domingo, 13 de fevereiro de 2011

História: Cardeal D. Henrique, 17º rei de Portugal




História

Portugal

O CARDEAL D. HENRIQUE, 17º REI DE PORTUGAL 


O cardeal D. Henrique foi o sétimo filho delrei D. Manoel e da rainha D. Maria, sua segunda mulher. Logo desde a mocidade o destinarão ao estado ecclesiastico, e contava apenas vinte e dois annos quando foi nomeado arcebispo de Braga. Deste arcebispado passou para o d'Evora e depois para o de Lisboa. Paulo 3º o creou cardeal, e inquisidor geral destes reinos.

Achava-se este príncipe em Alcobaça, quando a Lisboa chegarão as primeiras noticias da derrota de Alcacer-quibir; e logo os governadores do reino lhe escreverão que viesse tomar conta do throno, de que era legitimo herdeiro, como parente mais próximo do rei defunto. Não sendo porém ainda segura a noticia da morte de D. Sebastião, só tomou o cardeal o titulo de Protector do reino aos 22 de agosto de 1578. Mas de curta duração foi esta forma de governo porque três dias depois chegou de Tanger o auto remettido por Belchior do Amaral no qual dizia ter elle mesmo enterrado o cadáver d elrei D. Sebastião em Alcacer-quibir, nas casas do alcaide daquella villa Abraam Sufiane. Com o que houverão todos o throno por vago e foi o cardeal D. Henrique acclamado rei aos 28 do mesmo mez, tendo então quasi 67 annos de idade. 

Tratou logo elrei de faser a paz com os mouros, e por este meio conservou as poucas praças que nos restarão em Africa; e conseguio resgatar os captivos que havião sobrevivido á batalha de Alcácer, para o que foi mister fazerem-se custosos sacrificios, visto o estado de pobreza e abatimento em que ficara o reino. Por esta occasião derão as senhoras portuguesas raro exemplo do seu patriotismo, offerecendo á porfia todas as suas jóias e peças de valor para ajuda do resgate, ficando certamente mais ornadas com tão formosa acção do que d' antes o erão com seus enfeites d'oiro e diamantes.

Posto que sacerdote velho e enfermo, instavão todos com elrei porque se casasse para dar successor á coroa; e, depois de alguma irresolução, veio elrei em mandar sobre isto embaixadores ao papa a pedir lhe a necessária dispensa. Mas baldadas forão todas as diligencias que sefizerão na corte de Roma, porque Filippe 2º, que de ha muito tinha os olhos na coroa de Portugal, embaraçava o negocio por via de seus agentes, que a occultas tratavam com o papa. De modo que este, protestando que tal caso demandava mui seria deliberação, o commetteo a huma junta de cardeaes que nada decidio. E nisto se houve Gregório 13º com muita finura, porque ao mesmo tempo que vendia esta finesa a elrei de Hespanha, caminhava particularmente nos interesses da santa sé, porque também elle, como depois se vio, tinha pretenções sobre a coroa de Portugal.

Via- se entretanto o cardeal-rei cheio de desgostos, e na maior incerteta e perplexidade; porque perdidas por aquelle lado as esperanças, os grandes, as camaras, o povo, todo o reino em fim, o apertava para que designasse quem por sua morte lhe devia sueceder no throno. Faltavão porém a elrei aquella firmeza e resolução que lhe erão mister em caso de tanta poderação e difficuldade.

Muitos forão os pretendentes da coroa, que se apresentarão; mas entre elles havia três, de quem se não julgava fácil discernir a melhoria de direitos. Erão estes, o duque de Parma, nascido da infanta D. Maria filha primogénita do infante D. Duarte; a duquesa de Bragança, filha segunda do mesmo infante: e Filippe 2º, filho da infanta D. Isabel. Deste modo os dois últimos erão sobrinhos direitos, e o duque de Parma segundo sobrinho d elrei.

A estas pretenções seguia se D. António, prior do Crato, filho natural do infante D. Luiz, o qual affirmava que seu pai fora occultamente casado com sua mãi, e se o podesse provar, sem dúvida que teria melhor direito que qualquer dos outros. O duque de Sabóia, e Catharina de Medicis, rainha de França, fundavão suas pretenções em direitos mais remotos. Finalmente o papa Gregório 13º veio allegando que a coroa de Portugal lhe pertencia, como espolio de hum cardeal.

