sábado, 18 de fevereiro de 2012

Templários: Hugo de Payens e a Origem e Mistérios da Ordem do Templo

Templários: Hugo de Payens e a Origem e Mistérios da Ordem do Templo


Hugo II de Payns ou de Payens (existem mais de 50 grafias diferentes) nasceu entre 1069 e 1074 (Hugo II de Payns (ou Payens) é mencionado como testemunha de uma doação do conde Hugo de Champagne datada de 1085-90, indicando que teria já 16 anos nessa altura, idade miníma legal para ser considerado adulto e servir de testemunha em documentos legais.) no castelo de  Payns  a 10km de  Troyes  e morreu na Palestina em 1136.

Mas o seu nascimento permanece misterioso. Terá sido feito cavaleiro em 1085, pois encontramo-lo mencionado numa carta desta época como Senhor de Montigny. Parece ter sido um senhor importante na corte do Conde de Champagne, já que o seu nome é citado várias vezes como testemunha de doações feitas por Hugo, Conde de Champagne.

Hugo de Payens II, principal fundador da Ordem do Templo, é um dos dois filhos do segundo casamento de seu pai, Hugo de Payens primeiro do nome. Seu pai casou com a herdeira do domínio de Montigny, da qual ele se tornou o senhor. Foi também o pai de Walter, que se tornou senhor do mesmo lugar em 1100. A morte da herdeira, provavelmente antes de 1070, levou o senhor de Montigny para tomar uma esposa, da qual teve dois filhos: Acheus de Payns e Hugo II.
A família de Payens / Montigny, de acordo com os cartas da abadia de Molesmes, tinha laços familiares com Touillon e Montbard (família de São Bernardo de Claraval).

Logo após o conde de Champagne ter confiado o domínio de Payns, domínio dos seus antepassados, para Hugo II, este último casou em 1108 com Elizabeth Chappes. Esta união não durou muito tempo, pois Hugo II partiu em 1113 ou 1114 para a Terra Santa, após a morte da sua esposa. O casal teve quatro filhos: Gibuin, que será visconde de Payns (antes de 1140) e de Chappes (pela sua mãe), morreu sem descendência antes de 1150. Thibaud tornou-se eclesiástico e será eleito abade da abadia de Sainte-Colombe de Sens em 1139. Participa no Concílio de Sens em 1140, em companhia de S. Bernardo, concílio que condenará Pierre Abélard pelas suas teses pouco ortodoxas. Empreendeu a construção da nova igreja da abadia em 1142, mas parte em 1146 para o Oriente, onde encontrará a morte durante a Segunda Cruzada. Michel Lamy (Os Templários, 1996) refere que um irmão de Hugo de Payens teria sido abade de Sainte-Colombe de Sens e que o seu filho, mencionado como Thibaut de Pahans, lhe sucedeu como abade. Este Thibaut teve alguns problemas por ter empenhado uma cruz e uma coroa de ouro ornada de pedrarias, que pertenciam à abadia. Terá sido por uma boa causa: conseguir dinheiro para as despesas de participação na Segunda Cruzada. Isabelle (também chamada Elisabeth) casou com Gui Bordel, que morrerá também na Segunda Cruzada. Contudo, um dos seus filhos, Gui Bordel II entrará na Ordem do Templo e será comendador da Comendadoria de Bure-les-Templiers. Herbert tem uma descendência que se perde no princípio do século XVI. Contudo, a sua linhagem conservará até à Guerra dos Cem Anos o castelo de Payns, perto da Comendadoria do mesmo nome. Depois, perdem-se todas as pistas.

Crónicas posteriores falam de Catherine St. Clair como sendo a esposa de Hugo de Payens.

Mas estes dados sobre o seu nascimento não são unanimemente aceites. Há quem lhe encontre antepassados italianos ligados a Mondovi e a Nápoles. Para outros o seu verdadeiro nome seria Hugo de Pinos e teria origens em Espanha, mais precisamente em Baga, Barcelona, o que seria confirmado por um manuscrito do século XVIII, conservado na Biblioteca Nacional de Madrid. Mas afirma-se, sobretudo, que seria de Ardèche, de uma família proveniente da Alta Provença que se fixara em Forez. Segundo Gerard de Sède os seus antepassados teriam sido companheiros de Tancredo, o Normando. Hugo teria nascido a 9 de Fevereiro de 1070, no castelo de Mahun, comuna de Saint-Symphorien-de-Mahun, em Ardèche. Em 1897 foi encontrado um registo de nascimento, mas pode tratar-se de uma homonímia. A biblioteca de Carpentras conserva um manuscrito de doação do bispo Laugier de Avinhão, datada de 29 de Janeiro de 1130, onde Hugo de Payens é referido como sendo originário de Viviers11, em Ardèche.

