domingo, 2 de outubro de 2011

A morte de Camões



A morte de Camões

Luís Vaz de Camões, príncipe dos poetas portugueses, o imortal autor dos Lusíadas, de que Portugal tanto se honra, nasceu em Lisboa no ano de 1524; seus pais eram nobres.

Seguiu os seus estudos na Universidade de Coimbra e já aí se deu ao comércio das Musas.

Voltando a Lisboa, culpas amorosas valeram-lhe um desterro para Santarém. Desgostoso, trocou então a vida de poeta pela de soldado, indo servir por algum tempo na praça de Ceuta; num encontro naval contra os moiros junto ao estreito de Gibraltar, uma faísca de tiro de canhão lhe fez perder o olho direito.

Restituído à Corte, debalde requereu algum prémio pelos seus serviços militares, até que, perdidas as esperanças, resolveu abandonar de todo a pátria e passar à Índia.

Em Março de 1553 embarcou na frota que nesse ano partiu para aqueles estados e, depois de grandes temporais em que se perderam as outras três naus de que se compunha a frota, chegou a Goa no fim de Setembro desse mesmo ano.

Nesta cidade esteve pouco mais de um mês, porque em Novembro tornou a embarcar com o vice-rei D. Afonso de Noronha, numa poderosa armada, que foi socorrer os reis de Cochim e de Porcá, amigos nossos, contra o de Chembé, que lhes havia tomado algumas terras.

Continuando no exercício das armas, passou, em 1555, ao estreito de Meca numa armada que ia dar caça naquelas paragens às naus dos mouros. Tendo-se recolhido a Goa, escreveu algumas sátiras picantes contra certas pessoas importantes da cidade, que tinham da uma festa em honra do governador, pelo que este o mandou prender e o desterrou para a China. Alo obteve e serviu o ofício de provedor dos defuntos e ausentes, na cidade de Macau, há pouco fundada pelos portugueses.

Navegando para Goa, depois de cinco anos de trabalho em Macau, deu à costa nuns baixios na foz do rio Mecong, na costa do Cambodja; e fazendo-se o navio em pedaços, sobre um destes conseguiu o poeta chegar a terra. Neste naufrágio perdeu tudo o que conseguira em Macau, salvando somente, numa das mãos, o seu poema dos Lusíada, enquanto nadava com a outra para salvar a vida.

Algum descanso e favores gozou o poeta em Goa, durante os poucos meses que restavam do vice-reinado de D. Constantino de Bragança; mas sucedendo a este o conde de Redondo, tornou a fortuna adversa a perseguir Camões; porque imputando-lhe algumas culpas na administração do cargo que exercera em Macau, foi por ordem do vice-rei metido na cadeia.

Purgados já os arguidos defeitos, estava a ponto de sair da prisão, quando nela se viu embargado por uma dívida. Deste novo desastre o livrou o vice-rei em consequência de um gracioso memorial, escrito em verso, que o poeta lhe dirigiu.

Vendo-se Camões em tão triste situação, cercado de trabalhos e de pobreza, aceitou a oferta que lhe fez Francisco Barreto, de o levar consigo A Sofala, para onde ia despachado capitão. Esperava ele achar ali mais fácil conjuntura para embarcar para Lisboa; e assim aconteceu. Aos poucos meses de estar em Sofala, viu arribar àquele porto uma nau, em que alguns fidalgos e cavalheiros se recolhiam de viagem para Lisboa. Ofereceram-se para Camões embarcar mas, sabendo-o Francisco Barreto, tentou impedi-lo, reclamando o pagamento de duzentos cruzados que dizia ter com ele despendido. A este embaraço acudiram aqueles cavalheiros, pois cotizando-se, pagaram a dívida e resgataram o devedor.

Chegou finalmente Camões a Lisboa no ano de 1569, governando el rei D. Sebastião e quando a cidade sofria de uma terrível epidemia; isto retardou a publicação do seu poema, o qual só viu a luz do dia em 1572 e com tão grande aceitação, que no mesmo ano se reimprimiu outra vez. Mas foi só glória para si e para a pátria que Camões tirou do seu poema. Pelos serviços militares obteve del rei a módica pensão de quinze mil réis anuais; e pelos Lusíadas só teve desgostos e dissabores!

Os sete anos que ainda viveu, passou-os Camões na maior indigência. O cantor das glórias portuguesas nem um pedaço de pão tinha com que se alimentar! Tal foi a miséria que um escravo Jao, de nome António, que tinha trazido consigo da Índia, mais humano e mais grato que a pátria, e melhor avaliador do merecimento deste grande homem, corria de noite as ruas de Lisboa pedindo esmola para sustentar o seu amo!

Nestes últimos anos habitou um quarto numa casa próxima à Igreja de Santa Ana. Ali jazendo num pobre leito, ferido da ingratidão dos homens, cercado de todos os horrores da miséria. Numa carta escrita muito perto da morte, dizia ele: «Em fim acabarei a minha vida, e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria, que não somente me contentei de morrer nela, mas de morrer com ela.»

E com efeito confirmou-se a predição. Algum tempo depois um eclesiástico seu conhecido, veio dar-lhe a triste notícia da jornada de Alcácer Quibir, da morte de D. Sebastião e do fim desastroso que ameaçava a pátria.

Faleceu Camões no ano de 1579.  Para ser levado à sepultura foi necessário que da casa de D. Francisco Manuel se fornecesse um lençol em que o amortalhassem. Enterraram o seu corpo junto à porta da igreja do Mosteiro de Santa Ana sem nenhuma menção e, tão depressa se perdeu a memória dele, que passados 16 anos com dificuldade se encontrou a sepultura, querendo-se trasladar o cadáver para outra mais decorosa, que lhe mandou lavrar D. Gonçalo Coutinho.


Sem comentários:

Enviar um comentário