terça-feira, 12 de março de 2013

Como surgiu o celibato dos padres


Mas como é que a ideia de celibato dos padres se impõe na Igreja cristã, sendo que a proibição ou estigmatização do sexo vai contra os mais elementares instintos da natureza humana, estando, portanto, condenada ao fracasso?

Muito cedo, nos primeiro evangelhos canónicos, os de Mateus e Lucas, nota-se um apreço especial e destacado pela virgindade - da mãe do Redentor em concreto - movida pelo desejo de exaltar o maravilhoso e extra_humano que tinha sido o processo de encarnação do Salvador. Ora acontece que não era o judaísmo mas a religiosidade do mundo greco-romano quem tinha um apreço especial pela virgindade. As vestais e as sacerdotisas virgens de todo o tipo encontram-se nos santuários pagãos do helenismo e não no mundo judaico. Portanto, essa tendência do primeiros evangelhos corresponde mais ao espírito pagão que ao judaico.

Também ajudou o apreço pela virgindade que muito cedo se entendesse num sentido anti-sexo uma sentença muito obscura, provavelmente metafórica, de Jesus acerta do status especial daqueles que desejassem um acesso preferencial ao reino de Deus: «E alguns fizeram de si mesmos eunucos por amor do reino dos céus» (Mateus 19,12). Desde muito cedo, em meados do século II, que se nota uma exaltação extrema da virgindade de Maria, antes, durante e depois do parto, e uma tendência em ver no texto acima referido a prova de que Jesus também tinha levado uma vida de celibato, virginal e continente.

Desde finais do século III começou a estender-se o costume, contrário a uma carta de Paulo - mas escrita na realidade por um discípulo -, de que o bispo «fosse varão casado uma única vez, que governe bem a sua casa e mantenha submissos os seus filhos» (1 Timóteo 2, 2-4), de que todos os que aspirassem ao episcopado deviam ser não só celibatários nesse momento, mas que nunca tivessem contraído matrimónio. Por isso se elegiam bispos só entre os monges, que faziam votos de castidade absoluta. E aqueles, que pelas suas qualidades especiais fossem escolhidos para bispos enquanto estavam casados, requeria-se deles, desde o momento da ordenação, que se abstivessem de todo o tipo de relações sexuais, mesmo com a sua própria esposa.

Pouco a pouco, a partir do século IV, foi-se postulando que não só os bispos, mas também os sacerdotes e diáconos, fossem sexualmente continentes uma vez designados para esses cargos. Podiam ser eleitos para eles estando casados, mas pedia-se que ajustassem a sua situação à dos bispos. Deviam abster-se completamente do sexo, ainda que não acabar com o seu matrimónio.

Os bispos guardavam, pelo menos exteriormente este preceito canónico, mas não os «presbíteros» ou sacerdotes correntes do clero «secular», não pertencentes a uma ordem religiosa, que continuavam a contrair matrimónio. Apesar disso e teoricamente, durante a época patrística e toda a Idade Média, o direito canónico continuou a exigir aos sacerdotes que - mesmo casados - ao menos se mantivessem continentes e que não mantivessem relações nem sequer com a sua esposa. Portanto, podiam viver com uma mulher, mas sem sexo. Esta lei eclesiástica era válida, tanto para a Igreja ocidental como para a oriental.

Queixas contra os sacerdotes que não seguiam estas prescrições do direito canónico, encontram-se por toda a parte, tanto na legislação dos Concílios, como noutros documentos não exactamente eclesiásticos, como as cartas do imperador Justiniano, que faleceu em 565.

Mas se o clero mas baixo fazia orelhas moucas a estas prescrições, também o mesmo acontecia nas altas esferas da Igreja, papas incluídos.

No que diz respeito aos papas há que dizer que além de serem governados pelas leis da natureza como qualquer mortal, a sua posição de príncipes não só eclesiásticos mas também seculares, as suas abundantes riquezas, a possessão absolutamente hegemónica da religião católica, quase sem oposição, fez com que se portassem como tais e viviam deixando-se levar pelos seus desejos mais primários... e como príncipes tinham meios para satisfazê-los.

De vez em quando, no entanto, a sede de Pedro era ocupada por homens piedosos, normalmente provenientes de mosteiros ou, mais raramente, do meio dos cristãos seculares, que tentavam uma reforma da péssima situação ligada ao sexo. A reforma da péssima situação moral do clero e do papado na Baixa Idade Média teve inicio nos sínodos locais de Metz e de Mogúncia nos finais do século IX. Neles proibiu-se expressamente não só a prática de relações sexuais com as esposas, que já era tradição serem proibidas, mas o próprio matrimónio dos clérigos. Começava a sentir-se a tendência de impor obrigatoriamente o celibato eclesiástico.

Um desses homens piedosos que tinha sido  eleito papa foi um monge prestigioso, de nome Hildebrando, que nem sequer era sacerdote - papa de 1073 a 1085 - e que adoptou o nome de Gregório VII. Entre outras reformas, empreendeu a da situação do clero com a ideia de que a prescrição do celibato absoluto e obrigatório para todos os sacerdotes, tanto seculares como religiosos, seria a solução para a perversão sexual do clero. No Sínodo organizado em Roma no ano de 1075, Gregório destituiu todos os padres casados, mas a sua luta por aplicar o celibato à força, encontrou forte resistência, especialmente na Alemanha, França e Inglaterra.

Apesar desta oposição, em 1123 o primeiro Concílio de Latrão, nos seus cânones 3 e 21, aprovou de maneira definitiva, até hoje, a obrigatoriedade do celibato para todos os membros do clero.

Uns anos mais tarde, em 1139, uns quinhentos bispos reunidos no Segundo Concilio de Latrão, confirmaram esta proibição e acrescentaram penas aos que não se tivessem separados das suas esposas, proibindo, além disso, que os católicos assistissem a missas oficiadas por sacerdotes casados. No Concílio de Trento, em finais do século XVI, no seu cânon 24, declarou que qualquer matrimónio celebrado depois da ordenação sacerdotal é inválido.

Finalmente, em 1917, o Código do Direito Canónico declarou finalmente, de modo explicito, que estar casado era um impedimento absoluto para ser ordenado sacerdote.

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