       Algumas fontes sugerem que o Conde de Champagne participou na Primeira Cruzada em 1096, outras fontes afirmam que não. Se participou é razoável pensar que Hugo de Payens o acompanhou e serviu no exército de Godofredo de Bouillon durante a Cruzada.

Sabe-se que o Conde fez uma peregrinação à Terra Santa em 1104-1107 e visitou Jerusalém pela segunda vez em 1114-1116. É provável que fosse acompanhado por Hugo de Payens, que acabou por ficar quando o Conde regressou a França, como é referido numa carta como "Hugonis de Peans" como fazendo parte de uma lista de testemunhas em Jerusalém em 1120 e outra vez em 1123. Em 1125 o seu nome aparece outra vez como testemunha de uma doação, desta vez acompanhado pelo título de "magister militium Templi".

Jacques de Vitry, que escreveu um século depois da fundação da Ordem, e estava muito ligado aos Templários refere o seguinte sobre as origens: «Alguns cavaleiros, amados por Deus e ordenados para o seu serviço, renunciaram ao mundo e consagraram-se a Cristo. Mediante votos solenes pronunciados perante o patriarca de Jerusalém, dedicaram-se a defender os peregrinos dos arruaceiros e ladrões, a proteger os caminhos e a servir de cavaleiros ao soberano rei. Observaram a pobreza, a castidade e a obediência, segundo a Regra dos Cónegos Regulares. Os seus chefes eram dois homens veneráveis, Hugo de Payns e Geoffroy de Saint-Omer. Inicialmente, só houve nove que tomaram uma decisão tão santa e, durante nove anos, serviram com vestes seculares e cobriram-se com aquilo que os fiéis lhes deram como esmola. O rei, os seus cavaleiros e o senhor patriarca encheram-se de compaixão por esses nobres homens que tudo haviam abandonado por Cristo e deram-lhes algumas propriedades e benefícios para proverem às suas necessidades e pelas almas dos doadores. E porque não tinham igreja ou casa que lhes pertencesse, o rei instalou-os no seu palácio, perto do Templo do Senhor. O abade e os cónegos regulares do Templo deram-lhes para as necessidades do seu serviço, um terreno que não ficava distante do palácio e, por essa razão, foram mais tarde chamados Templários.»


A 25 de Dezembro de 1118 (dia da coroação de Balduíno), fundaram a Ordre des Pauvres Chevaliers du Christ, e foi em 1119, depois de terem pronunciado votos monásticos perante o Patriarca de Jerusalém, que tomaram o nome de Chevaliers du Temple de Jerusalem ou mais simplesmente Chevaliers du Temple, os Templários (Templiers, Templars).

Para além de Hugo de Payns, encontramos Geoffroy de Saint-Omer, um flamengo; André de Montbard, nascido em 1095 e tio de São Bernardo pela sua meia-irmã, Aleth. Havia também Archambaud de Saint-Aignan e Payen de Montdidier (por vezes designado pelo nome de Nivard de Montdidier), ambos flamengos. E, depois, Geoffroy Bissol, sem dúvida originário do Languedoque e Gondomar, que talvez fosse português. Por fim, um tal Roral, ou Rossal, ou Roland, ou ainda Rossel, de quem nada mais sabemos, e um hipotético Hugo Rigaud, que teria sido originário do Languedoque.

A existência de uma milícia deste tipo fazia todo o sentido. Os exércitos de cruzados, que permaneceram na Terra Santa, não tinham meios para dominarem todo o território, tanto mais que a maioria dos homens tinham regressado ao Ocidente. As cidades estavam controladas, mas a maior parte do país continuava em mãos muçulmanas. Alguns senhores árabes aproveitavam-se desta situação para assaltarem as caravanas de peregrinos. A estrada que ligava Jafa a Jerusalém estava particularmente exposta, pois os egípcios de Ascalon faziam frequentes incursões contra ela. Os peregrinos só podiam circular por ela agrupados em pequenas hostes e bem armados. Hugo de Payens parece ter decidido resolver este problema.

