quarta-feira, 7 de setembro de 2011

História de Viseu



História de Viseu

Cidade de Vizeu

Incontestável é a grande antiguidade de Viseu; porém se quisermos assinaIar-lhe ao certo a época da origem, e aplicar-lhe como alguns antiquários fizeram, nomes de certas povoações que se encontram pelos geógrafos romanos, recrescerão as duvidas e embaraços já pela incerteza das situações dessas cidades, já pela obscuridade das passagens dos autores, que seria forçoso alegar; e no meio de hipóteses, e de observações criticas, sem talvez nada concluir-mos, teríamos feito uma dissertação académica em vez d'um artigo próprio deste jornal. Fosse Viseu a antiga Verurium, ou Vacca, ou Vizo ou Vico aquario, pouco nos importa; certo é que no domínio dos suevos, no século 6.º, já desfrutava as honras de sé episcopal, como ao diante melhor diremos; e que Brito na 1.ª part. da Monarch. Lus. traz escrituras de 925, por onde se vê que a possuíam Huffo Huffes e D. Tareja, e que lhe davam então o nome de Vizo. Todavia desce desses tempos remotos uma tradição de vinte séculos, por tal forma gloriosa, fortificada com vestígios existentes, que não devemos passa-la em silencio.

Bem conhecido é nos fastos lusitanos o nome de Viriato, vencedor das soberbas hostes romanas: perpetuada ficou em Viseu a sua memoria, porquanto o mais notável monumento desta nobre cidade, se denomina Cava de Viriato, de que existem restos nuns pedaços de muros de terra, quase apagados pela malícia ou desleixo dos homens. Sabe-se que em 1461 o cabido da sé de Viseu tomou posse da cava, que a este tempo estava resguardada com uma porta e que dentro havia (reinando D. João I) uma capela dedicada a S. Jorge, á qual o ilustre infante D. Henrique, a quem seu pai fizera duque de Viseu, legou certo rendimento para se cantar missa todos os Sábados do ano, e no dia do Santo se fazia procissão com assistência do cabido e numeroso concurso de povo. Arruinou-se a ermida e passou a celebrar-se a missa no templo da Sé, e o retábulo do santo foi transferido, para uma capela, hoje da Sr.ª da Conceição no Campo da Feira; todavia este quadro há muito desapareceu, assim como já hoje se não canta a missa.

Em 1728 mediu-se a cava por ordem real, e achou-se que ainda então tinham os muros três lanças (a lança, medida agrária, tinha 83 palmos craveiros, como consta de uma sentença de 1695) d'altura, com 40 palmos de largura no cimo, provável que rematassem em cavallele para defensão; avaliou se a circunferência em 3 065 pastos comuns, e parecia que fora oitavada a primitiva forma tendo entrada por quatro grandes aberturas, duas ao norte e duas ao sul; supõem-se que estas seriam as portas, guarnecidas de cantaria, que o lapso dos tempos, ou a mão dos homens destruiria. Os muros têm sido cerceados a ponto que hoje do lado oriental, em grande extensão se não acham vestígios do que fora, e do fosso cheio d'agua que cercava este recinto apenas resta um pequeno pedaço banda ocidental, a que chamam "o poço da cava". Os donos das terras contíguas nestes últimos anos puseram a arrasar os muros com tal furor que o general Victoria que então governava a província, se viu obrigado a tomar medidas para obstar á devastação. A câmara de Viseu em Junho de 1813 mandou levantar marcos em todo o circuito pelos exterior e interior dos muros mas nem assim pôde conseguir que cessasse a obra de destruição. Bem mereciam porem o ter sido preservados da extrema ruína estes fragmentos que recordam os primeiros feitos d'armas dos nossos ascendentes. Diz a tradição que, vencido em Campo de Ourique o pretor Unimano, pelo valor dos lusitanos recorrera ao pretor, Caio Nigidio, para que entrando com mão armada pela província da Beira fizesse assim uma diversão ás tropas de Viriato que em peso caiam sobre o Alentejo. Nigidio invadiu a Beira, assolando tudo, e afinal se fez forte numa campina rasa junto a Viseu. Sabedor do acometimento o valente capitão lusitano acudiu ao ponto invadido, mas não podendo levar de escalada os fortes muros de terra que o romano já tinha fabricado, pôs-lhes sitio até obrigar o inimigo a render-se ou a pelejar em campo descoberto. Nigidio tomou este partido, mas foi derrotado com perda das suas orgulhosas águias e da maior parte dos seus. Obra de século e meio antes da era cristã praticaram os lusitanos, em desafronta do terreno pátrio, esta façanha.

