História
Procissão do Ferrolho
Penha de França
Lisboa
Já advertimos, que por muitos votos religiosos e romarias populares, se podem determinar as epochas e os successos prosperos ou calamitosos da nossa terra.
O voto e procissão de que hoje fazemos memoria, como de coisa já extincta que é, marca a ultima peste geral, das que por tantas e tão repetidas vezes devastaram este reino.
Remonta aos fins do seculo XVI a origem da procissão da cidade, vulgarmente chamada do ferrolho, pelo motivo que adiante apontaremos.
Fallam superficialmente d esta procissão, D .Antonio Caetano de Sousa, no Agiologio Lusitano; Carvalho, na Chorographia Portugueza; Agostinho de Santa Maria, no Sanctuario Mariano; João Baptista de Castro, no Mappa de Portugal. Mais por menor a conta o auctor anonymo, jesuita do collegio de S. Francisco Xavier d'esta capital, no volume manuscripto que se conserva na bibliotheca nacional de Lisboa. Porém, onde vem historiada compridamente, é n'um livro bem pouco conhecido, com o titulo de Aguia da Penha, publicado por fr. Carlos de Mello, prior do convento da Penha de França, em 1707, o qual diz que na livraria d'aquelle convento foram achados, sem titulo e sem auctor, os dezenove capitulos que aqui vão bem e fielmente copiados, escriptos em letra antiga de mão, encadernados em pergaminho, com a mesma phrase e orthographia que ha cento e tantos annos se usava, porque na era de 1578 teve principio a imagem de Nossa Senhora da Penha de França, como consta do segundo capitulo; e pouco depois, como n' elle se vê, é que o religioso escreveu esta obra, como se infere de dizer que, quando a escreveu, ainda era vivo Antonio Simões, auctor da imagem.
Deste livro, pois, e do manuscripto da bibliotheca publica, resumiremos a lenda da procissão do ferrolho.
«Antonio Simões, official doirador, que ainda hoje vive (1615), natural e morador n' esta cidade de Lisboa, passou com el-rei D. Sebastião á Africa n' aquellà desastrada jornada que a ella fez no anno de 1578. E vendo-se na batalha de Alcacer no grande perigo em que geralmente todos estavam, por escaparem poucos de mortos ou captivos, como é notorio, e cada um experimentou em sua casa, na de amigos, visinhos e parentes; prometteu a Nossa Senhora, que se o livrasse do apertado perigo em que se via, vindo á sua terra lhe havia de fazer nove imagens de invocações differentes. Acceitou-lhe a Senhora, parece, esta promessa, porque feita ella, sem saber o como, se viu livre do campo sem haver quem lh'o impedisse, e d'alli veiu em paz e em salvo a esta cidade.
Reconhecido elle da mercê que Deus lhe fizera por intercessão de sua Mãe Santissima, a quem se encommendára, começou logo a dar á execução seu voto (que os que se fazem a Deus e aos seus santos quer elle se cumpram, e de necessidade se hão de pôr em effeito), e assim lhe fez sete imagens de differentes invocações.
Querendo fazer a oitava, reparou na invocação que lhe poria, e n'este cuidado e pensamento andou vacillando muito tempo, andando em todo elle perplexo, confuso, cuidadoso e mui desconsolado juntamente, por não poder acabar de resolver-se; dava grande pena o não lhe occorrer nova invocação esta oitava imagem (que não lhe queria pôr nenhuma das communs e ordinarias). Andando, porém, assim n'esta consideração pia, houve por bem a Senhora da Penha de França de o tirar do grande cuidado e desconsolação em que o tinha posto.
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