Mas só nove cavaleiros parece um número ridículo para a dureza da tarefa. Obviamente cada um deles devia ter consigo alguns homens, sargentos de armas e escudeiros, como era corrente na época. Mas mesmo assim parecem poucos. E no entanto a tradição diz que recusavam mais companhia, além de Hugo de Champagne, isto só em 1125. Além disso estes nove cavaleiros não parecem ter participado em qualquer operação militar, embora o rei não tenha parado de combater. Nestes factos se baseiam as lendas sobre a missão secreta destes nove cavaleiros.

E COMEÇAM AS LENDAS SOBRE OS TEMPLÁRIOS

Talvez a Hugo de Champagne seja a chave desta questão. Em 1104, na companhia de alguns grandes senhores onde se encontram os futuros templários Hugo de Payens e André de Montbard, Hugo de Champagne vai em peregrinação à Terra Santa. Regressa a casa em 1108 e volta ao Oriente em 1114, regressando a Champagne em 1115 a tempo de doar a São Bernardo as terras onde este constrói a Abadia de Clairvaux. Em qualquer caso a partir de 1108 Hugo de Champagne estabelece importantes contactos com o abade de Cister, Estêvão de Harding. E a partir dessa época os cistercienses começam a estudar minuciosamente textos sagrados hebraicos e vão ao ponto de pedir ajuda aos rabinos da Alta Borgonha. Que procuravam os cistercienses nesses textos, tanto mais que, ao contrário dos beneditinos, não eram monges particularmente ligados aos estudos? Parece, pois, que podemos especular que Hugo de Champagne tenha trazido para França importantes documentos descobertos em Jerusalém, documentos que foram traduzidos e interpretados. E Hugo de Champagne parece ter considerado as revelações suficientemente importantes para se continuarem as investigações na Terra Santa. Não o podendo fazer pessoalmente, encarrega Hugo de Payens de montar uma base de operações em Jerusalém. Só mais tarde, depois de se ver livre da esposa e deserdar o filho entregando o condado ao sobrinho, regressará à Terra Santa, isto em 1125-26. E a partir de 1127 os membros da ordem começam a movimentar-se.

Mas voltemos aos princípios da Ordem. O rei Balduino de Jerusalém atribui-lhes como alojamento edifícios situados no local do Templo de Salomão. Davam ao local o nome de caserna de S. João e, para lá instalarem os Templários, foi preciso expulsar, ou melhor, mudar de local, os cónegos do Santo Sepulcro, que Godofredo de Bouillon aí instalara. Porque não procurar outro local para os Templários? Obviamente a necessidade de lhes oferecer aquele local não tem nada a ver com a patrulha de estradas.

As caves eram chamadas de estrebarias de Salomão e um cruzado alemão, João de Wurtzburg, dizia que eram tão grandes que lá se podiam alojar mais de mil camelos e mil e quinhentos cavalos. E todo este espaço foi entregue aos nove cavaleiros do Templo, que pareciam recusar-se a aceitar novos membros. Estes nove cavaleiros parecem ter desentulhado as caves e utilizaram-nas a partir de 1124. Mas utilizavam-nas para quê? Como estrebarias ou para buscas secretas? E o que é que procuravam e o que é que encontraram?

O Templo de Salomão foi construído para albergar a Arca da Aliança, que continha as Tábuas da Lei. O Templo original foi destruído por Nabucodonosor em 586 a.C. Novamente reconstruído em 538 a.C. foi destruído, este Segundo Templo, por Antíoco Epifanes. No ano 4 o rei Herodes, o Grande, volta a reconstruir o Templo, que seria destruído pelos romanos no ano 70. Quando os Templários se instalaram no local onde se erguera, do Templo apenas restava um pedaço do muro das lamentações. E erguiam-se duas mesquitas: Al-Aqsa e Omar.  Dividiram a grande sala de oração da primeira em quartos e acrescentaram novas construções.

A Arca parece pois um provável motivo de busca por parte dos primeiros Templários, tanto mais que uma tradição rabínica fala de um esconderijo para onde a Arca seria levada em caso de perigo. A Arca era basicamente uma caixa de madeira com aproximadamente 1m10 de comprimento e 66 cm de largura e altura. Estava interior e exteriormente forrada de ouro.

