sábado, 29 de janeiro de 2011

História: Palácio de S. Bento, Lisboa (imagem de 1860)






História


Lisboa, 1860




Os monges beneditinos que tantos conventos haviam edificado nas provincias de Portugal, desde o começo da monarquia, mormente na do Minho, não tiveram casa na capital senão no tempo del rei D. Sebastião. 


Sendo abade geral e reformador da ordem fr. Pedro de Chaves, propoz este ao cardeal infante D. Henrique, então regente do reino, a fundação de um mosteiro de S. Bento em Lisboa. Havido o necessario praz-me, escolheu o abade uma quinta, com casa de habitação, que havia no sitio que hoje chamámos largo da Estrela. 


Concorreu o cardeal para a ajuda da compra, abraçando o frade quando viu o sitio por ele escolhido. 


Em dois anos se fez a igreja e acomodações para trinta monges; celebrando se n'ella a primeira missa na noite do Natal de 1573. 


Esta foi a primeira casa conventual dos beneditinos, até que em 1597 resolveram, em capitulo geral, fundar outro convento mais proximo á cidade, em sitio menos levantado, e por isso menos exposto aos ventos que tanto acometiam o da Estrela


Eis aqui a historia da nova edificação, tal como no-la refere um manuscrito de 1704: 


«Vinte e cinco anos depois de haverem os religiosos de S. Bento fundado a sua primeira casa em Lisboa, satisfeitos do sitio da cidade, e obrigados da benevolencia dos moradores, d'ella trataram de pôr em obra a resolução que haviam tomado, em uma congregação geral, de edificar outro convento mais proximo á cidade, e menos exposto aos ventos que tanto combatiam o sitio do primeiro, chamado hoje de Nossa Senhora da Estrela. E ainda que a mudança não foi para logar mui distante do primeiro, foi com tudo para sitio muito avantajado nas qualidades que n'elle acharam, porque, por uma parte, se pôde dizer está fora da cidade, e por isso entre os limites que requer a profissão da vida monacal; e por outra, como fica mui próximo á cidade, parece estar dentro d'ella, e por isso, sem muito trabalho, podem os moradores chegar á igreja, e buscar os padres do convento. 


Tem de mais o sitio ser muito acomodado para nele se lograr boa saúde, e com ela a recreação da boa vista que tem sobre a cidade, rio e porto, gozando o prospecto das muitas naus que no dito porto entram e d'elle saem. E ficando, como esta dito, o convento mui vizinho da cidade, possui uma cerca tão larga como poderá ser se estivesse mui distante dela; fazendo mais estimável esta cerca ter uma fonte de agua, que se deriva, sem muito custo, a prover o convento, circunstância que se não acha em muitos de Lisboa. 


Pagos, com muita razão, os religiosos das boas conveniências que tinham achado para a fabrica do novo convento, buscaram arquitecto que lhes delineasse o edifício, com tanto acerto que não houvesse ocasião, depois de começada a obra, de se conhecerem erros na traça d'elle. Os que dão principio a grandes fabricas, tem que agradecer muito á ventura o encontrarem architecto tal como foi em Lisboa, no século passado, o celebre Baltasar Álvares, de cuja ciência na arte dão bom testemunho muitas obras suas; bastando para o fazer digno de muito louvor o edifício de S. Bento, assim no que está feito como no que se vê desenhado para se fazer. 


Para superintendente desta obra, teve também o convento a boa sorte de ter um sujeito tão diligente e intelligente como foi o padre fr. Pedro Quaresma, o qual, sendo geral da congregação o reverendíssimo fr. Baltasar de Braga, deu principio á obra no ano de 1598. 


Para que nada faltasse ao frontispicio e entrada d'este convento, antes de chegar a ele, tem um mui suficiente recinto, capaz de dar lugar a muitas carruagens; recinto a que podemos chamar praça, porque é cercado de muro com duas portas, podendo ficar de noite fechadas; uma das quais olha para o frontispício da igreja, e a outra fica a um lado da frontaria, olhando para o sul. 