Outra célebre antiguidade de Viseu encontramos nas duas torres romanas mandadas construir cônsul Décio Junio Bruto; as vicissitudes do tempo quase as consumiu; uma delas vê-se no fundo rua do relógio, outra, posteriormente acrescentada, é a casa da cadeia e por diligencia do bispo, D. João Gomes d'Abreu, falecido em 16 de Fevereiro de 1402, foi convertida em aljube ou prisão eclesiástica. Escritores há que dizem que Décio Junio Bruto, tendo ficado na Lusitânia com o cargo de pretor, antes de passar da Beira para Entre Douro e Minho, fizera construir uma cidadela no local, onde hoje a Sé, em sitio próximo á cidade de Vacca (que pretendem ter sido o antigo assento de Viseu) e que á sua partida encarregara a erecção das duas torres a dois irmãos, Frontonio e Flacco, os nomes dos quais estavam num dístico, que em uma das torres havia, e que na outra se viam igualmente gravadas as águias romanas. Porem ninguém nos transmitiu a integra do letreiro nem o desenho das águias, o qual, como observa o P.º Teatino, Argote, nas Memorias Braga, serviria para ilustrar os eruditos na questão relativa ás duas cabeças que os romanos traziam em suas bandeiras.

Novo vestígio da dominação dos romanos nesta parte de Portugal, apareceu em nossos dias. No ano de 1810 dois camponeses cavando numa quinta situada atrás da igreja do Carmo, bem defronte da antiga capela de Santo Amaro, hoje profanada, encontraram um mausoléu, acerca do qual o A. da memoria, que temos á vista, diz textualmente o seguinte: " O sarcófago do comprimento de 7 palmos portugueses e 4 d'altura, era mais largo do lado da cabeça como observamos em quase todos os mausoléus. A pedra inteiriça de uma espécie de cal, carbonatada, fétida, desenvolvia pelo atrito de um corpo duro o cheiro do gaz hidrogénio sulfurisado. Já outra de semelhante natureza foi encontrada na cidade de Évora, como testemunha Diogo Mendes de Vasconcellos (vid. L.º 5.º do Município Eborense); o que nos faz persuadir que os romanos estimavam esta qualidade de pedra para depositarem os seus despojos mortais. Três pedras de granito comum do pais cobriam o sarcophago, e a do meio tinha esculpido o seguinte epitafio.

MAELO BO
VTI. F. TAP.
ANNO. LX. H.
S.E.S.T.T. LEVIS
FILI. F.C.

Confiados na lição dos antiquários ousamos interpreta-lo desta maneira, - ( pomos a tradução portuguesa) - Melo Tapsio, filho de Boucio, tendo sessenta ano, aqui foi sepultado. A terra te seja leve. O filho lhe mandou fazer (esta sepultura).

"Não nos lisongeamos que os nomes próprios aqui designados sejam exactamente os verdadeiros, em razão dos breves, porem os dicionários que consultámos nos fizeram inclinar a este parecer.