Não existem referências ao facto da Arca ter sido roubada aquando das diferentes pilhagens. Quando foi colocada no Templo, segundo o Livro dos Reis, Salomão dirige-se a Deus através dela: «O Eterno declarou que habitaria na escuridão. Acabei de edificar uma casa que será Tua residência, oh Deus, uma casa onde Tu habitarás eternamente.» Quando Nabucodonosor tomou Jerusalém, não há qualquer referência à Arca no saque. Terá ardido com o Templo em 587 a.C. ou, jazendo na escuridão, isto é, enterrada, foi descoberta pelos Templários? Os documentos de Hugo de Champagne poderiam ter revelado o local onde se encontrava e a missão de Hugo de Payens e dos seus cavaleiros seria encontrá-la. E em 1125-6 Hugo de Champagne volta a Jerusalém e pouco depois Hugo de Payens e outros companheiros viajam para a Europa em busca de apoio para a fundação de uma ordem militar dotada de uma regra muito especial. E podemos acrescentar que esta regra nasce em Troyes, isto é, em território que fora do conde de Champagne e que está em mãos do seu sobrinho, o mesmo é dizer que foram tomadas precauções quanto ao local, garantindo segredo, vigilância e... esconderijo para as suas descobertas.

Mas quer os Templários tenham descoberto a Arca da Aliança ou não, a sua ligação a Salomão não termina aí. O primeiro nome da ordem foi «Pobres Cavaleiros de Cristo», mas quando recebem a sua regra logo surge: «Aqui começa a regra da pobre cavalaria do Templo.» Encontramos nas doações que lhes foram feitas o título de Cavaleiros do Templo de Salomão. O alemão Wolfrain von Eschenbach, que se afirmava Templário, escrevia no seu Parzival que o Graal fora transferido por Flégétanis, da linhagem de Salomão e que os Templários eram os seus guardiões.

Mas voltando ao Templo de Salomão e à sua construção, que Salomão confiara ao mestre Hiram. Este arquitecto terá sido assassinado por companheiros invejosos a quem recusara revelar certos segredos. Quando Hiram desaparece, Salomão envia nove mestres à sua procura. Nove eram os primeiros Templários e também parecem buscar algo de secreto. Tal como Salomão, os Templários apostam no comércio. Salomão quis uma frota comercial e os Templários criaram uma poderosa frota. Não esqueçamos que S. Bernardo, ao fazer a propaganda dos Templários, usa o Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão.

A Arca da Aliança, segredos de arquitectura... mas que mais poderia ser encontrado na Palestina? Segredos ligados a Jesus? Ao Graal... E ao Diabo também...

Segundo o Apocalipse de S. João, depois de ter sido vencido e expulso do céu com outros anjos, Satã é acorrentado no abismo. Ora a tradição afirma que esse abismo tem várias saídas e uma delas encontrar-se-ia precisamente no Templo de Salomão, devidamente selada, como é óbvio.  Assim temos o quartel dos Templários situado num local que, através da Arca comunicava com o Céu e por uma abertura, com os Infernos. Pois parece realmente bizarro colocar os Templários como guardas de um local por onde Satã se poderia evadir. Mas não podemos esquecer-nos que eles parecem escolher cuidadosamente muitos dos locais onde se instalam por toda a Europa. E não devemos esquecer-nos que Satã de certa forma representa se não todas, pelo menos a maioria das divindades pagãs ligadas às forças telúricas.

Mas voltemos à História dos primeiros tempos da Ordem do Templo.

Em 1127 Hugo de Payens regressa ao Ocidente com mais cinco companheiros Templários.  Temos que considerar que com Hugo de Champagne os total de cavaleiros seria de 10 e, portanto, ficam apenas cinco cavaleiros na Palestina para protegerem os peregrinos. Um número ridículo, como já foi referido e que leva a pensar que essa missão era apenas um disfarce para outra coisa. Aliás, só em 1129 os Templários vão enfrentar os infiéis em combate pela primeira vez. Isso não impede que em 1127-28 sejam aclamados pelas suas «façanhas guerreiras» inspiradas por Deus. É apenas publicidade. A ordem partia para a sua segunda fase, a sua transformação numa ordem militar. O pequeno e discreto número de cavaleiros ocupados na descoberta de segredos importantes, certamente concluíra com êxito a sua missão. Agora era necessário evoluir.

