, é que as ilhas são mais sujeitas aos terremotos do que os continentes; os paizes á beira mar mais do que os outros terra dentro; e as regiões intertropicaes mais do que as polares.

Alguns terremotos são precedidos de um ruído ou estrondo subterrâneo, que semelha o pezado rodar de carretas de artilharia, o arrastar de grossas cadeias e o estampado de trovão. Este phenomeno é notável por ter também acontecido isolado e independente; mas em tempos modernos tem sido menos frequente do que outrora o refere a historia. O mais curioso facto desta ordem ocorreu em Guanaxuato em 1784. Em 9 de Janeiro á meia noite começou a ouvir-se um estrondo subterrâneo, que foi aigmenlando até 13 em intensidade, parecendo então uma rija trovoada, que de continuo estalava por baixo da cidade. Entrou a diminuir em 16 de Janeiro, e apenas cessou de todo em 13 de Fevereiro. Foi grande o terror dos habitantes, que súbito abandonaram a povoação, e os ricos tesouros das minas de prata, que alli haviam amontoado; mas pouco a pouco foram tornando os menos timoratos até que todos por fim se acostumaram a tão estranho como inofensivo evento. Em 1822 se ouviu igualmente um ruído similhante em Melida perto de Ragusa, que com quanto fosse muito menor em intensidade, foi de uma duração muito mais longa.

Um dos frequentes efeitos dos terremotos é a abertura do terreno em fendas, bocas, e escavações profundas, que umas vezes se conservam, outras se fecham imediatamente. É ordinário sahirem destas fendas gazes, vapores, fumo, chamas, lama, areia, agua e pedras. Em diversas ocasiões se tem observado quer uma quer, muitas destas substancias. No grande terremoto da Jamaica em 1692, abriu -se a terra em vários sítios d'um modo tão insólito, que submergiu e se fechou sobre varias pessoas; mas reabrindo-se logo depois, tornou a lança-las para fora no meio de jorros d'agua que causaram não pequena inundação.

Uma das causas de maior destruição, que acompanha os tremores de terra, é a súbita elevação e prompta descida das águas do mar; e posto que similhanle phenomeno nem sempre se tenha verificado em alguns dos grandes terremotos, em outros tem causado os mais horríveis estragos, como sucedeu no de Lisboa em 1755, e nos de Callao em 1585 e 1746. Para cima de 3.000 pessoas morreram afogadas na desastrosa, e repentina innundação do grande cáes de Lisboa.

Cumpre examinar agora se os terremotos teem eu não alguma dependência das circumstancias externas. Querem uns que eles são sempre precedidos de signaes particulares, como irregularidades nas estações antes ou depois deles, repentinos tuphões de vento, seguidos de calmas podres, chuvas copiosas fora da quadra própria, certa vermelhidão no disco do sol, e opacidade e nevoeiro na atmosphera, exhalaçoes terrestres de matéria eléctrica, ou de gazes sulphorosos, e mephiticos, sècca repentina dos mananciaes d'agua e enjoos e tonteiras de cabeça nas pessoas etc. etc. Outros porém opinam em contrario á vista de numerosas observações que citam Mr. Wittich, a quem muito devemos neste artigo, positivamente assevera que não ha relação alguma entre o estado do tempo e os terremotos. Muitos teem ocorrido, diz ele em tempo bem sereno, outros em meio de furiosas ventanias; uns quando a atmosphera está densa e carregada de vapores, outros quando perfeitamente limpa; durante grandes chuvas, e em ocasiões de trovoada. Em altas latitudes tem havido terremotos em todos os tempos do ano, mas com mais frequência em tempo frio, principalmente um pouco antes ou depois dos equinoxios. Nos climas intertropicaes muitos se teem sentido antes de começarem, ou logo que terminam as estações chuvosas. Frequentes vezes sucede na América do Sul que as chuva são abundantíssimas, quando tem havido algum tremor de terra depois de prolongadas seccas. Os habitantes paragens pouco ou nada os receiam, porque construindo as suas cazas de madeira, e de juncos, não temem ser esmagados por elas; e até se recordam com prazer d'algumas destas grandes catastrophes festejando os seus anniversarios, ao passo que os descendentes dos europeus fazem procissões, e outros de penitencia para que o céu lhes afaste similhantes calamidades. No archipelago indico os mais fortes abalos subterrâneos coincidem de ordinário com a mudança das monções. É também que quase sempre depois dos terremotos o tempo torna mais frio.