"Tudo nos induz a crer que este sepulcro é do tempo dos romanos; os caracteres, a forma e matéria do sarcophago, semelhantes a outras já contestadas, confirmam a nossa opinião; e se o D.M.S. (diis manibus sacrum) que era uso preceder os epitáfios romanos, não se encontra neste, temos exemplos de faltar em outros referidos pelo nosso celebre antiquário Resende." Os camponeses despedaçaram as pedras deste moimento, olhando para isso com indiferença algumas pessoas que então se diziam ilustradas."-

O A. da Corogr. port., talvez confiado no testemunho do crédulo Fr. Bernardo de Brito, refere que o ultimo rei godo, D. Rodrigo, recolhendo-se da Nasareth, depois da perdição, sua e das Hespanhas, viera acabar seus dias a Viseu, e que fora sepultado na igreja de S, Miguel do Fetal extra-muros. Mas com isto não gastaremos muito tempo, porque a critica apurou o facto da morte de D. Rodrigo na fatal batalha de Guadalete, e deu por solene patranha a peregrinação oculta do infeliz monarca pelo território português. Todavia parece que sendo a cadeira episcopal de Viseu mais antiga que o século sexto, como depois mostraremos, fora a sua sé primitiva, e talvez a primeira paroquia da cidade, a sobredita igreja de S. Miguel; e referem que nesta existia a sepultura de D. Rodrigo com o epitáfio que dizia: hic requiescit Rodericus rex gottorum. Aqui repousa Rodrigo rei dos godos. Ou a tradição obrigasse a colocar esta lousa, ou alguém cometesse a fraude e daí proviesse a tradição, é certo que o epitáfio existia, porquanto hoje vemos ali um mausoléu ao lado esquerdo da capela-mor, onde, quando em 1735 se reedificou a igreja á custa do cabido de Viseu, foi substituído o antigo letreiro pelo actual que é o seguinte em verso latino.

Hic jacet aut jacuit postremus in ordine regum Gottorum, ut nobis nuntia fama refert.
"Aqui jaz ou jazeu o ultimo na serie dos reis godos, segundo nos refere a mensageira fama.

Não obstante, os árabes quando asenhorearam estes reinos, incluírem no seu domínio o território de Viseu, não deixaram monumentos que atestem hoje a presença deles, ou pelo menos se os houve não existem vestígios.

Junto ao lugar de Algeriz (nome evidentemente de origem arábia porque Alderiz quer dizer lugar das debulhas ou eiras) encontram-se cinco sepulturas abertas n'uma rocha, de configuração semelhante áquelas de que falámos a pag 413 do vol. antecedente tratando do Monte da Boa Morte, termo da vila de Povos. A maior tem de comprimento oito palmos. A pouca distancia destas caminhando-se ao poente acha se outra pequena, da mesma figura, talhada do mesmo modo n'outra rocha, que também por vários cortes e buracos parece ter servido de base a alguma espécie de construção para funerais. Alem das observações expendidas na citada pag. 413 poderemos reflectir que nas sagradas escrituras se menciona o uso entre os hebreus de sepultarem os seus mortos em covas escavadas em fraguedos e penedias, e parece que essa nação sem pátria adoptou, quando pôde, em algumas partes a mesma pratica. Ora o A. da memoria a que nos temos referido conjectura que, segundo as noticias que adquiriu, fora um cemitério de judeus o campo próximo á quinta chamada hoje de Jugueiros; e nos arquivos da câmara de Viseu achou documentos demonstrativos da existência de uma judiaria, ou bairro de judeus, próxima á cidade no sitio que ora denominam Cimo de Vila; daqui poderá verosimilmente inferir-se que as tais sepulturas pertenciam aos hebreus; porem estas como as precedentes considerações oferecemos ao exame d'illustrados antiquários.




