segunda-feira, 31 de outubro de 2011

História de Viriato


História de Viriato

Viriato ilustre Chefe dos Lusitanos

SULPICIO GALBA nomeado pelos Romanos Pretor da Lusitânia era um daqueles Governadores que pela sua rapina e crueldades levaram muitas vezes ao desespero os povos conquistados. Os Lusitanos tendo assas feito reconhecer o seu ódio contra a opressiva tirania dos Romanos, jamais suportariam longo tempo as extorsões e os furores de Galba. Atacaram as suas legiões e mataram sete mil Romanos. Galba, escapando á mortandade e reforçado com tropas que lhe foram enviadas, pôs tudo a fogo e sangue e, quando viu depois que os Lusitanos, sem esperanças, lhe suplicavam a paz, traçou, para acabar de os perder, um plano abominável. Fingiu desculpar o seu procedimento e ofereceu-lhes habitações preferíveis aos lugares que tinham sido destroçados. Eles o julgaram sincero e em grande número se apresentaram no lugar que lhes fora designado, para se concluir a começada convenção. Galba mandou atacá-los e assassinar  todos. Apenas um pequeno resto pôde escapar, fugindo ao furor dos Romanos, sequiosos de sangue e, entre estes fugitivos se achava Viriato.

Acusado por Catão, Galba foi obrigado a ir dar conta da sua conduta ao Senado Romano. Ele conhecia os meios de comover os seus juízes; tomou seus filhos nos braços e desenvolveu uma enérgica eloquência; e como os Senadores sabiam perfeitamente que ele só tinha obrado segundo a espantosa politica de Roma, foi tornado a enviar absolvido.

Contudo, Viriato, incitado pelos mais nobres motivos de vingança, reúne aqueles que haviam escapado do destroço e aqueles que por uma justa desconfiança ou por outros motivo se haviam subtraído á convocação de Galba. Ele os conduz sobre o mesmo campo aonde os cadáveres dos seus amigos estão em parte devorados pelos animais ferozes, aonde os filhos se acham exangues sobre o seio de suas próprias mães e as tenras filhas assassinadas ao lado dos seus mais caros parentes. Viriato reconhece uma daquelas que lhe deveram a existência. Desde logo imprime as mãos sobre as suas feridas e jura, em vingança de tão horrorosos crimes, jamais depor as armas sem haver derramado ondas de sangue Romano. Os seus companheiros pronunciam com ele terríveis juramentos e vão fazer tomar armas aos povos de toda a Lusitânia.

Viriato não julgou bastante achar se apoderado da sua boa vontade; exercitou-os pelo espaço de algum tempo e, quando os reputou soldados, os conduziu na Carpentania, hoje reino de Toledo, aonde se achavam as principais forças dos Romanos.

Depois de haver começado hostilidades quis ligar mais do que nunca á sua causa os que a tinham abraçado e preparou uma horrível cerimonia. Sacrificou a Marte, com a sua própria mão, um Cavaleiro Romano que tinha sido aprisionado;  e os seus soldados, metendo um após outro a mão direita nas entranhas da vitima, juraram de novo que eles fariam aos Romanos uma guerra sem limites. Cerimonia espantosa, mas que recorda que sem tão justos motivos de vingança, estes mesmos Romanos sacrificavam um Gaulês e uma Gaulesa para tornar propicias as Divindades, quando começavam a guerra com os povos daquele país, então chamado Gália e actualmente França. Viriato e os seus foram depois levantar contribuições sobre os habitantes da Bética, aliados dos Romanos.

