História
Mangualde
Ermida de Nossa Senhora do Castelo, Mangualde
Em distância de um quarto de hora de caminho ao nordeste da vila de Mangualde d' Azurara da Beira, sobre o mais elevado de um escarpado monte cravado de nativos rochedos, que fazem face á mesma vila, existe a ermida de Nossa Senhora do Castelo, célebre por muita antiguidade, e pelo elegante e magnifico templo novo erigido pelo zelo e devoção da ilustre casa dos Paes de Mangualde, em quem hoje está a perpetua administração dele, e de cuja casa tem saído todo o suprimento de despesas e serviços para aquela obra, porque a respectiva confraria carecia dos meios para tão dispendiosa construção.
Não é líquido, mas consta de uma tradição antiquíssima, que o antigo templo, que ainda existe a pouca distancia na descida do monte, foi, na ocupação das nações bárbaras, uma mesquita de moiros, convertida depois de sua expulsão em templo do verdadeiro culto, por motivo da aparição de uma imagem de Nossa Senhora naqueles sitios; todavia ainda existem no cume do monte, a um lado do novo templo, ruínas de um castelo cujos materiais e forma testemunham mui remota antiguidade; e bem fundada é a presunção de que daí veio o titulo de Nossa Senhora do Castelo.
É igual tradição ter ali sido castelão um mouro chamado Zurar, de onde viera ao concelho o nome de Azura, repetido no foral d'elrei D. Dinis, e reforma do mesmo por elrei D. Manuel em 1514; e que para a expulsão daquele moiro muito concorreram os habitantes de Linhares, por conselho de outro moiro convertido á verdadeira Fé, que depois fora alcaide daquela vila; e julga-se ser esse o motivo porque a câmara e habitantes da cidade de Viseu, indo todos os anos áquella ermida, na 2ª oitava da Páscoa da Ressurreição, por ocasião do cumprimento de voto, curvavam e agitavam seu estandarte no alto do monte para a parte da dita vila de Linhares, como em grata recordação dos valiosos serviços de seus moradores. Há menos de trinta anos que se tem deixado de fazer esta solenidade, sendo a câmara e povo de Viseu desobrigados daquele voto.
Em janeiro de 1819 teve começo a obra do novo templo, todo de cantaria; ficando suspensa nos dois seguintes anos, foi continuada depois com o mais decidido e zeloso empenho, e inteiramente á custa da referida ilustre casa de Mangualde; e em 1837 se ultimou a obra do templo com dispêndio de mais de cinquenta mil cruzados, piamente, e com verdadeiro espirito religioso, prestados por aquela casa.
A arquitectura do templo é conforme a estampa, e tem ele merecido os louvores de todas as pessoas, que sabem avaliar o primor das obras desta natureza, e é tido como um dos mais notáveis do reino. Tem de comprimento, no interior, 108 palmos, sendo 38 da capela-mor, e 70 do corpo da igreja; e de largura 28 palmos na capela mor, e 36 na igreja; a altura da torre é de 138 palmos.
Do mais alto desta torre se descobrem serras, montes, povoações, e paisagens a uma distância imensa. A descida da montanha apresenta uma perspectiva encantadora coroada pelo templo de quem possue por essência imortal coroa; e é cortada por uma escadaria de 163 degraus de cinco palmos de largo, e ornada com quatro capelinhas, dedicadas a Nossa Senhora com os títulos de Conceição, Encarnação, Visitação, e Assunção; e de um e outro lado bordada de árvores que suavisam o cansaço da subida, e fazem encantadora vista; ficando ao fundo do monte planos e férteis campos, e prados sempre cobertos de verdura.
A solenidade festiva deste templo é no dia 8 de Setembro, dia da Natividade; porém o grande concurso e afluência de devotos de muitas léguas fez indispensável a instituição de uma segunda festividade no dia da Anunciação, a 25 de março, á qual concorrem tantos devotos, que excede o ajuntamento ao do grande mercado daquella vila nos primeiros domingos de cada mês; então na estação da primavera, quando os campos se acham matizados de flores, e que a montanha se reveste de viçosa verdura, sempre brandamente agitada pelos zéfiros, que refrescam as alturas da mesma, é deliciosa e encantadora a vista e o gozo de tantas suavidades, e se despertam ideias de um paraíso pela amenidade daqueles lugares.
Continua o complemento das escadas desde o plano do templo antigo até ao novo, e espera- se também o aumento da hospedaria para acommodação dos romeiros, porque nem toda a vila é assás para tanto concurso; para tudo pode pôr-se a maior esperança no admirável zelo daquela ilustre e antiga casa, sendo justo mencionar as avultadíssimas esmolas legadas para esse fim pelo comendador Miguel Paes, e seu irmão o cónego da sé de Coimbra, José Paes, já falecidos. A condessa de Anadia, D. Maria Joana; ofereceu para o serviço do templo um rico e inteiro paramento branco, bordado a ouro e seda; e dois mantos para a Senhora da mesma preciosidade.
É de eterna justiça fazer conhecida de todos uma obra tão recomendavel por tantos motivos, e recordar a beneficência de seus perpétuos administradores, para que se desperte em todos louvável emulação na imitação de suas virtudes.
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