domingo, 27 de fevereiro de 2011

História: Alentejo, Serra d'Ossa em 1849






História


Alentejo

Serra de Ossa em 1849

Imagem do Convento de S. Paulo na Serra de Ossa


A Serra d'Ossa, tão nomeada em Portugal e seus domínios, tão conhecida pelas grandezas que em si occulta, está situada quasi no centro da província d'entre o Tejo e Guadiana, no arcebispado de Évora e no termo da villa do Redondo; dista cinco léguas de Évora, duas de Estremoz, duas de Borba e uma do Redondo. Tem seu principio nas visinhanças da villa de Terena, entre o nascente e sul, dilata- se para a villa de Évora-Monte, para o occidente e norte; o seu comprimento mede a distancia de quasi seis léguas; a sua largura occupa, no mais grosso dela, duas léguas; comprehende no seu âmbito, muitos elevados outeiros e mui altas serras; a de S. Gens se levanta sobre todas.


Desta última serra, em dias claros, se divisa quasi toda a província do Alentejo, e grande parte da Estremadura Hespanhola; tambem se vê em distancia de mais de vinte e trinta léguas os castellos de Palmela e de Sesimbra, as serras d Arrabida e de Monte Junto.

É tradição que na serra de S. Gens, nos séculos do gentilismo, estava collocado o sumptuoso templo consagrado á deosa Vénus. Também consta da mesma tradição, e dos escriptos dos historiadores porluguezes, que neste sitio, por ser logar inexpugnável, se costumava alojar e fortificar com o seu poderoso exército, o grande Viriato Luzitano; e que delle desceu algumas vezes para prescntar batalha aos exércitos romanos, cujas águias abateu, conseguindo sempre dellas repetidos triuinphos, gloriosas palmas, e copiosos despojos, com os quaes se enriquecia a si e aos seus valorosos soldados.

No mais alto terreno, permanece ainda hoje uma torre que chamam da Vigia, porque servia de atalaia, primeiro a um e outro Viriato, e depois a Sertorio, seu imitador nas acções e victorias, contra os mesmos romanos.

Junto a esta atalaia existe uma ermida de S. Gens, bispo de Lisboa de quem a serra tomou o nome.


A esta serra, como a mais principal, se juntam e cercam outras, senão eguaes em altura, eguaes na grandeza do terreno, e no frondoso dos mattos silvestres, cada uma das quais tem seu nome particular, como a de Pêro Crespo, Cabeça d'Águia, Malhada Alta, Castello Velho (onde os antigos lusitanos levantaram um castello, que bastava o sitio para o fazer mais inexpugnável e forte que o de Milão), Monte Virgem, S. Cornelio, a das Cortes, e por úllima a da Cartuxeira, mais áspera de todas pelas suas penedias. Além destas e montes menos consideráveis, ha nestas serranias muitos valles: os mais célebres são Valle d' Infante, Valle d' Abrahão, do Cónego, e do Pereiro. Não é comtudo desagradável e triste este conjuncto de serras, como outros; porque se bem conste de tantas, tão grandes e elevadas, ha entre umas e outras dilatados campos, povoados de quintas e arvoredos, muitas fontes e ribeiras, e só a granja ou herdade das Cortes, consta, ter tantas fontes como dias o anno.

É este sitio abastadíssimo, tanto de variedade de flores, e hervas medicinaes, como de saborosos fructos, que suas quintas produzem, sendo os d'espinho em maior quantidade, na vista e gosto os melhores do reino; delles abunda sobre todas a grande cerca do convento.

Nesta montanha estão fundadas a villa de Évora-Monte, Terena, Alandroal e a aldeia de Pomares, assim como a antiquíssima villa do Canal, da qual só existe o pelourinho, como padrão do que foi.