O Senado fez marchar Marco Vitilio contra eles, o qual pela rapidez da sua marcha conseguiu surpreende-los. Viriato não teve outro recurso mais do que encerrar- se numa cidade da Bética. Os seus soldados, reduzidos ao extremo apuro, propuseram a Vitilio de lhe entregar a cidade, debaixo de certas condições. Eles se haviam acautelado, guardando para com o seu chefe um absoluto segredo; contudo ele descobriu tudo e fez reuni-los e pelas mais fortes razões conseguiu fazer mudar a sua resolução. Pouca dificuldade havia em demonstrar-lhes que jamais se deveriam confiar dos Romanos e que lhes era melhor expirar com as armas na mão do que suportar ainda a sua perfídia e crueldade. Quando ele os via num destes momentos de entusiasmo que decidem da sorte dos combates, os fez sair da cidade e os arranjou em batalha. Os Romanos se apresentaram em frente, naquela admirável ordem que lhes submeteu tantas nações; mas Viriato, este chefe de um dos povos que o orgulho Romano intitulava bárbaros, provou nesta circunstancia que ele era mais hábil capitão que o chefe dos seus contrários. Deliberado a fazer a sua retirada, tentou primeiro do que tudo pôr a salvo a infantaria, a qual era pouco numerosa. Cobrindo-a de toda a sua cavalaria, a fez desfilar em pelotões por veredas que lhes eram conhecidas. Quando a julgou distanciada tanto quanto ele desejava, entrou na cidade com a sua cavalaria. Os Romanos lhe deram um assalto, que sustentou até á noite; retirou-se então com todos os seus cavaleiros. indo reunir se á infantaria em Tribola, cidade situada perto do estreito de Gibraltar e que hoje não existe.

Uma tão bela retirada e a honra de ter iludido assim aqueles que se reputavam mestres na arte da guerra, deram a Viriato um consumado credito. Muitos povos, igualmente fatigados do jugo dos Romanos, porém que não tinham ousado declarar-se, lhe forneceram soldados, viveres e tudo o que lhe era necessário para continuar a campanha com vigor. Vitilio marcha a opor-se, cai numa emboscada e morre com quase todo o seu exercito. Ele foi aprisionado por um soldado, mas a sua avançada idade e excessiva gordura fizeram acreditar ao Lusitano, que não o conhecia, ter nele um mau escravo e lhe cortou a cabeça.

O resto do exercito Romano se retirou a Tarifa. O Questor de Vitilio reuniu mais soldados e quis tentar a sorte. Viriato o derrotou e numa só acção lhe fez morrer dez mil homens. Arrojou-se depois novamente sobre a Carpentania e se dirigiu a Toledo.

Sabe-se que os Romanos nunca eram tão obstinados, nem mais temíveis, que depois dos seus desastres. Caio Plaucio foi enviado a Hespanha e marchou rapidamente contra Viriato, com forcas consideráveis. Viriato cujas tropas se achava fatigadas e diminuídas pelos contínuos combates que tinham sustentado, entrou na Lusitânia. Plaucio destacou quatro mil cavaleiros a fim de o perseguirem. Eles o encontraram no momento em que a infantaria estava passando o Tejo. Viriato sustentou a acção com a sua cavalaria e, depois de um combate prolongado e não menos que sanguinoso, ele conseguiu uma completa vitoria.

Apenas havia pisado o terreno da sua pátria, soube que Plaucio atravessava o Tejo. Entrincheirou-se não longe de Évora, sobre o monte de Vénus, assim chamado por haver ali um templo erigido àquela Deusa. Apesar da vantagem que a situação dava ao seu inimigo, Plaucia não duvidou em ataca-lo. Empenhou-se uma porfiada batalha, na qual, de uma e outra parte, se fizeram prodígios de valor, porém a vantagem pertenceu finalmente aos Lusitanos.

Ao Pretor Plaucio sucedeu Claudio Unimano, reputado como sendo um muito hábil General. Pôs, com efeito, em prática todos os estratagemas possíveis para conduzir aos seus laços Viriato, mas este mostrou tanta ciência quanta o seu adversário; e por ultimo, quando ambos de alguma sorte acharam fatigados de recorrer a todas subtilezas da táctica, eles se encontraram, como por tácita convenção, na planície a que depois deram o nome Ourique.

