quinta-feira, 22 de março de 2012

Viseu História: A Inscrição de Lamas de Moledo


Viseu História: A Inscrição de Lamas de Moledo

Por José de Oliveira Berardo

Junto ao lugar de Lamas de Moledo, no actual concelho de Mões, do distrito administrativo e bispado de Viseu, quase em distancia de quatro léguas ao nordeste desta cidade, existe uma notável inscrição encontrada haverá cinquenta anos, ou para melhor dizer conhecida desde aquele tempo pelos homens inteligentes e possuidores dalguns conhecimentos arqueológicos. É uma extensa lapide de granito comum do país, já algum tanto fendida pelo meio, compreendendo na sua área trinta e cinco palmos craveiros de altura sobre trinta e três de largura. A face desta lapide que está virada para o norte, contem onze letreiros desiguais, tendo as regras ou colunas, colocadas verticalmente e começando a mais pequena delas pela parte do poente. Cumpre aqui prevenir pelo que adiante teremos de ponderar que em distancia a menos de légua, correm alguns ribeiros que formam um pequeno rio denominado Coura, influente da margem direita do rio Vouga, os quais podem ter servido para demarcação de distritos. Eis aí uma copia fiel da inscrição:



O primeiro aspecto desta inscrição, apresentando caracteres romanos, siglas quase desconhecidas, nomes completamente bárbaros e, mais que tudo, a direcção vertical das regras, impressiona o leitor curioso de tal maneira que lhe suscita logo a ideia de uma invenção caprichosa e enigmática.

A coluna terminada ao Nascente pode servir de ponto de partida para entrarmos neste intrincado labirinto. Sem a menor hesitação podemos ler Caelobricoi e referir este vocábulo (provavelmente em genitivo) á antiga cidade de Calabria, que no domínio dos godos fora sede de um bispado composto principalmente de uma paroquia da diocese de Viseu, como se depreende das actas do concilio de Lugo que estão nos códices de Braga, cujos fragmentos, ainda que interpolados, têm contudo muita autoridade entre os melhores críticos.

Segundo o autor do Elucidário: «Quase uma légua de Castelo Melhor, entre Leste e Nordeste e já no termo de Almendra e na Comarca de Riba-Côa, acham-se as ruínas da famosa cidade de Caliabria, que no tempo dos Godos foi Episcopal e nos Concílios de Toledo figuraram os seus Prelados desde 621 a 693. Pela invasão dos Sarracenos cessaram os seus Prelados e, na restauração de Espanha, passou a Cadeira Episcopal à Cidade Rodrigo. Baldadamente se empenharam alguns escritores em localizarem fora de Portugal a Cidade de Caliabria (...) No Arquivo da Sé de Cidade Rodrigo encontram-se documentos incontestáveis do nome e localização desta cidade e principalmente uma doação que o rei D. Fernando II de Leão fez àquela Catedral em 1171.»

Henrique Flores escreve em España Sagrada: «Cominando documentos resulta que, reinando na Espanha o godo Suintila a partir de 621, foi primeiro Bispo de Calabria Servus Dei, o qual subscreve no 4º Concílio de Toledo celebrado a 5 de Dezembro de 633. Sabemos que os Suevos dominaram até aos limites de Cidade Rodrigo, onde se achava Calabria, paróquia sujeita ao Bispado de Viseu, como se vê nas actas do Concílio de Lugo. Como porém houvesse grande distância entre as Cadeiras das Sés de Salamanca, Egitania e Viseu, resultando grandes embaraços para os ofícios eclesiásticos, os Godos já católicos trataram de instituir em Calabria um Bispado, centro da circunferência de Lamego, Viseu, Egitania, Coria, Avila e Salamanca.»

Depois do primeiro Bispo de Calabria temos notícia de Celedonio, Aloario e de Ervigio, que subscreveu no 16º concílio de Toledo, celebrado em 693.


Tendo em vista o que atrás citámos, somos do parecer que a lápide de que estamos a tratar, foi ali colocada provavelmente em meados do século VII, para demarcar os limites do território do bispado de Calabria, desanexado do de Viseu.

O que se pode ler, sem forçar muito as aparências, são alguns nomes de antigas povoações ou paróquias de que ainda hoje, nos bispados de Viseu e Pinhel, existem os vestígios com as denominações forçosamente pervertidas pelo tempo.

É portanto provável que Ançom corresponda hoje à paróquia de Antas ou à de Algodres, ao arciprestado de Pena Verde; ou a algum lugar já desaparecido. Lamaticom será com toda a probabilidade a paróquia de Lamas de Moledo, onde a lápide está colocada. Estas povoações pertencem à diocese de Viseu.  Crougeai Maça podem bem ser Gouveias e Maçal; Renicei Petrnicit, Póvol d'ElRei e S. Pedro, paróquias dos actuais arciprestados de Trancoso e Pinhel; por fim Adom - Porco Miovea, as paróquias hoje denominadas de Adem e Porto d'Ovelha, do arciprestado de Castelo Mendo. Todos estes lugares pertencem hoje ao bispado de Pinhel, que foi separado do de Viseu em 1770.

Podemos pois interpretar do seguinte modo o escrito na lápide: 



(Para ver as mais recentes interpretações desta inscrição visite o site Portugal Romano)

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