segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

História: Rio de Janeiro 1857




História

RIO DE JANEIRO 

O porto do Rio de Janeiro é magnifico, todo matizado de ilhas encantadoras. D'este nome, primeiro dado á enseada ou bahia, que tem a embocadura para a parte do sul, participou depois a cidade, que sobre ella se fundou. Um erro geographico lhe desvirtuou a propriedade do nome. Os primeiros exploradores que seguiam a costa do cabo de S. Roque para o sul, com três caravellas commandadas por Gonçalo Coelho, entraram n'aquella bahía, enseada ou pequeno golpho, em janeiro de 1502, e lhe chamaram rio, no que foram sendo seguidos e imitados até hoje. Lery diz, que os indígenas lhe chamavam Ganabará, e, segundo outros Nhiteroi ou Nictero-hy, que na língua do paiz vale tanto como Mar- morto, expressão que não deixava de ser significativa, como tantas outras da lingua tupi.

O pequeno golpho em que está a cidade do Rio de Janeiro, capital do império do Brazil, é uma das paragens mais encantadoras da terra; um dos melhores, mais frequentados, e espaçosos portos do mundo; um dos mais resguardados de contratempos, não só pelas suas condições naturaes, mas tambem pelo que a arte lhe tem acrescentado.

A planta da enseada aproxima-se da figura triangular, com um dos vértices no meio da barra, que dista do recesso de Magé menos de cinco legoas portuguezas. A barra é limpa de cachopos, e podia até fechar-se com uma corrente, como a de Havana. Dentro dá fundeadouro abrigado á maior esquadra do mundo.

Esta bahia, que offerecia tanta segurança e recursos ao navegante, continuaram a frequental-a os portuguezes, senhores d' aquella costa desde o principio do século XVI, dando-lhe o nome de bahia de Cabo-frio. Christovam Pires, que na nau Bretoa explorava aquelles mares, onze annos depois da descoberta, foi alli encontrar estabelecido, sob o titulo de feitor, e com o fim de facilitar aos seus compatriotas o commercio do pau-brazil, uma espécie de Robinson, chamado João de Braga, que levantára frágil habitação n' uma das pequenas ilhas de que aquellas pacificas aguas estão semeadas. Entretanto em vão se procurara agora sobre as collinas verdejantes que dominam a cidade, alguns pés reunidos de ibirapitanga (pau-brazil) cujo trafico importante tantas nações invejaram a Portugal. Os innumeros cafeeiros, que hoje fazem a riqueza da província, substituíram as florestas primitivas.

Fernão de Magalhães, na sua passagem para a descoberta do estreito a que deu nome, entrou na mesma enseada, e lhe chamou bahia de Santa Luzia.

Em 1557 o cosmographo Thevet, d'acordo com Villegagnon, que protegido por Coligny, alli fundára uma colónia, que apenas durou até 1560, lhe chamou Franca antárctica.

Em 1565 Estácio de Sá perseguia e expulsava de todo o porto os francezes que o defendiam e sustentavam encarniçadamente, ajudados pelos índios tamovos.

Só depois d'esta completa expulsão é que elle lançou os fundamentos á cidade do Rio de Janeiro, no terreno elevado que vae acabar na ponta do Calabouço, a que chamou cidade de S. Sebastião, em honra do seu joven rei. Estácio de Sá tinha antes levado para a proximidade do sitio chamado Botafogo, algumas casas para residência dos atacantes; a ellas se ficou depois chamando vila ou cidade velha.

A cidade estendeu-se pela planície, deixando, da parte da terra, o espaçoso campo de Santa Anna, hoje chamado da Acclamação. Não foi bem escolhido o local para continuar a fundação, que invadiu um sitio paludoso, com pouca circulação de ar, e que para attenuar as condições da sua insalubridade no verão, tem reclamado n' este século grandes obras e providencias, que por ventura não poderão vencer tudo sem a destruição do monte do Castello, principal causa que impede á cidade receber diariamente a viração do mar, providencialmente frequente nos paizes tropicaes.

A cidade estende se hoje para o lado da barra pelas praias da Gloria até Botafogo. Até ao sitio do Catête, nome que deriva de um ribeiro que por alli corre, é povoada sem interrupção.

A descripção minuciosa d' aquellas margens encantadoras exigiria volumes. Penetrando na bahia pelo passo comprehendido entre o forte de Santa Cruz e o de S. José, a pequena ilha da Lage, situada quasi a meio, ainda lhe aperta mais a embocadura. Passando este ilhote, entra-se na vasta bahia, onde os ilhotes e ilhas são sem numero. A que se chama ilha do Governador é a maior. A ilha da paqueia, que lhe é visinha, sobresáe pelo seu aspecto pittoresco. As pequenas ilhas de Villagalhão e das Cobras, que defendem a entrada da bahia propriamente dita, merecem por isso particular menção. Muitas calhetas bordam todo o circuito da bahia, podendo todas receber pequenas embarcações. e algumas navios do alto porte.