Esta vez ainda o ascendente de Viriato triunfa e a sua vitoria foi mais completa que todas as precedentes. Os Romanos perderam as suas águias, todas as mais insígnias e até as do General. Os vencedores elevaram de todos estes despojos um troféu no mais alto da montanha.

O Consul Nigidio veio substituir Unimano; ele foi também de todo derrotado e, de comum acordo, os Lusitanos proclamaram Viriato libertador da pátria.

A derrota de Nigidio tinha aberto ao herói Lusitano toda a Hespanha ulterior; ele a transitou vitorioso; mas enquanto que o moço Cipião ia destruir Cartago, o Senado enviou o seu amigo Lelio a comandar na Hespanha. Viriato, sabendo quanto ele era temível pela sua sabedoria e experiência iguais ao seu valor, regressou á Lusitânia e se conservou como escondido, enquanto persistiu Lelio na Hespanha; mas também este não atacou Viriato.

A Lelio sucedeu Quinto Fábio Máximo Emiliano. O seu orgulho, fundado talvez tanto por ser de uma das famílias mais ilustres de Roma, quanto sobre os seus talentos militares, lhe fez acreditar, em desprezo do exemplo de quase todos os seus predecessores, que os Lusitanos jamais se arrojariam a medirem-se com ele. Viriato o desengana, tomando-lhe na Bética duas importantes cidades. Surpreende depois um comboio de munições a Fábio e destroça um dos seus destacamentos, enquanto o Cônsul se dirigia a Cadiz, para oferecer hum sacrifício a Hércules, a fim de lhe conceder vitoria sobre os Lusitanos. De volta ao seu campo, Fábio tratou de reestabelecer o seu credito e alentar os soldados. Aproveitou uma ocasião favorável, bateu os Lusitanos, obrigando-os a procurar os sítios que a natureza havia fortificado. Pouco depois retomou as duas cidades de que Viriato se havia feito senhor e se vangloriou altamente que seria para ele o que Cipião tinha sido para Aníbal, Comparar Viriato ao herói Cartaginês era sem dúvida tecer-lhe um magnifico elogio e talvez este elogio tão lisonjeiro na boca de um inimigo não fosse ainda muito exagerado. Quando expirou o Consulado de Fábio, ele pediu e obteve um triunfo, que era bastante a provar qual terror Viriato havia inspirado aos Romanos, pois que eles concediam uma tal honra ao General que não tinha conseguido vantagens decisivas.

Viriato reforçou o seu exercito e fez rebelar contra os Romanos muitos povos da Hespanha, apesar de Popilio, que foi substituído por Quinto Cecilio Metelo, chamado o Macedónico, por causa das vitorias que obtivera na pátria de Alexandre. Metelo destacou contra Viriato o seu Lugar tenente Quincio e se encarregou de submeter os confederados. Quincio bateu Viriato perto de Évora e o General Lusitano se retirou ainda esta vez sobre o monte de Vénus. Ali exortou os soldados a vingar o seu ultraje e marcha a encontrar Quincio, o qual fugiu para Córdova, depois de ter perdido quinze mil Romanos. Deixando a Metelo a Hespanha Oriental, o Senado enviou na Ocidental Fábio Máximo Serviliano. Excepto em algumas ocasiões extraordinarias, os exércitos Romanos jamais foram numerosos nos países conquistados; pode portanto julgar-se como formidável a força que Serviliano comandava, independente daquela que obedecia a Metelo. O primeiro tinha dezoito mil homens de pé, mil e oitocentos cavaleiros, dos quais eram trezentos Numidas, enviados por Micipsa, filho de Masinissa e mais dez elefantes. Serviliano, além disto, era um chefe bravo, experimentado e zeloso, partidista daquela disciplina severa a que Roma deveu tantas vitorias. Viriato, sem se amedrontar,  fatiga Serviliano, enquanto possui mantimentos e  retira-se depois á Lusitânia, guardando a melhor ordem; porém, dois dos seus Generais foram derrotados por Serviliano, que tomou além disso muitas cidades e fez vender todos os prisioneiros. Depois, ele mandou cortar as duas mãos a Carroba, de origem Lusitana, que era na realidade mais um salteador do que hum guerreiro, que desolava a Bética; mas Serviliano não deixou, contudo de faltar indignamente á palavra que lhe dera, de o receber como prisioneiro e sem o maltratar. Poucos dias depois, Serviliano atraiu junto a si alguns chefes Lusitanos, debaixo do pretexto de combinar os meios de concluir uma tão sanguinosa guerra e, da mesma sorte, lhes mandou cortar as mãos. Assim Serviliano, ainda que muito hábil General, contudo não se prezava mais do que os outros seus patrícios de sustentar um juramento dado aos inimigos de Roma.