A etimologia da serra d' Ossa não, vem como alguns querem, d' ossos, nem tão pouco d'ursos, corrupto em ossa do hespanhol, mas sim de hessenos, hesseos e hossios, que na sua rigorosa significação valem o mesmo que santos primeiros christãos da egreja, pois que antes de ser habitada por estes, sempre foi nomeada pelo da Serra de Vénus, e depois, dos mesmos a terem povoado no anno 36 de Christo, tomou então o nome de Serra dos Essenos ou Ossios; o qual, com pouca corrupção, se veio depois a mudar no de Serra d'Ossa, por que ha tantos séculos é conhecida.


Confirma-se a probabilidade desta opinião, com um fundamento assas evidente e solido; é que a serra d'Ossa só tem e conserva este nome desde o principio e annos da lei da graça, até agora; pois que não se achará auctor algum que antes lhe desse em seus escriptos o nome que hoje tem de serra d'Ossa, senão o que antes tinha de serra ou monte de Vénus.

Esta verdade se conserva ainda mais constante nas nossas tradições. porque todos os escriptores antigos. que trataram das guerras entre luzitanos e romanos. concordam que nesta Luzitania havia um monte ou serra chamado de Vénus. na qual se tinha levantado um templo áquella deosa. sem apontarem em que sitio ficava. proseguem louvando o esforço e valor com que aquelle Ilustre capitão Viriato, segundo, accometeu, desbaratou e venceu em varius conflictos, o formidável poder das armas romanas, contando entre as suas principais victorias, uma que alcançou estando fortificado com o seu exército no monte de Vénus, d'onde desceu com elle e caiu ao pretor Caio Plausio, que venceu e desbaratou na mais sanguinolenta batalha daquelles séculos, na qual abatido o orgulho e elevadíssimo voo das águias Romanas, apenas pôde escapar Cayo Plausio, não com menos affronta e ignominia, do que com medo e temor do valoroso Viriato; pois que como muitos dos do seu desbaratado exército temiam que elle ficasse não só senhor da Hespanha, mas que, imitando o famoso Annibal, passaria á Itália, e pozesse em contingência, a conservação do mesmo império; e se presume que com este justo receio (ainda muito mais que com as feridas que nesta batalha recebeu) Lúcio Silo Sabino, soldado romano, acabou a vida, mandando, pouco antes de expirar, se escrevesse no seu sepulchro um largo discurso, que mais parecia narração do que epitaphio, porque nelle se refere todo o successo desta batalha e triumpho de Virialo nos campos de Évora; e tambem o temor, com que morria, da total destruição da sua Roma, pois que ordena que seu corpo seja levado a Itália, sua pátria, se acaso esta ficasse livre do poder lusitano. Este sepulphro e o seu mármore foram achados no logar de S. Bento dos Pomares, que fica próximo a Évora.

Por todo o exposto se vê, que nos antigos séculos a serra ou monte de Vénus, porque sempre foi conhecida, é esta - d' Ossa - e que nunca foi nomeada por Serra dos Ossos, ou dos Ursos, mas depois de habitada pelos primitivos Christãos, Ossios, foi conhecida com o nome de Serra dos Ossios, ou dos Santos.

S. Manços, um dos 72 discípulos de Christo, fugindo á perseguição que se moveu na Judea, em companhia d'alguns prosélitos luzitanos, que voltavam de Jerusalém para a sua pátria, aportou e desembarcou no anno 35 de Christo, em Ossebona, cidade populosa, edificada junto á cidade de Faro, como ainda hoje manifestam alguns signaes de seus nobres edifícios. Tendo-lhe seus companheiros e alguns hebreus alli residentes, affirmado ser Évora, então, a mais principal entre todas as cidades da Luzitania, e nella residir a sinagoga maior, para a mesma encaminhou seus passos, para aos hebreus incrédulos e aos doutos mais versados nas escripturas, pregar e ensinar a verdadeira doutrina evangélica, como primeiro apostolo nesta parte do mundo. Como sua pregação, exemplar vida, e milagres feitos em presença dos eborenses, muitos destes deixaram os falsos erros, e receberam das mãos do mesmo apostolo- bispo o baptismo.