Balduíno II e o Patriarca de Jerusalém, Gromond Picquigny, financiam esta viagem de Hugo ao Ocidente. Para Hugo, é necessário estabelecer uma base sólida no Ocidente. Isso envolve o recrutamento de homens ávidos para lutar pela causa ou, por outro lado, estabelecendo uma rede capaz de suportar o esforço militar do Ultramar. Mas acima de tudo, ele deve obter a aprovação das autoridades religiosas. Para isso, pediu ao Papa Honório II a convocação de um concílio, para sancionar a criação da sua organização. Ao mesmo tempo, Balduíno envia uma missiva a Bernard de Clairvaux para que este faça tudo para que a Ordem seja reconhecida e que ele reflectisse na redacção duma Regra.

Já vimos o papel fundamental do antigo suserano de Hugo de Payens, Hugo de Champagne. Em 1125, ele deixou novamente Champagne, depois de ter nomeado Thibaud de Blois para sucedê-lo, e junta-se à milícia Christi. Não esqueçamos que foi o Conde de Champagne quem doou as terras onde S. Bernardo funda a sua abadia de Clairvaux. E não esqueçamos que é no seu antigo território que o Concílio vai decorrer, isto é, em Troyes. A influência do antigo conde de Champagne continua pois a pairar sobre a missão de Hugo de Payens.

São Bernardo é um dos homens mais importantes do século XII. Nascera em 1090 no castelo de Fontaine, a noroeste de Dijon, terceiro filho de Tescelin e Aleth de Montbard. A mãe confia a sua educação aos cónegos de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine, onde aprende aritmética, musica, geometria, astronomia, gramática, retórica e dialéctica, além de ler Cícero, Virgílio, Ovídio, Horácio, etc. Mais tarde entraria na Ordem de Cister, arranstando consigo trinta companheiros, isto no tempo de Estêvão de Harding. Defenia-se como alguém que procurava Deus e pensava que, neste caso, «quem procura, encontra». Era exigente com os outros, mas ainda mais consigo mesmo. Para ele «amar a Deus é amar sem medida». Bernardo não se contenta em meditar, orar, adorar. Estudava, lia as escrituras, comentava-as, dissecava-as, procurando ir até à fonte em vez de se limitar aos comentadores anteriores. Conhecer-se a si mesmo é conhecer a Deus. Mas conhecer-se também é descobrir o quão insignificante se é. A vida de Bernardo desmente muitas vezes essa aparente humildade.

Em 1115 foi a ele que se confiou a fundação da abadia de Clairvaux. Lá se impôs e continuou a pregar a humildade. Dedicou-se à Ordem de Cluny para a qual defendeu uma reforma monástica. Acusava os monges clunisences de terem costumes dissolutos. Compreendemos com base nisto que S. Bernardo não podia defender para os Templários uma regra suave.

Bernardo tinha também um amor louco por Maria. Inventou uma oração a Maria, na qual aparece como a «Rainha» da Salve Regina, que intercede em prol dos homens, junto a Cristo, a Virgem que aceitou a provação desejada por Deus, triunfou sobre ela e é capaz de mostrar o caminho aos homens. A esta devoção de Bernardo à Virgem não deve ser alheia à veneração que os Templários sempre tiveram por Nossa Senhora.

Mas não foi Bernardo quem redigiu a regra. Com já foi dito, ele trabalhou a partir do texto redigido pelo patriarca de Jerusalém. O que é certo é que facilitou a sua aprovação e, nesse sentido, os Templários devem-lhe a sua regra.

Mas não podemos esquecer um outro abade, Estêvão de Harding, que com Hugo de Champagne parece ter congeminado todo o processo que levará à criação da Ordem do Templo. Nascido em Inglaterra, Estêvão de Harding começou a sua vida religiosa como monge no mosteiro de Sherbone. Depois continua os seus estudos na Escócia, a que se seguem Paris e Roma. De passagem por Molesmes funda Cister, de quem será o terceiro abade. Reformou a liturgia e fez da sua abadia um centro cultural único. Empreendeu a redacção da Bíblia de Cister e recorreu a sábios judeus para o ajudarem. Mandou efectuar duzentas e noventa correcções e cinco versículos de Samuel foram totalmente reescritos. Depois proibiu que se alterasse uma só palavra daquela Bíblia. E participou no Concílio de Troyes (L'abbé de Citeaux, Saint Étienne Harding), mas não sabemos de qualquer intervenção sua na redacção da regra.