Viriato vingou nobremente os seus companheiros desgraçados; fez levantar a Serviliano o cerco de Erissana, depois havendo-o colocado numa situação perigosa, forçou-o a concluir um tratado pelo qual Roma reconhecia aos Lusitanos o direito de ser livres; obrigava- se a entregar as praças que lhes haviam sido tomadas e, afina de os tratar como aliados, com tanto que eles se contivessem pacíficos dentro do seu país. Viriato julgava ter gloriosamente concluído a guerra com uma paz necessária aos seus concidadãos; mas ele não conhecia a politica de Roma. O Senado, como o havia feito em muitas ocasiões, desaprovou o General e enviou seu irmão Quinto Servilio Cipião a suceder-lhe. Cipião, vituperando altamente Serviliano, devastou a Lusitânia. Viriato parte de Valença, que se julga ter sido fundada por ele, embaraça os progressos de Cipião e julga que ainda lhe era possível consolidar a paz. Ele envia três dos seus oficiais, Minuto, Aulaces e Dictaleão ao General Romano.

Cipião os enche de obsequios e dádivas; depois lhes diz que o único meio de obter de Roma uma paz solida, era o de fazer expirar o seu ambicioso General, que já teria escravizado os seus concidadãos, se não tivesse a combater com os Romanos. Suscitou oportunamente o ciume, iludiu-os com a esperança de suceder a Viriato e só os deixou retirar quando os viu bem deliberados ao crime.

Regressando ao campo, eles anunciaram a Viriato que era necessário renunciar toda a esperança de paz. Ele afligiu-se sem conceber a menor suspeita dos malvados. Deteve-os a cear e depois eles retiraram-se; mas quando se persuadiram que Viriato já estivesse dormindo, voltaram e apunhalam-no, servindo-se para cometer este execrável delito, da facilidade que tinham de entrar no seu aposento a toda a hora, quer de dia quer de noite, sem que fossem suspeitos aos guardas do General, de quem possuíam uma absoluta confiança. Isto feito, eles a favor das trevas,  apresentaram-se no campo dos Romanos.

Quando se descobriu que Viriato, por um vil assassínio, tinha perdido a vida, todo o exercito foi penetrado da mais excessiva dor, a qual bem depressa se comunicou a toda a Lusitânia.

Tributaram-se a Viriato as honras fúnebres que se praticavam com as pessoas mais ilustres e, sem dúvida, ninguém até àquele tempo as tinha na Lusitânia tão dignamente merecido

Os assassinos  apresentaram-se em Roma a exigir o prémio que julgavam ter devidamente merecido. Cipião Nasica era então Cônsul; disse-lhes que Roma estimava muito Viriato, para recompensar aqueles que se não tinham vexado de atentar contra os seus dias e lhes ordenou sair de Roma sob pena de uma infalível morte.

Servilio Cipião, tendo completamente derrotado Tentalo, bravo mas pouco hábil sucessor do grande Viriato e submetido a Lusitânia, obteve sem dificuldade as honras de um triunfo, que elle havia preparado pela corrupção e pela perversidade.

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