Mostrára-se elrei ao principio mais inclinado a favor da duqneza de Bragança, cujo direito sem dúvida era o melhor; mas assustava-o o poder de Filippe 2º, e o partido que o prior do Crato se havia formado principalmente entre o povo; e nesta irresolução tomou o peior partido que foi o de temporisar.

Nestas vistas mandou citar todos os pretendentes á coroa, para virem sustentar seus direitos e justiça. Mas como seus annos e enfermidades lhe não promettião de viver até final decisão deste processo, resolveo nomear cinco governadores, que por sua morte regessem o reino, e examinados os direitos dos pretendentes, sentenciassem definitivamente a causa.

Esta irresolução d'elrei a todos desgostou; o povo murmurava, e os grandes fizerão-lhe representações; porém elle obstinado convocou as cortes para confirmarem a sua decisão. Reunirão se com effeito os Três Estados do reino no 1º de abril de 1579; mas depois de longas discussões, em que apenas se acharão duas pessoas do mesmo parecer, vierão a separar-se sem haverem feito mais que confirmar a decisão d'elrei.

Filippe 2º não occultava a sua firme resolução de senhorear- se de Portugal a todo o custo. Para esse fim mandou a Lisboa D. Christovão de Moura, que com intrigas, grandes sommas de dinheiro, e ainda maiores promessas lhe comprou algumas das pessoas de maior influencia; ao mesmo tempo que elle mandava fazer levas de gente em todos os seus estados, e reunia hum bom exercito nas fronteiras. 

Estes aprestos mais intimidarão o animo d elrei, e lhe fizerão abandonar os interesses daduqueea de Bragança, que até alli parecera seguir. Algumas demonstrações populares a favor do prior do Crato acabarão de o encher de terror. Assim, de hum lado antolhando-se- lhe já o reino despedaçado por huma guerra civil, e invadido pelas forças de Castella, e do outro induzido pelas suggestões daquelles com quem o oiro hespanhol podéra mais que a fidelidade e o amor da pátria, resolveo elrei tratar particularmente com Filippe 2º sobre as condições com que o declararia herdeiro da corda de Portugal.

Entretanto mandou convocar novamente as cortes, que se abrirão no paço de Almeirim aos 9 de janeiro de 1580; e communicou- lhes o seu projecto de fazer capitulações com elrei de Castella, como único meio de conservar a paz e tranquilidade do reino. O braço do clero dêo- lhe logo sua approvação; no da nobreza, depois de calorosos debates, venceo-se também por um só voto, porém os procuradores regeitárão unanimemente tal proposta, e dirigirão a elrei huma instante súpplica para que não entregasse o reino aos castelhanos, e que elegesse hum suecessor portuguez, fosse elle quero fosse. Mas como elrei não viesse nisto, e entendendo elles, que se achava decidido por Filippe 2º, declararão abertamente, que só a nação tinha o direito de eleger soberano, quando o throno viesse a ficar vago.

No meio de todas estas dissenções acabou elrei a vida aos 31 de janeiro, justamente no mesmo dia em que completava 68 annos de idade, tendo reinado desesete mezes. Seu corpo ficou depositado em Almeirim, até que Filippe 2º o mandou trasladar para Belém. Foi a sua morte pouco sentida, porque se algumas boas acções havia feito em sua vida particular, nenhuma fez depois de rei; e era, ao contrario, á sua irresolução e fraqueza que os povos devião os males em que ficavão abismados.

Foi este príncipe mui instruído na theologia, e línguas eruditas, e teve não mediano conhecimento das mathematicas. Era mais senhor de seus olhos, que das suas paixões; lembrava-se das injúrias para se vingar dellas, Tendo bastante penetração para prever as desgraçasm não a tinha bastante para as prevenirm e procurar- lhes o remédio, Parecia- se muito o cardeal rei D, Henrique com elrei D, Manoel seu pai; porque era de estatura mediana, magro, ágil, vivo, e capaz de muito trabalho; tinha feições regulares, a tez branca e corada, os olhos azues, porém seu aspecto era sobranceiro, e suas maneiras desagradáveis.

Nelle acabou a linha masculina dos reis de Portugal, que havia durado além de 460 annos.

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