sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

História: Convento de Jesus em Setúbal I - imagem 1860




História

Setúbal

Convento de Jesus em Setúbal - 1ª parte

Imagem 1860

Festejámos o despacho que ultimamente teve a antiquíssima Setúbal, de ser elevada á categoria de cidade, com lhe gravarmos n' estas paginas o seu mais notável monumento artístico, qual é o convento de freiras de Santa Clara, denominado de Jesus, fundado hoje perto de quatro séculos.


Já era tempo de dar titulo e foros de cidade a esta vila, que pela sua topografia, porto marítimo, produção, comercio e população, fora sempre contada entre as principais do reino, tendo apenas sobre si Lisboa, Porto, e Viana.

Por varias vezes a imprensa, desde 1842, instou por esta promoção, e nós fomos d'esses. Por fim ouve uma vereação que definitivamente requereu esta preeminencia, e a conclusão do ramal do caminho de ferro do sul, que para aquella povoação se abriu agora, veio resolver o despacho de que nos congratulamos, com aquela alegria d'alma que nos infunde qualquer progresso ou engrandecimento desta boa terra.


O convento que hoje estampámos em gravura, é quase todo obra do grande edificador, el-rei D. Manuel, e um dos bons tipos que nos restam do estilo e desenho do arquitecto do mosteiro de Belém, o mestre Botaca.


A historia da fundação do convento de Jesus de Setúbal conserva se manuscrita na secção dos códices da biblioteca nacional de Lisboa, e tem titulo: - Historia da antiga e curiosa fundação do convento de Jesus, da vila de Setúbal, escrita por Sóror Leonor de S. João.

Eis como a boa da madre conta qual foi o principio desta edificação:


«Em 1489, inspirou Deus em Justa Rodrigues Pereira, dona nobilíssima e de santos e altos pensamentos, ama do duque D. Manuel que depois foi rei de Portugal, que fundasse n'esta vila um mosteiro de freiras da primeira regra de Santa Clara. E sabendo ela que mestre Boutaca era vindo das Italias ás obras d el rei D João (II) pela fama de seu engenho, e que estava na mesma terra, achando-se ela presente, entendeu que abria o Senhor caminho a seus intentos, mandou logo chamar ao dito mestre, e disse- lhe como desejava fazer um convento de freiras capuchas, e da regra acima dita, pelo não haver na Hespanha, e declarando-lhe o modo e traça como o queria, ficou o mestre maravilhado e respondeu-lhe: "Ora não mais, senhora, esse é o convento que me foi mostrado em sonhos nas Italias, e trago debuxado."


Ficou ela mui consolada, e foi dar conta a el-rei D João II, que então reinava, e lhe disse como desejava fazer um convento, e se havia de intitular o nome d'elle Jesu."

El-rei lhe respondeu: "Ama, a muito vos atreveis!" Ela replicou e disse: "Senhor se Jesu houver mister alguma coisa de V.A. far-lha-ha?" O christianissimo rei tirou então a gorra da cabeça, e com ela baixa disse: " A Jesu, a pessoa e a coroa."


Ela então prostrada aos pés del-rei, lhe beijou a mão pela mercê, e pediu-lhe a consumasse impetrando breve e licença do papa.»

Assim, dito e feito, se levantavam então grandes monumentos!

Em quanto não chegava de Roma a competente bula, se foi comprando o chão para o convento e cerca; e pouco depois se começou a edificar, tudo isto por conta d'el rei D João II, o qual falecendo n'este meio tempo, seu sucessor D. Manuel, não só continuou, mas ampliou grandemente a obra, de tal sorte, que na opinião do clássico agiographo Jorge Cardoso "esta igreja é das sumptuosas que de freiras n'este reino, de abobada e três naves com colunas de jaspes, lavradas de modo que representam dois cordões torcidos entre si, que alguns querem seja própria empresa do dito rei."

Como se vê da nossa estampa, este monumento tem muitas parecenças com o de Belém, n'alguns accessorios, esculturas e rendados, o que não admira porque o mesmo arquitecto Botaca, e o mesmo rei D. Manuel, são autores de um e de outro.

O que mais sobresai neste de Setúbal, é a cor da pedra de que ele é revestido, extraida das pedreiras da vizinha serra de S. Filipe, o que lhe dá um aspecto ainda mais vetusto. Tem esta pedra uma cor atijolada, porém não igual, por isso lhe chamam os antiquários "vermelho antigo."


O conde de Raezyuski, na sua importante obra Les arts en Portugal, faz a devida comemoração d'este monumento de arquitectura manuelina.

Noutro artigo havemos de referir algumas particularidade d'este convento, tiradas do citado manuscrito da madre Leonor.

Continua aqui, em Antikuices


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