Assim «no dia da festa do Senhor Santo Hilário, no ano da Encarnação de Jesus Cristo de 1128, ao nono ano do início da supramencionada cavalaria», reúne-se em Troyes o concílio. A assembleia foi presidida pelo legado do papa: Mathieu d'Albano. Assistiram a ela os bispos de Sens, Reims, Chartres, Soissons, Paris, Troyes, Orléans, Auxerre, Meaux, Châlons-sur-Marne, Laon, Beauvais. Encontravam-se também presentes vários abades, entre os quais Estêvão Harding, é claro, e leigos como Thibaud de Champagne e o conde de Nevers.

Hugo de Payens expôs à assembleia as necessidades da Ordem, tal como as concebia. Depois o texto foi estudado e discutido, artigo a artigo. A regra latina que daí resultou compreendia setenta e dois artigos. Tudo, ou quase tudo, estava previsto nela: os deveres religiosos dos irmãos, os regulamentos que fixavam os actos quotidianos (refeições, distribuição de esmolas, vestes, armamento, etc.), as obrigações dos irmãos uns em relação aos outros, as relações hierárquicas... Mas o concilio de Troyes deixava ao papa e ao patriarca de Jerusalém o cuidado de aperfeiçoarem a regra de acordo com as necessidades da Ordem no Oriente.  Quando Hugo de Payns regressou ao Ocidente, o patriarca de Jerusalém revira doze artigos e acrescentara vinte e quatro, entre os quais o facto de reservar o manto branco da Ordem apenas aos cavaleiros.

Um dos maiores problemas que o Concílio teve que ultrapassar foi o da incompatibilidade entre as funções de monge e as de soldado. E para isso a Igreja teve de modificar a sua concepção da teologia da guerra. Teve que aceitar a cavalaria e arranjar-lhe um lugar na sociedade cristã. O cristianismo primitivo condenava toda a guerra e toda a violência. preconizava, como única resposta, o amor e apenas o amor, mesmo em caso de agressão. Segundo Mateus, quando Pedro puxou da espada para cortar a orelha do criado do Grão-Sacerdote, não lhe disse Cristo: «Embainha a tua espada, porque aqueles que matam com a espada morrerão pela espada»? Mas as coisas não são assim tão simples. No mesmo Evangelho de Mateus não é o próprio Jesus quem afirma: «Não julgueis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas sim a espada»? Havia pois recursos teológicos para justificar actos guerreiros. Santo Agostinho foi o primeiro a elaborar uma teologia da guerra justa: «São chamadas justas todas as guerras que vingam as injustiças, quando um povo e um Estado, a quem a guerra deve ser feita, descurou de punir os delitos dos seus ou de restituir o que foi roubado por meio dessas injustiças».

Aliás, a noção de guerra santa era já bem conhecida no Oriente, embora continuasse, em teoria, muito ligada espiritualmente à purificação interior, tanto nas doutrinas essénicas ou zoroastrianas como na jihad islâmica. A espiritualidade do monge e o papel do guerreiro tinham já sido conciliados no islamismo, antes de o serem no cristianismo. Por exemplo, em Espanha, os muçulmanos rabitas que levavam uma vida muito austera, faziam voto de defender as fronteiras contra os cavaleiros cristãos e preferiam morrer a recuar.

Mas a partir de Troyes podia-se, em nome de Deus, levar a cabo guerras sob a única condição de os territórios envolvidos fossem povoados por heréticos, pagãos ou infiéis. Este conceito serviu, um pouco mais tarde, para justificar a cruzada contra os Albigenses. Foi o pretexto dos senhores do norte de pilharem o Languedoque, com o pretexto de uma guerra santa contra os cátaros, declarados heréticos.

Na época foram vários os que se insurgiram contra a criação de uma ordem militar. E estas críticas fizeram duvidar os próprios Templários, a ponto de Hugo de Payens ter de lembrar, numa carta aos primeiros deles, que se tratava de uma necessidade. O Grão-Mestre compreendera bem quais os pontos fracos da Ordem. Era preciso não deixar desenvolver-se a crítica e convinha responder antes de se espalhar e ser necessário que uma personalidade incontestável da Igreja viesse em socorro dos Templários. Por três vezes pediu ao seu amigo Bernardo que defendesse a missão dos Templários.