Esta cidade teve por armas, em tempos remotos, d'uma parte um castelo banhado nos alicerces por um rio, e que nas ameias tinha a figura d'um homem em trajos de pobre tocando uma buzina, e da outra parte um pinheiro manso. Fabulosa é, como quase todas as lendas da idade média, a suposta origem deste brasão: todavia a contaremos, porque nas mãos de algum poeta se poderá converter em agradável romance. Referem que D. Ramiro_II  roubara a formosa Zahara, irmã de Alboazar, rei ou governador do Castelo de Gaia sobre o Douro; há porem suas variantes nas circunstancias desta tradição. Dizem uns que D. Ramiro morava em Viseu quando foi chamado a Çamora a tomar posse da coroa, que nele renunciara seu irmão D. Afonso IV metendo-se monge no mosteiro de Sahagum, e que por esta ocasião ao voltar da jornada cometera o rapto da irmã, ou, como alguns lhe chamam, filha do árabe senhor do castelo, repudiando depois sua legitima mulher D. Urraca. Outros escritores narram que D. Ramiro tendo ido de romaria ao sepulcro de S. Tiago em Compostela, no transito se enamorara da formosa moura, e pedindo-a em casamento a Alboazar, este lh'a recusou, pelo que se deliberou a rouba-la, trazendo-a para Viseu onde a fez baptizar, pondo lhe o nome de Artida, que significa perfeição. O mouro em desforra da injuria raptou D. Urraca, levando-a para o Castelo de Gaia. D. Ramiro, querendo vingar-se não obstante haver sido o provocador, reuniu seus cavaleiros e com eles se foi pelo rio Douro, em uma barca toldada de ramas para disfarce, e largando os companheiros em sitio oportuno conseguiu por ardil introduzir-se vestido de pobre dentro do castelo, tendo dado o sinal aos seus de que acudissem ouvindo-lhe tocar uma bozina. Falou com D. Urraca, porem a mulher traída não duvidou atraiçoar o marido infiel, mais infiel que o mouro, e a este o entregou, todavia Alboazar lhe poupou a vida, sujeitando-o á ignomínia de tocar aquela bozina por oficio até que morresse, isto é fez, dele uma espécie de corneta ou tambor, que não sabemos porque rasão muita gente sim reputa praças do exercito, mas de nenhuma consideração...

(...)

Tempo é de voltarmos ao D Ramiro que furtou (salva a verdade) a bonita castelã. D. Ramiro no seu mister de bozina-mor tocou com quanta força pôde, e o bom do mouro não lhe importava com isso, ou talvez o mandasse tocar por bazofia e ostentação de poder sobre o pobre cativo. Os cavaleiros escondidos, que escutaram e reconheceram o som do atroador instrumento, largaram sua guarida e, não se sabe o como, tomaram posse do castelo; seguiram-se logo as obras meritórias de matar Alboazar, assassinar a sua gente, e mergulhar no Douro a mesquinha D. Urraca com uma pedra bem pesada ao pescoço; o que tudo eram valentias mui gabadas naqueles tempos. Acabado o feito recolheu-se D. Ramiro á cidade de Viseu, e porque esta era a sua residência valida deu-lhe por armas as que acima ficam descritas, para perpetuar a memoria do sucesso. Mas donde veio o pinheiro manso? Talvez que á sombra dele descansasse o venturoso cavaleiro. Eis aqui as fábulas, forjadas pela imaginação d'enthusiastas, com o que o povo se deleitava. Mas o erudito actor da-nos a memoria sobre Viseu diz o seguinte: - " Pelo tombo da Câmara a pag 13 viemos no conhecimento de que a municipalidade usara destas armas no seu estandarte, que provavelmente também pereceu no incêndio. que consumiu a antiga cadeia e casa de Câmara em 8 d'Agosto de 1796. Desde esse tempo tem usado das armas reais de Portugal, talvez porque alguém de bom juízo, duvidando da origem fabulosa das primeiras, lhes fez mudar de tenção. Não encontro memorias de que tal brasão tenha existido, esculpido em pedra n'alguns sítios da cidade, e só nestes últimos anos a Misericórdia o mandou colocar na casa do hospital novo, no cimo do ângulo do lado oriental do frontispício."