A massa granítica que alli se designa pelo nome de Pão d'Assucar, que campêa á entrada da bahia, e que por muito tempo lhe serviu de demarcação, lambem tem sua historia particular. Audaciosos esforços empregaram os que conseguiram do alto d'esse monolitho gigantesco contemplar a bahia, de 100 braças acima do nivel do mar. Dizem que essa ascensão, de admirável gymnastica, fôra primeiro feita por um inglez, que subiu até ao cimo do cone, e n'elle hasteou a bandeira da Gran Bretanha; mas que ella se não conservara alli mais que alguns dias, porque um intrépido soldado portuguez ou brazileiro, a quem tinham promettido baixa, se ousasse fazer tão perigosa ascensão, a foi arrancar. Este successo contará já cerca de trinta ou quarenta annos, porque se diz occorrido no ministério de Villa Nova Portugal. Notícias recentes dizem, que aquella subida se tem nos últimos annos renovado muitas vezes.

Sobre o monte verdejante, d' onde surge o Pão d'Assucar, está situado o forte de S. João, cujo póde cruzar com os dos fortes das ilhas de Villagalhão, Santa Cruz, e Lage.

O porto do Rio de Janeiro póde considerar-se ponto de reunião dos navios que navegam no Atlântico, como Marselha o é dos que frequentam o Mediterrâneo.

Merece aqui particular menção a eloquente e pittoresca descripção que da bahia do Rio de Janeiro de faz o seu incançavel e illustrado historiador Francisco Adolpho de Varnhagem, no 1º volume da sua Historia geral do Brazil, ha pouco impresso. Com palavras suas damos mate a este artigo.

«É um prodígio da natureza (diz elle), tal que aos mesmos que o estão admirando lhes está parecendo fabuloso.

«Não ha viajante antigo ou moderno que não se extasie ante uma tal maravilha do Creador. Os quetem corrido os empórios do Oriente, visto as scenas do Bosphoro, admirado os contrastes da deliciosa bahia de Nápoles, em presença das cimas mais ou menos fumegantes do seu Vesúvio, todos são unanimes em reconhecer que esses considerados portentos da hydrographia ficam a perder de vista, quando se comparam ao que ora temos presente. Semelha-se antes, em ponto maior, a um dos lagos do Salzkammergut, ou ainda da Suissa, ou da Lombardia, com salgadas em vez de doces, e com verdura variegada, em vez de neve, nos mais altos serros que se descobrem ao longe.

«As serranias azuladas pela distancia em que os píncaros alcantilados e nús parecem encarapitar-se a desafiar as nuvens, abarreirando com ellas dos furacões o porto por esse lado, fazem contraste com os outeiros de terra avermelhada, em cujas cimas coroadas de palmeiras ondêam estas os ramos com a viração da tarde. Os morros graníticos, a logares descarnados, de fórma mais ou menos regularmente cónica, que atalayam toda a bahia, contrastam egualmente com as várzeas e encostas vestidas de vigorosa vegetação perenne, cuja bella monotonia elles estão nem que collocados alli para quebrar. Entre esses morros, dois acham-se como de sentinella registrar a entrada da barra. Chamam-se, em virtude das suas formas, o Pão d' Assucar, e o Pico. Mais para o sul levanta se a Gávia, que parece ter no alto um taboleiro como as dos mastros dos navios. Outro morro parece postado nem que para offerecer sobre si um ponto quasi no firmamento, d' onde o homem fosse absorto admirar o conjuncto de prodígios. Por estar como vergado, a fim de permittir mais fácil subida, lhe chamaram o Corcovado, denominação esta que, além da falta de caridade da parte de quem a deu, envolve uma espécie de ingratidão dos que ora a seguimos... Tendo a nossos pés a cidade, e em torno d'ella suas vistosas chacras, alcança a vista ao longe o horisonte, onde o fareIhão do Cabo Frio parece confundir se com os plainos do Atlântico.

«Do mais alto das serras que se elevam para o interior, manam por entre morros e outeiros uma porção de riachos e ribeiros, muitos dos quaes, depois de precipitar se de cachoeira em cachoeira, vão despejar suas aguas em saccos e remansos ou pequenas enseadas, que como para receber aquellas, se encolhem d' este grande seio, vindo a consentir que entre cada duas de taes enseadas se avance e hoje caprichosamente uma esvelta península, cujos airosos coqueiros se espelham nos dois mares que de cada lado mandam ondas salgadas a chapinhar-lhe as faldas. O maior de taes ribeiros, isto é, o que traz sua origem de mais longe, e cáe mais no fundo do golpho (ao qual roubaria o nome que tem se effectivamente elle fosse rio) chama-se de Macacú.»



ARCHIVO PITTORESCO 1º ANNO, 1857

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