domingo, 2 de outubro de 2011

História do Bandarra e suas Profecias


História do Bandarra e suas Profecias

Gonçalo Annes Bandarra, de profissão sapateiro e natural de Trancoso, compôs no reinado de D. João III as muito famosas trovas em que não só a gente vulgar, mas também homens de estudo e saber, pretendem encontrar inspiração divina, vendo nelas outras tantas profecias aplicáveis aos acontecimentos políticos deste reino, verificadas posteriormente nos tempos decorridos desde a perda del rei D. Sebastião em África, até aos nossos dias.

Escritores houve que, além de se recusarem a reconhecer em Bandarra semelhante inspiração, chegaram até a pôr em dúvida a sua existência pessoal, negando-lhe abertamente a paternidade das trovas que correm em seu nome. Atribuíram a composição destas aos jesuítas, supondo-as forjadas por ocasião da aclamação de D. João IV em 1640! Ate houve quem defendesse que as trovas chamadas de Bandarra foram compostas pelo padre António Vieira.

Mas para os desmentir existe como prova sobeja, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo o processo original feito pela Inquisição de Lisboa a Gonçalo Annes em 1541, e recolhido ali com os demais papéis do cartório daquele extinto tribunal, por ocasião da abolição do Santo Ofício em 1821.

E nesse processo não só se alude por mais de uma vez ao livro ou caderno das trovas, que se dá como presente, mas vem transcrita uma dessas trovas.

Vê-se no processo que Bandarra fora preso como suspeito na fé, por se mostrar «amigo de novidades»; e com elas causar o alvoroto aos cristãos novos, compondo trovas, que estes interpretavam à sua satisfação; e, finalmente, porque «lia por uma brivia (Bíblia) em linguagem», e explicava a seu modo os lugares que lhe parecia, dando declarações e respostas aos que nestas matérias o consultavam, sem ter letras e ciência que para tal o autorizassem. Sobre estes quesitos versou a sentença dos Inquisidores, que o absolveu de pena, atenta a «qualidade de sua pessoa, vida e costumes», limitando-se a proibir-lhe que continuasse nas práticas referidas; e assim o deram por quite, saindo no auto da fé que em Lisboa se celebrou a 23 de Outubro de 1541.

Faltam-nos em verdade todas e quaisquer notícias do mais que Gonçalo Annes passou na ultima quadra da vida, isto é, desde que a Inquisição o pôs em liberdade. Mas parece que não houve da sua parte inteiro cumprimento às clausulas da sentença, visto que as quintilhas que servem de dedicatórias das suas trovas, dirigidas por ele a D. João de Portugal, bispo da Guarda, só podem ser escritas depois do ano de 1556, que que aquele prelado ocupou a dita Sé e, por conseguinte, passados mais de quinze anos da ida do autor aos cárceres do Santo Ofício. Essa data prova terem-se enganado os biógrafos que pretendem datar a sua morte em 1440, pois é certo que ainda vivia pelo menos seis anos depois.

Nostradamus, o Bandarra da Provença, que pela mesma altura começava a tornar-se famoso, não só na sua pátria, mas em toda a França com as suas predições e vaticínios, que por certo não valiam mais que os do nosso, alcançando da corte honrosas recompensas e vendo apearem-se à porta os soberanos e as princesas da Europa, que o iam consultar, terminou a sua carreira um pouco mais tarde, falecendo por volta de 1566.

Seja como for, as trovas de Bandarra, apesar de defesas pela Inquisição, continuavam a ganhar popularidade e por isso o Santo Ofício não se descuidou de as fazer inserir entre as obras proibidas no Index Expurgatório de 1581, onde figuram a folhas 23.

Covem referi que as ditas trovas conservavam-se até então manuscritas e só aparecem impressas pela primeira vez em 1603, por diligência de D. João de Castro, o seu primeiro comentador.

Mais de quarenta anos depois foi feita uma edição mais completa, a expensas do primeiro marquês de Nisa, D. Vasco Luís da gama, embaixador del rei D. João IV à corte de França; o qual, publicando estas profecias, teve em vista animar com elas os brios patrióticos dos portugueses, então empenhados na luta com Castela, mostrando-lhes o cumprimento de todas na pessoa do sobredito rei e nos acontecimentos da sua aclamação.

Correu esta edição sem impedimento durante mais de dez anos; mas no fim deles o Santo Ofício acordou e, na mesma altura em que fazia recolher aos cárceres de Coimbra o Padre António Vieira, para o processar com o motivo aparente de ter escrito um papel ou comentário destinado a concordar e explicar a seu modo as profecias do Bandarra, fulminava contra estas nova e expressa proibição, por edital de 3 de Novembro de 1665.

Passado mais de um século, novo edital da Mesa Censória, datado de 10 de Junho de 1768, roborava por parte deste tribunal civil as antigas proibições, mandado recolher os exemplares impressos ou manuscritos das Trovas do Bandarra e ameaçando graves penas aos transgressores.

Apesar de tudo, numerosas cópias continuaram a correr e a reproduzir-se entre as mãos dos chamados «Sebastianistas», que olhavam como o mais inabalável fundamento da sua crença aquelas trovas, susceptíveis, aliás, de tantas interpretações quantas são as que em diversos tempos e com propósitos diferentes pretenderam dar-lhes os seus comentadores.

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