sábado, 18 de junho de 2011

História: A Sé de Lisboa


História

Lisboa

A Sé de Lisboa


A catedral metropolitana lisbonense é templo tão vasto e grandioso quanto venerando por antiguidade e históricas recordações. Não pode ser assunto de um artigo de Jornal o tratar miudamente das encontradas opiniões sobre a primitiva fundação desta igreja; nua larga memoria composta pelo Sr. cónego Villela, e que a Sociedade que publica o presente semanário, brevemente dará á luz, se acharão expostos os fundamentos de cada uma dessas opiniões bem como as rasões que persuadem ser a edificação da sé devida ao nosso primeiro rei, logo depois da conquista da cidade. Esta adoptaremos, seguindo igualmente em tudo o mais aquele importante e bem averiguado escrito. Se antes de cair cm poder de sarracenos, Lisboa teve bispos, dominando os godos cristãos, como de algumas provas históricas se conhece, é incerto e duvidoso o seu catalogo. O primeiro, porem, da nossa catedral foi D. Gilberto, inglês de nação, que entre os estrangeiros auxiliadores para a recuperação de Lisboa, e que pelo vitorioso D. Afonso Henriques foi investido dessa autoridade prelaticia. Estabeleceu-se o cabido em 1150, e D. Gilberto ordenou se resasse pelo breviário de Salisbury. Na mesma sé se abriram, para o diante, estudos donde saiu com grande aproveitamento nas letras humanas o taumaturgo português St. António; pelo que se vê não estar Portugal sepultado no século XIII em tanta rudeza e ignorância, como muitos supozeram. Foi a igreja sulfragânea da sé de Braga até ao reinado de João I que a elevou á hierarquia de metropolitana obtendo do papa Bonifácio IX a bula passada a 10 de Novembro de 1393, assignando-lhes por sufragâneos os bispados de Lamego, Guarda, Évora e Silves. D. João V determinou a divisão de Lisboa em oriental e ocidental, também o arcebispado se dividiu em duas dioceses, ficando a sé com o titulo de arcebispado de Lisboa oriental; poucos anos depois pela bula de Bento XIV, de 13 Novembro de 1740 se aboliu o titulo de catedral e se lhe deu o nome de basílica de Stª. Maria Maior e em virtude da supressão reuniram-se as dioceses sob uma só jurisdição patriarcal, até que  há poucos anos, conservando-se o titulo de patriarca ao arcebispo lisbonense, foi restituída ao estado a igreja metropolitana, extinta a dispendiosa patriarcal. 

O terremoto de 1755 e o incêndio que o acompanhou fizeram na sé grandíssimas assolações; desabou a cúpula sobre a nave principal, por forma que se aluíram todas as mais partes do edifício; violência do fogo estalou o tecto da parte do Tejo, nem pôde resistir-lhe o elevado campanário; as ricas alfaias e outras preciosidades, o importante cartório, ficou tudo reduzido a cinzas. Era o templo primitivo muito mais espaçoso que o segunda vez reconstruído e que o actual, tão largo que constava de cinco naves, descobrindo-se ainda pedaços de colunas, que lhes pertenciam, na casa onde os cónegos se revestem; da extensão podemos ajuizar se observarmos na parte de traz da existente capela mor, as bases onde se estribavam os arcos da abobada, sendo de presumir que mais para além continuava, porque permanecem rasgadas frestas ou janelas. Já em 1344, a impulsos de outro temeroso terremoto, padecera ruína o edifício, notavelmente na capela mor, devendo-se a reedificação a elrei D. Afonso IV, assim como a obra do claustro e capelas. A mesma capela mor e a cúpula foram destruídas por um raio, em tempo de D. João I; este monarca as mandou reparar, colocando naquela os túmulos de D. Afonso IV e sua mulher, D. Brites, nos quais se viam esculpidos martírios do padroeiro S. Vicente, e na parte superior a figura da fama com uma tuba ou buzina na mão, único despojo da batalha do Salado que D. Afonso para si reservara; ser a buzina a própria assevera uma inscrição em dois dísticos latinos. Os mausoléus estalaram pela actividade do incêndio 1755, ficando todavia preservados os ataúdes ou caixões, que continham os esqueletos dos sobreditos rei e rainha; depois da moderna reedificação da igreja a Senhora D. Maria I os mandou trasladar novamente para a capela mor, tendo sido previamente depositados por aviso mandado expedir mesma Sr.a em 13 de Janeiro de 1779, no claustro, na capela de N. Sr.ª da Tocha, a exemplo do se praticara no convento do Carmo com os ossos do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, que repousam em S. Vicente de Fora. 

