sexta-feira, 10 de junho de 2011

História: Passeio por Évora em 1844



História

Passeio por Évora em 1844 



Évora cidade famosa desde tempos remotos, no centro da província do Alentejo, capital do distrito e arcebispado do seu mesmo nome, está situada em terreno não muito elevado, porém eminente a uma dilatada campina de terras muito férteis, a qual é por toda a parte rodeada de montes e serras; entre elas sobressaem a leste a serra d'Ossa, que atravessa o Alentejo de oriente a poente, ao sudoeste a de Portel, ao sul a de Viana, ao noroeste a de Montemuro, e todas subministram águas com abundância.

Os contornos da cidade quase se acham cultivados por searas e algumas hortas; a menos de meia légua, para o nascente, começam as vinhas e olivais, entremeada a paisagem com várias quintas e casas que fazem o sitio muito vistoso. Não só as serras que a rodeiam fertilizam suas veigas com as águas que derramam, mas também a defendem dos ventos impetuosos, que tanto incomodam nas grandes planícies; nas faldas e quebradas oferecem abundante pastagem aos muitos rebanhos de gado lanigero, que os habitantes mantêm; nos vastos montados de sobreiros e azinheiras, cevam-se numerosas varas de porcos, que vêm abastecer a capital do reino, assim como de outras terras desta abundantissima província, que todas fornecem muita chacina, que se exporta para toda a parte por neste preparo de carnes ser a de maior estimação e que melhor se conserva sã e saborosa. Além disso não deixa de haver assaz criação de gado vaccum, e até do cavalar, de modo que deste último se tem aproveitado por vezes a remonta da cavalaria do exército.

O distrito de Évora é em geral muito produtivo; as terras de lavoura dão copiosas searas, e colhe-se vinho e bom azeite, O clima é de ordinário mais frio no inverno do que proporcionalmente deveria ser quente no verão. É terra de grosso trato, a que aflui por sua posição, e relações com Lisboa, (de que dista vinte léguas) grande parte do comércio interno da província; possui boa casaria, edifícios nobres, e alguns dignos de atenção; os vestígios de sua antiguidade romana, goda e árabe pereceram pela máxima parte. O aqueduto chamado da prata, atribuído a Sertório e que foi reedificado por D. João III, perdeu provavelmente muito da sua primitiva fabrica.

Júlio César, depois das suas campanhas na península hispânica, concedeu a Ebora as honras de município sob o nome de Liberalitas Julia. Nesse período da dominação romana se edificaram nesta cidade templos notáveis; conhece-se nestes modernos tempos uma dessas construções, a qual mostra ter sido obra muito perfeita, que julgam ter sido dedicada a Diana; outra construção notável é a torre quadrilatera que vulgarmente denominam de Sertório, por se atribuir a sua fundação áquele ilustre capitão.

Estes dois edifícios estão separados por uma extensão de doze toezas quase nivelada, mostrando ser este espaço a coroa da colina em que ambos estão assentados, porquanto o terreno declina para todos os lados. O que chamam templo de Diana apresenta um belo fragmento de arquitectura da ordem corintia. Não se pode afirmar bem qual fosse o seu primeiro destino, nem se foi ou não ultimado. A sua planta oferecia um paralelogramo oblongo, de 32 pés de largo; um dos lados ainda conserva a cantaria no socco do entablamento inferior na extensão de setenta e dois pés geométricos. As peças de arquitectura existentes são do lado ocidental uma porção do entablamento inferior sobre o qual se elevam cinco colunas, formando quatro intercolunios roto,s ligados tão somente pela facha da arquitrave; daí para cima não há uma só peça que corresponda á ordem corintia até a cornija que devia ter; desde o socco até o plinto das colunas dez pés de altura com as divisões do pedestal corintio; vê-se mais deste lado um resto de antiga argamaça, que com outros vestígios dá ideia de um tanque, donde poderia coligir-se que haveria aí banhos, mas observado melhor vê-se que é trabalho mais moderno porque a argamassa cobre parte do entablamento, e talvez fosse feito quando já arruinado o edifício. O lanço setentrional corre todo no mesmo nível de altura, com as colunas que lhe correspondem e cinco intercolunios; parece que esta face seria o topo de toda a galeria; o entablamento inferior deste lado está em grande ruína, e parte entulhado; na altura do capitel da quarta coluna, pegado á mesma, fica o alto muro do edifício da inquisição, e pena é que tire metade da vista a este majestoso lado; há também desta parte um muro baixo na altura do entablamento, que servia de curral quando da bela peça de arquitectura de que falamos, fizeram açougue público, deturpando-a como se lhe não bastassem as injúrias do tempo e os estragos de bárbaros.

A parte ocidental conserva no mesmo nível três colunas, seguem mais duas até a altura da gola superior do fuste, faltando-lhes os capitéis, e adiante mais dois plintos com as bases para outras colunas, seguindo as dimensões reguladas para os intercolunios rotos. Este lado jaz escondido ao público por estar encravado no quintal da casa da extinta inquisição, entulhado na altura de seis a oito pés, e bastante arruinado.
Ignora-se em que época, que pessoas e para que aplicação, sobre estes belos fragmentos se levantaram toscas paredes de alvenaria, e igualmente foram entaipados os intercolunios, abrindo na parede que ergueram na face meridional duas portadas ponteagudas ao estilo mourisco, e feitas de grosseiras e mal talhadas pedras. Os plintos com a base das colunas formam uma peça separada, e os capitéis outra são de precioso mármore branco e lavrados com todo o primor da arte; os fustes são de granito ordinário, com a singularidade de cada um ser composto de sete peças; o entablamento e o mais que resta é do mesmo granito.

Omitimos agora o que respeita aos outros edifícios, por nos termos alargado acerca deste; não faltando muitos em Évora merecedores de exame e memoria, sobressaindo a sé magnífica, na parte mais superior da cidade, obra antiga de três naves com grandioso frontispicio; a capela mor é obra muito mais moderna, bem adornada exteriormente com pilastras dóricas e interiormente revestida com mármores de várias cores; o quadro de altar mor merece a aprovação dos inteligentes.

A vista que appesentamos é tomada da parte da estrada de Lisboa, divisando-se extramuros o chafariz do Rossio, rodeado de marcos, e o seu respectivo tanque; a porta correspondente á alameda é também denominada do Rossio. No ponto mais alto e quase no centro avulta a sé eborense; á direita desta catedral aparece o zimbório do convento do Carmo, o edifício vasto que depois se lhe segue era o antigo castelo, hoje quartel de cavalaria nº 5, a ele próximo, rematando a vista da casaria por esta parte está o antigo recolhimento da Piedade e Sr. da Pobreza.

Logo para a esquerda da sé fica o convento da Graça, obra de antiga construção onde se aquartelou a guarda de segurança, e que actualmente é ocupado pelo destacamento de infantaria, descobre-se depois da casaria a igreja do convento de S. Francisco, agora freguesia de S. Pedro, finalmente vê-se para o mesmo lado o Trem, dependência do Arsenal do exército, que se reconhece por sua cúpula piramidal rematando na grimpa.

Ao Sr. Esquivel devemos este desenho, assim como ao nosso amigo o Sr. J.F. Henriques Nogueira, o do Asilo.




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