quarta-feira, 7 de setembro de 2011

História de Alcanede (Santarém) e o seu castelo

Portugal (Alcanede, Santarém) Antigo


História


Santarém

Alcanede 1865

Esta villa está situada nas faldas d'um alto monte, que pertence á serra da Mendiga. Estende-se em parte a povoação por terreno plano na raiz da montanha, e outra parte sobe e recosta-se-lhe no dorso.

Situada em terrenos pouco ferteis, afastada dos grandes centros de industria, e sem meios nenhuns de communicação facil, faltam-lhe portanto as condições essenciaes para o seu desinvolvimento, e d'ahi provém que, tendo florescido no principio da monarchia, hoje seja pequena o pobre.

Apesar de tudo vamos tornar este artigo bastante extenso, porque esta villa nos dá logar a ajuizar da simplicidade dos costumes e da frugalidade do viver nos comêços da monarchia, fallando das duas antigualhas, que tornam notavel a villa de Alcanede, e são uma usança singular de que só restam memórias, e um monumento de antiguidade, que apesar do correr de tantos seculos e das convulsões do solo, ainda mostra importantes vestigios do que foi outrora.

Consistia a usança num jantar que a villa era obrigada a dar annualmente a el-rei, o que era um verdadeiro tributo, porque o foral dado á villa por el-rei D. Manuel estatue o seguinte a respeito d' aquella usança:

O jantar se pagará hi pelo pão, cevada, vinho, carne, e todas as outras couzas segundo pagão e está declarado no tombo da ordem e livro nosso da caza da supricação, sem embargo de se mostrar que alguma vez se pаgou o dito jantar por cincoenta livras, porque não se achou outra razão nem direito para se deverem de pagar de outra maneira de como se hora paga, da paga do qual não seram escusas nenhumas pessoas por liberdade que tenham, nem privilégio, ainda que sejam clerigos.

Em seu principio parece que o jantar era dado a el-rei nas diversas especies de productos agricolas. Depois foi pago em dinheiro na razão das taes cincoenta livras acima alludidas; e no reinado de D. Manuel estava elevada esta quantia a 90$000 réis, somma muito avultada para esse tempo em que o alqueire de trigo valia de 15 a 20 réis.

Depois, propondo-se el- rei D João V augmentar e engrandecer a casa do infantado, instituida por eeu avô el-rei D. João IV, entre os muitos bens e rendimentos com que a enriqueceu, contava-se a propina do jantar de Alcanede.

O monumento de antiguidade que esta villa possue, é o seu castello.

Campêa elle na corôa do monte sobranceiro á villa, tendo por base rocha e penedia. Conservou-se de pé e em bom estado até ao reinado de D. João III.

Em um livro chamado das visitaçôes, da ordem de Aviz (a quem a villa pertencia por doação de D. Sancho I, tendo os conegos de Sancta Cruz a jurisdição ecclesiastica, jurisdição que el-rei D. Diniz deu tambem á referida ordem em 1300), vem a descripção d'este castello no estado em que os visitadores o acharam no anno de 1516.

Vamos transcrevel-a, porque poderá servir de auxiliar a muitos amadores, quando visitaren as ruinas d' outros castellos.

O castelo de Alcanede

Diz o livro:

«O castello e alcaidaria de Alcanede é da ordem.

Achamos por alcaide mor em a dicta villa Ayres de Sousa, fidalgo da casa d'el-rei nosso senhor, e commendador de Sancta Maria de Alcaçova de Santarem, e de Alpedriz, o qual mostrou sua carta feita por Leonel Alves a vinte dias do mez de junho de 1516 annos, assignada por o mestre, e passada por sua chancelaria.

Achamos por alcaide pequeno do dicto castello a Pedro Dias, criado de Lopo de Sousa, do conselho d' el-rei, etc., o qual serve a dita alcaidaria por o dito Ayres de Sousa em a dita villa de Alcanede e seu termo, o qual alcaide pequeno está posto por mão do dito alcaide mór.

O qual castello tem á entrada da porta da barreira um baluarte de pedra e cal com suas ameias e setteiras. E á entrada da barreira tem um portal de pedraria com as armas da ordem de Aviz, e com umas portas de castanho e pinho, e tem da parte de dentro um ferrolho sem fechadura.

E dentro d'estas portas está uma casa subeira d'uma agua com suas paredes de pedra e cal, e madeiras de castanho e freixo, e telhado de telha vã, na qual casa está uma escada de pedraria com dois portaes de pedraria com suas portas de castanho, e uma d'ellas com ferrolho e fechadura, a qual casa tem de levante ao poente onze varas e meia, e de norte a sul quatro varas.

Outra casa mistica com a dita casa dianteira, que tem uma porta, e poste com uma aldraba, com suas paredes de pedra e cal, emmadeirada de castanho e freixo, e tem de levante ao poente cinco varas, e de norte a sul tres varas e terça.

Outra casinha além da sobredita com uma porta e poste sem fechadura, com as paredes de pedra e cal, emmadeirada de castanho e freixo, e telhado de telha vã, e tem de levante ao poente tres varas e terça, e de norte a sul tres varas e meia.

A mão esquerda da dita casa dianteira está uma casa de cozinha com suas paredes de pedra e cal, emmadeirada de castanho, telhado de telha vã, e tem de norte a sul tres varas e tres quartas e de levante ao poente duas e terça.

Outra casa mistica e pegada com a torre de menagem, sobradada de novo, e forrada de pinho, e tem de norte a sul cinco varas, e de levante ao poente duas varas e tres quartas.

Uma torre de menagem com sua abobada, e com seus pilares de pedraria, e com sua escada de pedraria e maynel, que vae da cosinha até cima da dita torre com suas portas de castanho, e uma d'ellas com ferrolho e fechadura, e tem de norte a sul sete varas, e de levante ao poente duas varas e duas terças.

Outra torre que se chama Alharrã com suas portas e fechadura, e repartida por o meio, a qual torre é de abobada com sua escada de pedraria com seu maynel, e em cima um portal de pedraria com suas portas e fechadura, e em um dos repartimentos, da mão esquerda estão umas grades com ferrolhos e fechadura, e um ambude, e dentro d' ellas outras grades com um cadeado, as quaes grades são de páo, e d' estas grades a dentro estào os prezos, a qual torre tem de norte a sul cinco varas e duas terças, do levante ao poente nove varas.

Antre as ditas torres está um pateo com uma cisterna, o qual é cercado de muro de torre a torre, e da parte do norte tem tres cobellos.

O quai castello e casas é todo cercado de muro e barbacãa com suas ameias e setteiras e bombardeiras, e o castello e muro e barbacãa é todo de pedra e cal.»

No mesmo livro, por occasião d'outra visita feita em 1538, escreveram os visitadores:

«Vimos a fortaleza e castello, о qual está derrabado, a torre da menagem que cahiu, segundo nos disseram, com о tremor de terra e assim o muro, e barbacãa, e todo о outro aposentamento damnificado de todo; porque fomos certificados que Duarte Ribeiro, recebedor das terças, veio ver esta fortaleza, e levou todo escripto por miudo, assim da pedra que estava feita, como do que havia mister para se reformar...

Disse Francisco Annes, alcaide, que quando cahiu a torre ficaram lá muitos ferros, e matou um hоmem que estava preso.»

Pelo que deixamos dito ácerca de Alcanede, podem bem comparar-se os tempos antigos com os da actualidade.



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