Tendo já um grande número de convertidos, elegeu os que julgou mais scientes, para ministros, coadjutores e companheiros na pregação; porém aos que achou inclinados ao retiro, mandou, no anno 36, para os desertos do monte de Vénus, e depois de ler arreigada a nova doutrina em milhares d' eborenses, marchou a predicar pelo resto do reino. Achando-se em Coimbra, recebe a noticia da perseguição feita em Évora, aos novos christãos, corre a conforta-los, mas fugindo grande número da cidade, elle manda pela segunda vez que vão habitar a serra, como 56 annos antes tinha feito.

Havendo o santo padecido martyrio no reinado de Domiciano, no anno de 91, aquelles solitários, apezar das perseguições, continuaram a viver, ora mais, ora menos por aquelles desertos, em suas covas e grutas, como eremitas.

Nos princípios dos reis de Portugal, quando passada a maior parte da perdição d' Hespanha, achando-se o reino quasi livre do jugo agareno, em tempo de D. Afonso Henriques, pelo anno de 1182, D. Fernão d' Annes, illustre capitão da milícia de Évora, depois de um assalto que os mouros deram á cidade, e pela noticia da vida daquelles solitários, deixou as grandezas, e se recolheu áquelles desertos, persuadiu aos seus habitadores, que se aggregassem e vivessem mais perto uns dos outros, em modo de communidade, no que elles concordaram, escolhendo o sitio da Valladeira, fabricando alli seu oratório e cellas pequenas, tendo um sacerdote, que, com licença do bispo lhes dizia missa.

Desde o anno de 1182 até ao de 1376 sempre este eremitas existiram nesta casa, com a differença de viverem de quatro cm quatro pelas serras, e na Valladeira oito. Em tempo de D. João I, crescendo o número de eremitas, foi preciso ampliarem a casa, e para isso escolheram sitio mais alto, onde edificaram convento, cujas obras ainda continuavam no anno de 1434, no reinado de D. Duarte, sendo um dos fundadores do mesmo, o eremita Gonçalo Vasques, que fez doação de tudo quanto possuía. Neste convento viveram até tempo de Gregório XIII, que foi o que approvou a religião de S. Paulo, 1º eremita, para observância votos, cerimonias, clausura, o obrigação de coro, e como se viram com religião approvada, trataram de fundar mais sumptuoso convento, e mais ampla architectura, como fizeram.

Na melhor parte mais fresca, aprazível e vistosa desta serra, está fundado o convento que a estampa representa, quasi em meia ladeira, no baixo da serra de S. Cornelio. Tem este a face para a parte de Évora, ao occidente, summamente alegre, não só com a dilatadisma vista dos espaçosos campos, que lhe ficam fronteiros, como com a frescura de seus jardins, horta e pomares.

A egreja é bastante grande, d'um lado tem um como convento, que era o noviciado principal, e ao outro o convento; deste lado corre o dormitório maior, para o meio dia, e fenece terreo, principiando o fundamento em duas abobadas, e continuando em uma; as paredes deste edifício são no interior revestidas dos mais lindos e bem executados azulejos desta província. Tem o convento muitas fontes pelos dormitórios, claustros e oficinas, repartidas por canos, vindo a agua d'uma grande nascente na ladeira da serra, a qual depois de servir de recreio e utilidade (e ao presente de prejuízo) sae aos jardins, e por um leão de pedra, a maior parte se lança em um formoso lago de 63 palmos de comprido e 40 de largo. Tem casas e adegas subterrâneas, tão frescas que numa, para a qual se desce por mais de 40 degraus, nasce uma fonte de agua frigidissima.


Este edifício, um dos melhores da província, pelo bem acabado, e sitio que ocupa, caminha a passos accelerados para a sua total ruina.

Borba setembro de 1849

José Casimiro Fragoso Serrano

Portugal antique illustration, pictures, images, photos
Serra d'Ossa História e imagens antigas

1 comentário:

  1. Com uma riqueza histórica tão grande! Como deixaram degradar tanto a capela de São Gens? E ainda por cima lhe anexaram, obeliscos antenas e outros mamarrachos!
    http://www.panoramio.com/photo/65807689

    ResponderEliminar