História
Falsificações do vinho
De todos os tempos tem- se procurado ímiar o vinho, ou antes falsifical-o com mais ou menos dolo, e com maior ou menor prejuízo da saude publica. A falsificação lá fora, tem sobretudo procurado imitar certos vinhos preciosos, taes como os muscateis - o madeira, o porto, porque nestes é mais de convidar o lucro.
Com assucar, tartro, flor de sabugo, e agua compõe se um muscatel optimo. Com cidra, alcool e gomma-kino fazia-se um Porto, que se vendeu na Russia por muito tempo. O velho vinho do Rheno pode reproduzir-se, e assim se tem feito com cidra, alcool, e ether azotico.
Entre nós as falsificações recaem especialmente sobre os vinhos ordinarios. São os tintos cascarrões que servem de capa ás mais horriveis borundangas, fazendo correr em seu nome essas zurrapas ou sinoplas, cujo amargor faz as delicias das goellas encotreadas dos bebedores matriculados.
A primeira falsificação que faz o taberneiro, a mais innocente é dobrar pelo menos o volume do vinho que comprou, baptisando-o com igual volume de agua, que muitas vezes, nem potavel é.
Baptisado o vinho fica descorado, é natural. O taberneiro não se inquieta. Cem cores artificiaes lho vão por mais retinto do que era. E a baga de sabugo, a tinta de amoras, dos medronhos, e das ginjas pretas: na falta destes, a baga de louro de infernal amargor, a tinta do campexe, o almagre, o tornesol, a gomma kino e até o sangue desfibrinado de boi ou de carneiro.
Tingida aquella agua avinhada, tudo vai bem com boa freguezia; não é nas vasilhas que elle se alterará, mas nos estomagos dos habitantes da casa. Mas se ha demora na venda, ou vem calores fortes, começa a azedia com a vasilha e então entra o taberneiro em ancias verdadeiras. Pode o beberrão tragar absinthio numa especie de chocolate vermelho. E o seu vinhão que elle quizera se lhe apegasse como pez, e lhe rasgasse a goella como um sedeiro. Mas nem uma gotta de vinagre! Quanto a este conhece o elle pela sombra. É o antipoda do seu idolo; o seu unico inimigo figadal; pela razão de que tornado vinagre, é impossivel voltar a vinho outra vez. Vinagre só regará a salada, essa indecencia imperdoavel para estômagos avinhados. Perguntai ao bebedor professo, o que é que elle procura saber primeiro que tudo, quando antes de beber leva o copo ao nariz. É se está azedo o vinho; depois se tem o cheiro do alcool. Com o aroma não se importa.
Diante de juizes tão severos contra o vinagre, o que não fará o taberneiro para o esconder, se já lhe apontou no vinho.
Ahi o temos sempre levado da boa intenção de não esperdiçar o melhor dos dons providenciaes, mettendo no vinho cascas de ovos e ossos moidos; o leite de cal em dose de argamassa; o gesso; e por fim se a azedia resiste, corta o nó gordio, não com a espada de Alexandre, mas com o lithargirio do primeiro droguista que encontra.
Desta maneira, um vinho que já entre mãos do almocreve, ou do negociante ou do proprio lavrador começou a ser confeiçoado, depois de passar pelas do taberneiro que o temperou de mil artes, torna-se a final, quando entra no estomago do bebedor, um verdadeiro enxurro das mais nauseabundas misturadas.
FERREIRA LAPA
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