Largando porem as ficções imaginosas e atentando no que provavelmente se pode chamar historia, vemos dos antigos Chronicon que D. Ramiro II habitou Viseu, que os seus antecessores das Astúrias e Leão a tinham com vários sucessos disputado aos sarracenos, tendo D. Ordonho II, florescente entre os anos de 913 e 923, estabelecido aí sua corte temporária, donde partiu para as expedições de Alentejo e Guadiana, que efectuou com grande vantagem recolhendo copia de cativos e preciosidades. Posteriormente D. Afonso V, investido do mesmo ceptro que regeu por vinte e sete anos até 1027, começando quase com o undécimo século, veio morrer diante de Viseu d'um tiro de seta disparado das muralhas, como atesta o letreiro de sua sepultura. Almansor, valente mouro, tinha sido o conquistador deste território. Veio enfim D. Fernando, o Magno, que, sendo elevado ao trono em 1038, libertou o solo português do jugo muçulmano desde o Douro até o Mondego, e na rendição de Viseu vingou a morte de seu sogro, D. Afonso V. Parece que por estes tempos, tendo ficado Viseu desguarnecida se começara a fundar nova povoação com a antiga denominação de Vacca, dentro da cava de Viriato, o que todavia não chegou a completar-se, permanecendo o povo no antigo assento. Consultará a este respeito o curioso a cronica da província franciscana da Conceição no tom. 5.º liv. 3.º

Entrando pela historia de tempos em que os factos são menos duvidosos, vemos que no berço da monarquia portuguesa ainda Viseu conservava vestígios das muralhas, que muito anteriormente a haviam cingido; mas por mais de quatro séculos esteve completamente aberta e exposta á invasão dos inimigos; de forma que os castelhanos, que escaparam da batalha de Aljubarrota em 1385 a destruíram, sem achar resistência, metendo á espada os habitantes, ficando apenas as torres chamadas romanas onde alguma gente se salvou. Mandava o troço espanhol um João Annes Barbuda; porem não ficou sem castigo a vingança vil dos cobardes fugitivos, sendo de todo desbaratados, entre Valverde e Trancoso, por D. João Fernandes Pacheco, senhor de Ferreira, que os acometeu com os habitantes desta vila, de acordo com o governador de Trancoso e o senhor de Linhares. É notável que o mesmo português, não tendo sido recompensados os seus serviços, se passou depois a Castela. Lembrou-se por essa ocasião D. João I de fortalecer a cidade com mais dilatada cerca de muros que a de D Afonso o Magno, abrangendo com o novo recinto não só a cidadela, mas também algumas ruas que se tinham alargado para fóra. D'alguns capítulos das cortes de Lisboa de 1412, destinados especialmente a Viseu, consta que nesse ano se tratava com muita actividade da erecção dos muros da mesma cidade, concorrendo os moradores e também os povos na distancia de duas léguas. Pôs-se ponto na obra, que não passou dos alicerces, segura a paz com o reino de Castela em 1399, sendo provável que parasse logo no armistício pouco anterior. De outros capítulos oferecidos nas cortes de Lisboa do ano de 1439 e desembargados para Viseu em 5 de Janeiro de 1440, vê-se que - Esta cidade era devassa e sem cerca, e não tinha outro muro se não a Deus e a mercê d'elrei; e portanto havia o concelho determinado tapar alguma ruas menos necessárias, e pôr nas outras, portas grandes, firmes e seguras, para que sucedendo alguma revolução entre estes reinos e Castela te pudessem defender dos corredores da terra, pedindo em conclusão que sua mercê fosse... mandar que sem distinção de pessoas eclcsiasticas ou seculares todos concorressem ou pelos corpos ou pelos bens. Ainda nas cortes celebradas na Guarda em 1465, o povo de Viseu tornou a suplicar a el-rei lhe mandasse concluir a cerca começada, alegando que a cidade já tinha sido infestada e queimada pelos corredores castelhanos. Contudo só em tempo de D. Afonso V se fizeram as muralhas, acabando-se a obra em 1472. - Estendeu-se com a diuturnidade dos tempos a população; sendo maior o numero dos habitantes alem do velho recinto do que o dos habitantes desse âmbito. Vejam quanto não seria populosa Viseu nessas eras! Parece-nos que em nossos dias tem alcançado esta cidade maior importância; é o mercado da Beira Alta, e a sua posição lhe facilita o comercio com os distritos vizinhos. Estamos persuadidos que esta Viseu de hoje vale mais que a antiga; vanglorie-se pois de ter o seu assento no fecundo solo português; porque mui opulentas e com prioridade de muitos séculos existiram na Ásia cidades celebérrimas, magnificas em edifícios, copiosas no trafico, e soberbas com o numero de seus vizinhos; e agora apenas existem delas os truncados monumentos, que o viajante contemplativo e o antiquário maníaco vão observar melancolicamente, a despeito dos perigos do deserto. Benigno é o solo e o destino do povo portuguez, porque de ruínas renovam se povoações mais felizes e abundantes que as de outras regiões da terra. Nem sanha de bárbaros, nem inveja de limitrofes atenuavam Viseu...