Os monumentos são magníficos, o de elrei do lado do Evangelho, e no do lado oposto descansam as cinzas de sua mulher; os correspondentes epitáfios latinos dizem assim em vulgar:

Afonso em nome quarto em ordem sétimo de Portugal faleceu a 29 de Maio de 1357 
destruído pelo terremoto o primeiro túmulo 
foi para aqui trasladado em 1781 

Beatriz (Brites) rainha de Portugal mulher 
de Afonso IV faleceu a 25 de Outubro 1359 Transferido para aqui em 1781. 

Às capelas instituídas por este monarca pertencem as 24 mercearias da sé.

Quanto á frontaria principal do antigo templo, via-se por um desenho que nos conservou J.B. Lavanha que as torres eram compostas de corpos que terminavam em altas grimpas; as que actualmente adornam a fachada é provável que fossem erguidas em tempo del rei D. Fernando; a do relógio, ao sul, foi reedificada depois do estrago que lhe causou o terremoto de 1755, bem como ao tecto daquele lado, como acima referimos. Pelo que respeita á reparação nesta ultima época, não podemos deixar de fielmente transcrever a seguinte passagem da Memoria, que prometemos imprimir: «...devia (o arquitecto) conservar quanto lhe fosse possivel o resto do antigo edifício, na conformidade do régio aviso, que lhe foi expedido; porem não se ocupou senão em o enfeitar para ser agradável á vista, e decorá-lo com aparatosos estuques; erro gravíssimo em meu entender, porquanto estes estuques em urna localidade vizinha ao mar (entende-se o Tejo) passados alguns anos havia de esboroar-se e abrir-se em fendas, como já se conhece em algumas partes, e em 1834 estando nós no coro ficamos estremecidos com o estrondo que fez parte do estuque do coro alto, como se divisa ainda. Muitas pinturas estão já sem brilho e sem lustre, e as dos quatro evangelistas, que estavam nos ângulos do mesquinho zimborio inteiramente apagadas. Na cúpula deveria dar maior elevação, e rasgar-lhe algumas frestas. Para dar maior claridade ao corpo da igreja esburacou (permita-se-me assim dizê-lo) o tecto em claraboias, que tiram toda a gala e formosura da mais considerável parte do edifício, quando podia recorrer a outros arbítrios. Antes de empreender-se qualquer obra deve-se escolher bons arquitectos e precederem apurados desenhos.» Foi elrei D. José quem mandou dar соmeço á reedificação em 1767.

A capela mor, apesar da sua demasiada simplicidade, na ultima construção, é espaçosa e clara, e não destituída de certa elegância respectivamente ao corpo da igreja; estão bem conservados os ornatos, estuques e pinturas a fresco. O painel do retábulo representa a Assunção da Santa Virgem, cópia do que fizera Pedro Alexandrino de Carvalho; do pincel fácil e suave deste artista são todos os que adornam os altares, sobressaindo em merecimento o de S. Vicente e o do Espírito Santo que estão cruzeiro. O quadro do Salvador do mundo, colocado no fim da igreja junto á escada que vai para o coro de cima é muito digno da atenção dos entendedores.

O cruzeiro é estreito e não sofre comparação com os dos mosteiros de Belém e de S. Vicente de Fora; contém oito capelas; as duas que lhe ficam em frente são a do Santíssimo Sacramento e a S Vicente de Fora, onde se guardam em um cofre os restos mortais deste mártir padroeiro de Lisboa e do Algarve; colateral da parte do Evangelho é a N. S. de Betancor, vulgo a S.ª a Grande, imagem trazida de um porto de França por Martim Afonso de Sousa no reinado de D. Manuel; da parte da epístola a capela de N. Srª da Pombinha; ambas as imagens estão nuns nichos de jaspes ornados de colunas salomónicas, obra custosa, mas falta de elegância e delicadeza; tanto os altares como seus ornamentos foram mandados fazer por D. João de Mascarenhas, Congo nesta sé, e que sucessivamente foi bispo de Portalegre e da Guarda. A capela que anuncia maior antiguidade é a Bartholomeu Joannes, cuja efígie está deitada num mausoléu, obra grosseira, própria do tempo que foi feita.