Acrescente-se mais uma acha para a fogueira da especificidade da Ordem do Templo: não se transformara, na esteira dos Templários, a Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém numa ordem militar? Porque não fundir os nove ou dez templários iniciais com os Hospitalários? Não seria a solução mais lógica, em vez de se criarem duas estruturas diferentes com logísticas próprias? Só se compreende que não se tenha dado a fusão porque o Templo tinha uma missão especial a cumprir, depois das descobertas feitas em Jerusalém.

Depois do Concílio de Troyes, Hugo de Payens e os seus companheiros fizeram uma viagem com o duplo fim de recrutarem homens e receberem doações.

Começam por zonas onde sabem que vão ser bem recebidos: Champagne, como é óbvio e, sem seguida, Anjou e Maine. Hugo conhecia bem Foulques V de Anjou, que participara na primeira cruzada e mantinha uma centena de homens de armas na Terra Santa. E Hugo tinha uma missão a cumprir junto dele: uma carta do rei Balduino de Jerusalém em que este, que não tinha um herdeiro do sexo masculino, desejava que Foulques casasse com a sua filha Mélisande e lhe sucedesse no trono de Jerusalém. Foulques aceitou e ajudou a facilitar a digressão de Hugo entre os seus vassalos.

Depois o primeiro Grão-Mestre do Templo passou por Poitou e na Normandia encontrou o rei Henrique I de Inglaterra que o aconselhou a visitar Inglaterra. Com a recomendação no bolso, Hugo dirigiu-se à Grã-Bretanha e chegou até à Escócia. Foi acumulando dádivas e presentes diversos. Voltou depois passando pela Flandres e regressando a Champagne. Por essa altura já uma pequena hoste se reunia em seu redor, ao longo das etapas, pronta a embarcar em Marselha.

Neste entretanto os seus companheiros de jornada faziam idêntico trabalho: Godfroy de Saint-Omer, na Flandres; Payen de Montdidier, no Beauvaisais e na Picardia; Hugo Rigaud, no Delfinado, na Provença e no Languedoque. Outro fora a Espanha.

Logo em Maio de 1128, D. Teresa, Rainha de Portugal, doou aos Templários o castelo de Soure, ponto de resistência contra os sarracenos. Não esqueçamos que os árabes da dinastia dos Almorávidas ainda ocupavam, nessa época, metade da península.

Quando embarca em Marselha no ano de 1129, com destino à Terra Santa, o Mestre do Templo conseguira recrutar trezentos cavaleiros, sem contar com os sargentos e escudeiros que os acompanham. Tudo correu pelo melhor. No Ocidente nasciam casas da Ordem, que tinham por dever continuar a propaganda e atraírem novos recrutas e doações, além de gerirem as existentes.

Hugo de Payns morreu em 1136 (novos dados parecem situar a sua morte entre 1133-34, mas as crónicas referem o ano de 1136), tendo dirigido a Ordem durante quase 20 anos. Curiosamente não se conhecem as circunstâncias da sua morte. Teria entre 56 e 66 anos. Um obituário da comendadoria de Reims indica que os Templários celebravam a sua memória a 24 de Maio. Mas não temos meios de saber se essa foi a data da sua morte.

2 comentários:

  1. muito bom cara..... mas gostaria de saber a fonte sandroax@hotmail.com

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  2. The Templars: Selected Sources, Malcolm Barber, Keith Bate

    Malcolm Barber, The New Knighthood: A History of the Order of the Temple. Cambridge University Press, 1994.

    William of Tyre, Historia rerum in partibus transmarinis gestarum, XII, 7, Patrologia Latina 201, 526-27

    Baigent, Leigh e Lincoln, The Holy Blood and the Holy Grail

    "Hugues de Payns - Chevalier Champenois, Fondateur de l'Orde des Templiers", Thierry Leroy, Editions de la Maison de Boulanger, 2001

    "Armorial des Mâitres de l'Ordre du Temple" , Bernard Marillier, Editions Pardès, 2000

    "Histoire des Templiers", J.J-E. Roy; Editions Pardes, 1999

    Barber, Malcolm. The Trial of the Templars. Cambridge: Cambridge UP, 1978

    Partner, Peter. The Murdered Magicians: The Templars and Their Myth. Oxford: Oxford UP, 1982

    Simon, Edith. The Piebald Standard: A Biography of the Knights Templars. Boston: Little, Brown and Co., 1959

    etc

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