História
Açores
Terremoto na Ilha Terceira, Açores, 1841
A duas e meia léguas ao nascente da cidade capital da ilha Terceira, quase a igual distancia desta e da vila da Praia da Vitoria, está a vila de S. Sebastião que foi erecta em 1503; nela, a caminhar da parte de Angra, tiveram lugar os primeiros ainda que comparativamente diminutos estragos da lastimosa catástrofe que em 15 de Junho do pretérito ano de 1841 arrasou a vila da Praia. Na de S. Sebastião, constante de 355 fogos, o fatal terremoto só derrubou 32 casas e arruinou 33, as igrejas pouca deterioração sofreram, experimentando-se estes danos no mesmo dia e hora que na Praia, tendo já na noite anterior cabido muitas paredes de cerrados, fazendo a concussão subterrânea algumas rachas nas casas; o que parece notável aviso da Providência para cautela dos habitantes, cujas vidas não perigaram como declara o Ex.mo Sr. Administrador Geral José Silvestre Ribeiro, iem seu oficio de 5 de Julho. «Se porém desabaram sobre a terra os edifícios daquela memorável vila, nem uma criatura humana foi vitima da catástrofe.»
Da vila de S. Sebastião até a freguesia Fonte do Bastardo, que tem 144 fogos e 634 moradores, o máximo numero das paredes ficou por terra, e as casas fronteiras ao nordeste em grande estado de ruína e inclinadas para traz, observando-se isto mesmo em as mais que sofreram por este terremoto, que pode inferir-se que o impulso partiu da banda do porto ou do nordeste, por efeitos grande vulcão submarino de que nestas águas tem havido exemplos. No Angrense se lê que a imediata freguesia do Cabo da Praia apresentou as mesmas ruínas, não tão notáveis pela construção das casas, que são todas baixas e o solo com melhor fundamento de lava, que se estende até o Porto Martim, que é uma extensa cratera, singular pelo vinho e saborosos frutos que produz. Nesta povoação apenas caiu uma casa e alguns muros de fazendas. A freguesia do Cabo da Praia com 212 fogos e 1 293 moradores é o local mais sadio da Terceira.
Porém о teatro da assolação foi a vila Praia; três mil habitantes, que se abrigavam em 562 fogos, viram-se súbito privados do lar domestico; os edifícios mais fortes e os templos também se derrocaram; uma povoação forecente converteu se em montes confusos ruínas.
Tomaremos o depoimento não simples, acompanhado de observações que nos ministra a testemunha ocular que devidamente citaremos no fim do seguinte extracto:
«A vila da Praia da Victoria, antes do ano de 1614 foi situada dentro das tas de Sta. Catarina e Espírito Santo, aonde estão hoje colocados os dois fortes que lhe deram os nomes, e o seu porto ficava entre pontas do parto e da má merenda, cuja baía e ancoradouro tem 12 a 15 braças de fundo, segundo vemos da planta das fortificações, desenhada por um hábil oficial artilharia, o Sr .major António Homem da Costa Noronha. O terremoto de 24 de de 1614 que destruiu a antiga vila, abateu-a a ponto de que o mar tomou logo posse terreno, formando aquele formosíssimo areal de três quartos de légua, em circunferência do qual estão colocados, em apropriadas distâncias, os nove fortes com 23 de bocas.
Arrasada e abatida a vila naquele ano, não desanimaram os praienses, pois começaram logo a erigir novos edifícios para que seus vindouros viessem talvez a descobrir as causas que destruíram a antiga vila, que são as mesmas que arrasaram a nova Praia da Vitória. Não pretenderemos tocar no espesso véu que encobre os segredos da natureza incompreensivel, nem nos atreveremos a decidir qual fosse a causa da destruição daquela vila, porque no grande teatro da natureza há fenómenos que se não podem absolutamente explicar, senão por conjecturas, e melhor é narra-los do que clausurar os direitos ao saber. Temos olhos, e por isso seja- nos licito emitir nossa opinião fundada sobre factos.
Todo o observador que entrar na vila pela estrada do Cabo da Praia, verá que muito próximo ао forte de S. João existe uma grande fenda que vem do mar cortando todo o areal, e estendendo- se até a Cruz do Marco, que não é menos de um quarto de légua. Se lançar os para o frente do extinto convento de S, Francisco verá a concussão que este recebeu em todo o frontispicio, fazendo tombar as colunas e paredes da igreja, toda construída de pedras de cantaria; verá que a mesma violenta concussão destruiu todas as casas, demolindo-as na mesma direcção, assim como todos os mais valentes edifícios, servindo de melhor exemplo a igreja matriz que tendo a capela mor voltada para o mar, o tecto o desta foi impelido para o corpo da igreja, e toda a frente e torre está inclinada para a serra da Praia, indicando que toda a força, que a fez partir e curvar, lhe veio do lado do porto, ou do nordeste.
Para não sermos fastidiosos, devemos concluir que a destruição da vila da Praia procedeu de um grande vulcão que rebentou no mar, bem em frente daquele porto, cuja força incompreensivel, e pela proximidade percutiu com mais intensidade a vila, e a freguesia das Fontinhas, estendendo a sua vibração com menos violência por todo o litoral até á vila de S. Sebastião, alem da qual não aparece vestígio algum de ruína; e tanto parece consentânea esta razão, que a incalculável força impelida pelo vulcão, e que causou o terremoto, abriu aquela grande fenda no areal, denotando a força sobrenatural da expansão, e que talvez comunicando-se por alguma caverna subterrânea, por baixo da serra de S. Tiago, fosse a causa de se arrasar a igreja das Fontinhas, cujo alicerce saltou para cima das ruínas daquele templo. Esta freguesia foi a que mais sofreu pela força vertical ou pulsação do terremoto, que arrasou todas as casas e paredes, sendo notável que do grande Pico do Celeiro que lhe fica próximo, nem uma só das paredes que o circundam lhe caiu, podendo afoutamente dizer: tumo me impunè lacessit; não há quem me despedace impunemente.
A freguesia das Fontinhas que tem 203 fogos e 1006 moradores, é na verdade, das paroquias arrasadas, a que mais sofreu comparativamente, não se prolongando as ruínas alem deste local. A demolição das casas e da igreja, segundo a posição em que tombaram, assas demonstra que a grande concussão veio do lado de nordeste, e que o abalo ali foi vertical pelo arrojo dos alicerces; o que se não observa na Praia que só foi percutida por violento tremor de inclinação e concussão, como fizemos ver a muitos de seus moradores e os convencemos.» Angrense de 24 de de Junho 1841, nº 246.
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