Junto ao guardavento está o baptisterio, onde recebeu o baptismo Santo António, tão querido portugueses como venerado em terras estranhas. É proporcionada a sacristia á grandeza do templo; era de abobada o tecto, mas na calamidade de 1755 desabou, e hoje é de estuque excelentemente pintado. As estátuas que adornam os nichos mostram antiguidade, mas são pouco polidas na factura. A parte de seus riquíssimos ornamentos queimou-se no fatal incêndio do ano supra referido; escaparam á voracidade das chamas os que, todos bordados de ouro, tinha dado o arcebispo D. Miguel de Castro. O saque dos invasores franceses desapossou a catedral da muita prata que possuía em banquetas, tocheiros, alampadas e outros objectos arte destinados ao serviço do culto. 

São nove as capelas do claustro com as invocações de Santo Aleixo, das Almas, N. Srª da Tocha, Santo António, Sr. Jesus da Boa Sentença, S Lourenço, N. Srª de Belém; nas paredes desta há muitos quadros pintados por José Ignacio, sendo о mais notável о do Nascimento de Jesus Cristo, que é excellente copia de outro de Pedro de Cortona, dois, que estão nos lados representam a adoração dos Reis e a apresentação no templo, e pelo estilo e maneira parecem ser de António Maciel, pintor que floresceu no reinado d'elrei D. Sebastião. A capela chamada da Piedade é celebre porque nela se deve reputar primeiramente fundada a irmandade benéfica que se intitula da Misericordia. A corporação que teve esta capela, começou em 1230, reinando D. Afonso III, e seus piedosos ofícios eram enterrar os mortos, visitar e socorrer os enfermos e encarcerados, e acompanhar os miseráveis que no patíbulo iam expiar suas culpas. Por muito tempo permaneceu esta irmandade até o reinado D. João II, em que Fr. Miguel de Contreiras, religioso da ordem da Trindade e confessor da D. Leonor, com o auxilio desta, e impulsos do seu zelo levantou em 1498 aquela corporação mais a subido auge para poder estender os seus benefícios, organísando-se estatutos que adequadamente a regessem, conseguindo que era a nova justamente, denominada da Misericordia, se alistassem as pessoas de mais elevada hierarquia e os mais abastados cidadãos; foi seu primeiro provedor o rei D. João II. Passou a capela a intitular-se dos Arcebispos; tinha obras preciosas em mosaico, e causa pena contemplar os estragos que lhe fez o fogo.  A capela da Conceição também é digna de memoria, porque sendo consagrada ao mistério da Conceição, nela em tempos bem antigos se celebrava a festividade que o soleniza. As seis capelas que cercam em roda a capela mor foram instituídas por elrei D. Afonso IV.

No claustro se mantinham vivos dois corvos (e há muito tempo se conserva só um por não tolerar companheiro) para memoria da tradição de que se origina o brasão de armas de Lisboa. Sendo descoberto o corpo do Mártir S. Vicente no promontório sacro, hoje cabo do mesmo nome do santo, os corvos o respeitaram e lhe fizeram guarda apesar de serem aves que de cadáveres se nutrem; dois deles acompanharam o navio mandado á trasladacáo da relíquia, que no altar próprio se conserva. Lisboa como todos sabem tem por armas um navio com um corvo á proa e outro á popa; S. Vicente é padroeiro da cidade. 

Por não alongar-nos este artigo com as numerosas recordações históricas da catedral, concluiremos lembrando somente o fim lastimoso do bispo D. Martinho, que no movimento popular contra a viúva de D. Fernando e a favor do Mestre de Avis, foi precipitado da torre do norte.  


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