quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

História: Genealogia de Bocage



História

Genealogia de Bocage



É Bocage poeta tão geralmente conhecido e sabido, que por de mais tôra quanto aqui dissemos a respeito d'elle. 


Não assim a sua genealogia, que só ha poucos ânnos foi escrupulosamente apurada pelos srs. Castilhos na Livraria Classica, obra já rara e que bem merece ser reimpressa e continuada. 


D'ella tomámos os seguintes periodos, acrescentando que a casa onde nasceu este nosso grande poeta, e se representa na gravura, é a que tem os numeros 17 e 18 da rua de S. Domingos, freguezia de S. Sebastião, da cidade de Setubal. 


Nasceu Manuel Maria Barbosa du Bocage (Elma no Sadino foi seu nome pastoril) aos 15 de setembro de 1765 na villa de Setubal. 


Eram seu pae e sua mãe familiares com as musas e já no trato domestico, já nas liiterarias palestras, delicias dos seus progenitores, ia o joven Manuel colhendo inspirações, desenvolvendo a intelligencia precoce, alimentando o fogo que desde os mais tenros annos o devorava, e supprindo, com o natural ardor, o que devia escacear n'uma educação em terra onde os meios de instrucção eram defeituosos e parcos. 


Na cidade de Cherburgo (Normandia) viveu, pelos fins do seculo XVII, um abastado e distincto proprietario, por nome Antonio Le Doux (outros escrevem l'Hédois) du Bocage, casado com a dama Catharina Cosma. D' este consorcio proveiu o tronco dos Bocages em Portugal. 


Gil Le Doux du Bocage, baptisado na freguezia de Santa Maria Maior, em Cherburgo, abraçou a vida de mar, passando em 1704, ao serviço da marinha portugueza, no posto de capitão de mar e guerra, do qual em 1717, foi promovido ao de coronel de mar e guerra (vice almirante). Cavalheiro de vasto saber, exemplar denodo e pericia militar, foi tido por um dos mais habeis officiaes da armada. Por sua distincção nas guerras do Mediterraneo contra os Barbarescos, e do Brasil contra os Francezes, alcançou 10$000 réis mensaes de tença, e o habito de Christo; e por novos relevantes serviços, lhe fez el-rei a mercê da tença annual de 400$000 réis por tres vidas, como consta da certidão passada na secretaria do despacho das merces e expediente, assignada por Jeronimo Godinho de Niza, aos 4 de novembro de 1827. Recebeu-se com D. Clara Francisca Lestof, aos 13 de junho de 1720, na freguezia da Encarnação de Lisboa, levando a procuração da noiva seu padrasto, o coronel de artilheria da praça de Setubal, João Thomaz Correa de Brito. Era esta senhora filha de Leonardo Lestof, consul de Hollanda, rico proprietario, e de sua segunda mulher, Luiza Vanzeller. Nascerim d'este matrimonio duas filhas: 


1.ª D. Antonia Ignacia Xavier Lestof du Bocage, deixou cinco filhos de que não ha razão para tratarmos mais miudamente. 
2.ª D. Marianna Joaquina Xavier Lestof du Bocage. Casou com o bacharel José Luiz Soares de Barbosa, que foi juiz de fora da Castanheira e Povos, e ouvidor na comarca de Beja: verilicou-se a ceremonia na freguezia de S. Sebastião de Setubal, aos 6 de junho de 1758. Tiveram seis filhos a saber: 


1.º Gil Francisco Barbosa du Bucage, nascido em Setubal, a 3 de outubro de 1762, casado com D. Gertrudes Homem da Cunha d'Essa, filha de um marechal de campo, governador da torre do Outão da barra de Setubal. Agradavel poeta, distincto jurisconsulto, e de facil e aprazivel convivencia. Falleceu aos 13 de maio de 1834 e só teve uma filha. 


2.º Manuel Maria Barbosa du Bocage, o nosso poeta, baptisado na freguezia de S. Sebastião de Setubal, sendo seus padrinhos Heitor Mendes Botelho de Moraes Sarmento, e soror Luiza Matbilde sua tia. 


3.ª D. Maria Agostinha Barbosa du Bocage nasceu em 14 de julho de 1759; foi baptisada na freguezia de S. Sebastião, em 28 de agosto; casou com Vicente de Paula Figueiredo de Goes Souto-Maior, tenente de infanteria 7, e teve dois filhos. 


4.ª D. Anna das Merces Barbosa du Bocage nasceu em 23 de setembro de 1760; baptisou-se na freguezia de S. Sebastião em 31 de outubro; casou com João do Prado Homem da Cunha d'Essa, cunhado de seu irmão Gil, matrimonio que produziu tres filhos. 


5.ª D. Maria Eugenia Barbosa du Bocage nasceu em Beja, em 8 de setembro de 1768; foi baptisada na freguezia de Santa Maria em 13 de outubro; falleceu na flor da edade. 


6.ª D Maria Francisca Barbosa du Bocage, nascida em Setubal, em 13 de abril de 1771, baptisada na freguezia de Santa Maria da Graça, em 2 de junho, fallecida no primeiro estado, aos 18 de maio de 1841, em casa da marqueza d'Alorna, foi tambem poetiza, e a irmã predilecta do nosso auctor. Viveu em sua companhia até se elle finar, e toda se desentranhou em affecto, pagando-lhe em saudosas lagrimas, até que o foi procurar em melhor mundo o seu tributo de fraterna gratidão. 


Era, por affinidade, segunda tia materna d'este poeta, a celebre Marianna Lepage, mulher de Fiquet du Bucage, que só tres annos antes de Manuel Maria falleceu, de idade de 92; auctora de um poema laureado sobre as Sciencias e as Lettras; traductora da Morte d'Abel, de Gessner; imitadora do Paraiso Perdido, de Milton; e coroada de louros em Ferney, pelas mãos de Voltaire, depois do seu poema da Columbiada, cujo 1º canto seu sobrinho verteu em portuguez; franceza Sapho, como a denominavam, e sob cujo retrato os seus conterraneos inscreveram: Forma Venus, arte Minerva


Existindo ainda muitos parentes do poeta, ocioso nos parece progredirmos n' estas indicações, para as não convertermos n' uma arvore genealogica. 


Portanto, dos dois appellidos de que estes irmãos usavam, o de Barbosa pertencia ao pae, e do ramo materno lhes veiu o de Bocage; nomes e familias que já de si ligavam ambos talento. 


Tirava Bocage jactancia do seu nascimento, e honrava- se com o fulgor dos seus passados. N'um idyllio, exclama elle a sua Lenia, de Macau: 


Pergunta a quantos vem do Tejo e Sado, 
Se alli me condemnou vil nascimento 
A este, em que mourejo, humilde estado. 

Sempre entre os mais honrados tive assento: 
Venho dos principaes da minha aldea... 
Nem cuides que vãs fabulas invento! 


ARCHIVO PITTORESCO SEMANÁRIO ILLUSTRADO 3º ANNO 1860

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