O que porem nos leva ainda mais a acreditar, que o phenomeno dos terremotos é independente de quaesquer mudanças atmosphericas, são as observações barométricas. - Hoffman diz que em 57 terremotos observados em Palermo no espaço de 40 anuos, nunca as oscilações barométricas ultrapassaram os limites, antes pelo contrario foram durante muitos delles, bem insignificantes. Humboldt verificou o mesmo facto nos terremotos dos Andes, não só a respeito das alterações barométricas, como da perfeita regularidade das variações horárias de declinação da agulha. Acrescenta porém, que, se em geral os tremores terra não são annunciados por aspecto particular atmosphera, ou por algum phenomeno meteorológico, parece todavia que uma tal ou qual sympathia tem havido entre alguns dos mais violentos abalos subterrâneos, e as circunstancias externas, de sorte que não pôde dizer que elles sempre tenham logar d'um modo puramente dynamico.

Enfim crê-se geralmente, que exhalações nocivas para nós imperceptíveis, sobem da terra antes dos terremotos; supposição não sem fundamento, por que é sabido que as cobras, ratos, lagartos e outros animaes pequenos, costumam, ao aproximar-se este phenomeno, sahir das tocas e correrem sobre a terra como espavoridos, e ao acaso. Também alguns dos animaes domésticos participam de certa inquietação, como as cabras, porcos e cães. Antes de se sentir o primeiro abalo do grande terremoto de Talcahuano, todos os cães fugiram para fora da cidade. É crença em algumas partes, que os porcos são os que melhor farejam os tremores de terra; e as pessoas timoratas nunca deixam d'espreitar os movimentos destes animaes.

Terminaremos com uma sucinta noticia do terremoto grande de Lisboa.

O dia 1 de Novembro de 1755 amanheceu claro e soprando uma ligeira brisa da terra. Às 9 horas pouco mais ou menos, começou o sol a turvar-se, e meia hora depois entrou a ouvir- se um ruído, que parecia o de pezados carros, que ao longe rodavam por calçada de pedras soltas. Este rumor subterrâneo foi progressiva e rapidamente aumentando, de modo que passados alguns segundos, semelhava o troar de rija canhonada por debaixo da cidade.

Neste momento sentiu-se o primeiro repelão do terremoto, e logo o continuo desabar dos templos, dos palácios, e de todos os edifícios mais formosos. Parou um pouco a comoção da natureza, como se fora para ela tomar fôlego d'um minuto, e com redobrada força, três novos abalos se seguiram tão de súbito, e de tal modo violentos, que quase não houve obra humana que pudesse resistir-lhes Referiram algumas pessoas, que no primeiro abalar da terra andavam embarcadas em distancia da cidade, que lhes parecera tocar em seco o bote onde se achavam; e no mesmo instante observaram, que uns sobre outros caiam os edifícios, que alinhavam ambas as margens do Tejo, o que viram repetir obra de quatro minutos mais tarde. Também as águas partilharam dos terríveis movimentos da terra, trazendo o rio algumas vezes á flor da agua o seu próprio leito. E nos navios, que quebradas as amarras, uns contra os outros se esmagavam, sentiam os marinheiros ora estar em nado, ora em seco inteiramente. Mas novo perigo ameaçava ainda os infelizes habitantes; por que passado a maior força da comoção subterrânea, acometeu -os o mar com terrível fúria, ameaçando completar a ruína do pouco que escapara. Entrou pelo Tejo uma serra de agua de 40 pés de altura, que felizmente para a cidade se espraiou na larga bacia, que lhe fica em frente, e rapidamente inundou todas as ruas da baixa. Mas o grande cais de pedra, que ainda há pouco se havia completado, e aonde procuravam salvar-se não menos de 3 000 pessoas, aluiu com o peso da agua, e cães e gente para sempre se sumiram na profundidade do rio.

Calculam-se em 60.000 as vitimas desta grande catastrophe, a maior parte esmagadas pelo desabamento dos templos que pelo dia santificado, e pelas horas de oração se achavam apinhados de fieis.

As relações do tempo, algumas das quaes temos á vista no Gentleman's Magazine de 1756, mencionam muitas outras circumstancias que actualmente omittimos por pouco interessantes. Sobre a matéria deste artigo pode vêr-se a obra de Mr. Wittich - Earthquaques and Volcanos, Cosmos par de Humboldt - Physical Researches on the heal of the Globe by Bíschoff - Lyell's principies of Geology etc.

Coimbra 8 de fevereiro de 1848

R. Fernandes Thomas


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