Caminhando para o pórtico se encontra alguma subida, que se vence com facilidade, por beneficio de alguns degraus que terminam em dois tabuleiros, e depois d'elles, com poucos mais degraus, se chega ao pavimento do pórtico da igreja, cuja frontaria se funda em seis grandes e firmes pilares de bem lavrada pedraria, onde assentam cinco formosos arcos, sobre os quais corre uma valente cimalha, e por cima d'ella, superior aos três arcos do meio, se vêem três nichos de pedraria, todos na mesma linha, e sobre o do meio tem logar o frontispicio, com uma tarja no fecho do arco; e no andar da volta dos arcos dos nichos há quatro óculos, pelos quais se comunica luz, assim ao coro como á igreja. Por cima dos outros dois, entre os quais ficam os três do meio correspondentes ás portas da igreja, há duas mui grandes janelas rasgadas, com avultadas grades de mármore branco, ás quais janelas guarnecem arcos de pedraria, que excedem na altura os arcos dos nichos, e as mais voltas dos arcos ocupam vidraças que dão claridade aos dormitórios. Pelos lados destas janelas se continuam pilares, que são os extremos do frontispicio da igreja, os quais se rematam em uma cimalha de pedraria, que corre não só sobre a frontaria da igreja, mas também pelos lados do frontispicio, em que se vêem de cada parte, nove janelas das celas mais estimadas dos religiosos do convento, pela vista que logram delas. 


Nos extremos da dita frontaria tem logar outra grandiosa janela semelhante á que dissemos ficar próxima ao coro; e ambas estão metidas entre dois grandes pilares, que formam os sólidos cunhais que seguram o edifício do convento, um dos quais fica á mão direita de quem quer entrar no pórtico; uma face olha para o terreiro, ou praça que está diante da igreja, e a outra olha para a casa do noviciado da Companhia. N'este cunhal dizem ter-se feito uma despesa extraordinária, de que foi causa não se achar firmeza no fundo, pelo que foi necessário ir buscá-la muito abaixo, até que, dando-se em agua, veio a fundar se o cunhal sobre grade de madeira; mas como a profundidade foi extraordinaria, seguiu-se ser também extraordinaria a despesa em encher, de pedra e cal, uma altura tão notável, com largura qual se requeria, tanto para a obra que se havia de fazer, como para n'ella poderem trabalhar os oficiais. Da outra parte foi muito menor a dificuldade e a despesa, por que se achou fundo accommodado para se fazer o alicerce. 


O frontispicio da igreja está ainda agora igual, com a mais obra da frontaria; mas se se levantara com as duas torres que havia de ter, conforme ao desenho com que se começou, seria sem duvida uma obra magnifica, e que acrescentaria muito a magestosa frontaria. Porque além das nove janelas, que ficam a cada lado do frontispicio da igreja, se vêem por baixo delas outros dois andares de janelas iguais ás de cima, que são grandes, e todas guarnecidas de pedraria, com o que vem a ficar três andares de janelas iguais, que acompanham o frontispicio, fazendo tudo um objecto majestoso, e mui agradável aos olhos que nele se empregam, dando facilmente a entender, pelo que vêem de fora, que não pôde deixar de ser grandioso o que se esconde no interior do convento.» 


Como este edificio foi respeitado pelo terremoto de 1755, que lhe não causou o mínimo estrago, a descrição de 1704 serve para agora, visto que o exterior se conserva ainda no mesmo estado. 


Só temos a acrescentar-lhe, que pela extinção das ordens religiosas foi este convento destinado para palácio das cortes, em 1834, arborizando-se parte do largo; e em 1852 se terraplanou, fazendo-lhe uma cortina, com dois majestosos lanços de escadaria de pedra, para a rua de S. Bento


Além das duas câmaras legislativas, estão no extincto mosteiro de S. Bento, o arquivo nacional ou Torre do Tombo, desde 1755, em que para ali foi mudado do castelo de S. Jorge; e a repartição dos trabalhos geodésicos e topográficos do reino. 




ARCHIVO PITTORESCO SEMANÁRIO ILLUSTRADO 3º ANNO 1860

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