Mas se olharmos para Viseu, e vir-mos qual é a afluência do seu mercado, sendo uma terra central, quase desistiremos de assentir ás proposições gerais dos economistas.

(...)

Voltando á historia de Viseu, achámos que as muralhas que a guarneceram foram feitas em tempo de D Afonso V e se concluíram em 1472, como consta de uma lapide, que ainda hoje se vê da parte de fora do Suar. Mais tarde a cidade se estendeu alem dos muros, e hoje compreende quase tantos fogos da banda de fora, como os que contivera no antigo recinto. Fracos vestígios se divisam desta cerca, e apenas restam três arcos das portas, que teve, sendo todos conhecidos pelo nome de algum St.º, cuja imagem, a piedade dos povos neles colocara como sentinelas e guardas contra invasões de inimigos. Em tempo de D. João IV, quando este monarca elegeu para Padroeira do Reino a Mãe de Deus, sob a invocação de Senhora da Conceição, assentaram-se em cima das portas umas lapides com a inscrição latina que declarava este voto, como achamos em todas as obras do mesmo reinado.

É também Viseu conhecida nas cronicas portuguesas, por haver dado nascimento a elrei D. Duarte. A mãe do nosso primeiro rei, D. Tareja ou Teresa habitou nela por algum tempo, e alguns de nossos príncipes a honraram com sua presença. No cartório do cabido se conserva o original do foral que em 1123 lhe dera a mesma Sr.º D. Tareja; o A. do Elucidário o cita, e o nosso correspondente em sua erudita memoria assevera a sua existência e diz que lá o poderá consultar e tomar conhecimento das doações e privilégios, que encerra quem não estiver pelo testemunho do mencionado autor.

É de presumir que D. Afonso Henriques, nas desavenças que tivera com sua mãe, julgasse irrito e nulo este foral, dando outro, de sua autoridade, que foi confirmado por seu filho e sucessor, mas de que não existe traslado no cartório da câmara, conservando-se o autografo el-rei D. Manuel, com data de 15 de Dezembro de 1513.


Reinando D. João I, celebraram-se cortes em Viseu, no mês de Dezembro de 1429 (ano de C. de 1391), como se prova de umas memorias que delas existem no cartório da câmara de Coimbra, por uns artigos desembargados para esta cidade em 16 do dito mês e ano; assim como há outros desembargados na mesma epocha para a cidade do Porto. Em um pergaminho da câmara de Ponte de Lima existem oito capítulos das mesmas cortes.

(...)

Entre as glorias de Viseu se numera a do titulo do celebre infante D. Henrique, que foi o primeiro duque de Viseu. Ainda hoje na rua da Cadeia existe a casa chamada da torre, onde estão colocadas por cima de uma janela gótica as armas dos nobres descendentes da dinastia Joanina; o escudo esquartelado apresenta cinco cotos d'azas e a cruz de Avia cercada das quinas de Portugal. O mesmo se encontra na tosca parede de uma casa no centro da povoação da Aguieira, que pelo estilo de duas portas se observa ter sido mais decente morada.



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