História
Tradições do Santo António de Lisboa
SANTO ANTÓNIO DE LISBOA
Não tinham nossos passados por irreverencia, estar um santo canonisado para se adorar nos altares, metido entre cabeças de alho, molhos de cebola, presuntos e chouriços, por cima de pipas e cangirões, tendo por incenso a fumaça das frigideiras de peixe e dos assadores de castanha. A boa policia da cidade foi a pouco e pouco suprimindo essa nicharada, que nossos filhos só terão conhecimento pela tradição.
O rapazio também povoava as ruas e portas de escadas de tronos de Santo Antonio, fazendo um importuno peditório aos viandantes para a cera do seu santo. Vai-se também extinguindo este uso, que de todo se deve extirpar, para que a infância não se habitue a ser pedinte.
Toda a noite de Santo António ardiam pelas ruas e praças da cidade inumeráveis fogueiras, que se alimentavam principalmente de barris e cabeças de alcatrão, a cujas chamas queimavam os namorados as sibilínas alcachofras, e era tambem da praxe e folia desta noite, saltarem-se as fogueiras para aumentar a galhofa dos espectadores com o chamusco dos que não as sabiam saltar com ligeireza.
Outra diversão muito do gosto publico, era a foguetada, as bombas, buscapés e mais fogo solto que estalava continuamente, sem deixar pregar olho aos que não tinham já que esperar do relento desta milagrosa noite.
Tudo isto, fogueiras e fogo de pólvora, proibiu a câmara com receio de algum incêndio ou desastre.
Hoje só resta em Lisboa, como reflexo da tão alegre e festiva noite de Santo Antonio, o arraial da praça da Figueira, onde a fruta nova aparece em palmitos e capelas, como virgem que está ainda, quase toda, do dente do homem, que não do bico os passaros.
Para a praça da Figueira se dirige durante a noite, e mais ainda de madrugada, grande parte da povoação, por ser esta a única amostra que a civilização lhe deixou das festas antigas; miniatura do grande panorama de fogueiras, danças, músicas e cantares, que por toda a cidade se cruzavam outrora.
Ainda este ano esteve a Praça cheia toda a noite, e o Rossio também, girando por ali muitos grupos de tocadores e trovadores populares, com grande séquito de ouvintes.
A popularidade de Santo Antonio em Portugal, não lhe vem tanto de ser casamenteiro e deparador de coisas perdidas, como de ser português. Nasceu em 1195, numas casas junto á sé de Lisboa, sitio onde está hoje a sua igreja. Aos 15 anos de idade tomou o hábito dos cónegos regrantes em S. Vicente de Fóra, e dai a dez anos passou-se para a ordem dos franciscanos, entrando no convento dos Olivais, junto a Coimbra. Depois saiu de Portugal para a Africa, em missão apostólica, mas um temporal o lançou nas costas de Italia, falecendo em Pádua a 13 de junho de 1231, tendo apenas 36 anos de idade. No seguinte foi logo canonisado pelo papa Gregorio IX, reinando em Portugal D. Sancho II.
Deixou muitos sermões, e um comentario da Biblia em latim.
Sobre a era da fundação da sua igreja junto á sé, no sitio onde nascera, publicou o douto antiquario e estudioso academico, o sr. dr. Levy, uma excelente noticia, no relatorio que fez á camara municipal de que foi vereador em 1856.
Ali se prova que no reinado de D. Afonso V já existia a igreja de Santo Antonio, porque voltando este monarcha da conquista de Tanger, de lá trouxera umas portas de bronze, de certa mesquita, que deu para este templo. D. João II, querendo que o santo português tivesse casa mais sumptuosa, e não lha tendo podido fazer durante o seu inquieto reinado, dispôs em testamento (1495), que «no mesmo logar e sitio onde nascêra Santo Antonio se construisse um templo consignando para esse fim 1000 justos de ouro (600$000 rs da nossa moeda actual).»
El rei D. Manuel, seu sucessor, e encarregado da execução do testamento, não só cumpriu a vontade de D. João II, mas pôs muito de seu cabedal para que a obra ficasse grandiosa. A cidade também concorreu para esta edificação, e por isso em casa mistica ao templo fez paço do conselho, e aí esteve a camara municipal de Lisboa, depois senado, desde o tempo del rei D. Manuel até D. José.
Faziam-se á real casa de Santo Antonio da Sé muitas esmolas, e no tempo de D João III se calcularam num conto de rs por ano. Antes do terremoto tinha de rendimento oito contos; e as alfaias e prata que nessa calamidade consumiu o fogo valiam trinta e seis contos de rs. Só a imagem do santo ficou salva, e ainda hoje se conserva no altar mór.
O ilustrado presidente da vereação passada, o sabio lente de química da escola politécnica, em vez de sustentar tanto menino do coro, como dantes havia, com as sobras do custeamento deste santuário (que ainda gasta anualmente 3 500$000 réis) instituiu uma escola de instrucção primária pelo metodo português de Castilho, que nos dizem estar muito bem organizada e regida.
Sem comentários:
Enviar um comentário