sábado, 22 de janeiro de 2011

História: Santo António de Lisboa, 1860



História


SANTO ANTONIO DE LISBOA

Ainda não ha muitos annos, que em todas as tendas e tabernas de Lisboa, se via um nicho com a imagem d'este popularissimo santo, no topo ou remate da armação d'estas lojas. E no seu dia, todas estas casas de venda se transformavam em outras tantas egrejinhas, porque o nicho se espaldava de damasco vermelho, enfloravam-no, e era alluiniado com muitas velas.

Não tinham nossos passados por irreverencia, estar um santo, canonisado para se adorar nos altares, mettido entre cabeças d' alho, molhos de cebola, presuntos e chouriços; por cima de pipas e cangirões, tendo por incenso a fumaça das frigideiras de peixe e dos assadores de castanha. A boa policia da cidade foi a pouco e pouco supprimindo essa nicharada, de que nossos filhos só terão conhecimento pela tradição.

O rapazio tambem povoava as ruas e portas de escadas, de thronos de Santo Antonio, fazendo um importuno peditorio aos viandantes, para a cera do seu santo. Váe-se tambem extinguindo este uso, que de todo se deve extirpar, para que a infancia não se habitue a ser pedinte.

Toda a noite de Santo Antonio ardiam pelas ruas e praças da cidade innumeraveis fogueiras, que se alimentavam principalmente de barris e cabeças de alcatrão, a cujas chammas queimavam os namorados as sibylíinas alcachofras, e era tambem da praxe e folia d'esta noite, saltarem- se as fogueiras, para augmentar a galhofa dos espectadores com o chamusco dos que não as sabiam saltar com ligeireza.

Outra diversão muito do gosto publico, era a foguetada, as bombas, buscapés e mais fogo solto que estalava continuamente, sem deixar pregar olho aos que não tinham já que esperar do relento d' esta milagrosa noite.
Tudo isto, fogueiras e fogo de polvora, probibiu a camara com receio de algum incendio ou desastre.
Hoje só resta em Lisboa, como reflexo da tão alegre e festiva noite de Santo Antonio, o arraial da praça da Figueira, onde a fruta nova apparece em palmitos e capellas, como virgem que está ainda, quasi toda do dente do homem, que não do bico os passaros.

Para a praça da Figueira se dirige durante a noite, e mais ainda de madrugada, grande parte da povoação, por ser esta a unica amostra que a civilisação lhe deixou das festas antigas; miniatura do grande panorama de fogueiras, danças, musicas e cantares, que por toda a cidade se cruzavam outrora.

Ainda este anno esteve a Praça cheia toda a noite, e o Rocio tambem, girando por alli muitos grupos de tocadores e trovadores populares, com grande sequito de ouvintes.

A popularidade de Santo Antonio, em Portugal, não lhe vem tanto de ser casamenteiro e deparador de coisas perdidas, como de ser portuguez. Nasceu em 1195, n'umas casas junto á sé de Lisboa, sitio onde está hoje a sua egreja. Aos 15 annos de idade tomou o habito dos conegos regrantes em S Vicente de Fóra, e d'ahi a dez annos passou se para a ordem dos franciscanos, entrando no convento dos Olivaes junto a Coimbra. Depois saiu de Portugal para a Africa em missão apostolica, mas um temporal o lançou nas costas de Italia, fallecendo em Padua a 13 de junho de 1231, tendo apenas 36 annos de idade. No seguinte foi logo canonisado pelo papa Gregorio IX, reinando em Portugal D. Sancho II.

Deixou muitos sermões, e um commentario da Biblia em latim.

Sobre a era da fundação da sua egreja junto á sé, no sitio onde nascêra, publicou o douto antiquario, e estudioso academico, o sr. dr. Levy, uma excellente noticia, no relatorio que fez á camara municipal, de que foi vereador em 1856.

Alli se prova que no reinado de D Affonso V já existia a egreja de Santo Antonio, porque voltando este monarcha da conquista de Tanger, de lá trouxera umas portas de bronze de certa mesquita, que deu para este templo. D. João II, querendo que o santo portuguez tivesse casa mais sumptuosa, e não lh'a tendo podido fazer durante o seu inquieto reinado, dispoz em testamento (1495), que no mesmo logar e sitio onde nascêra Santo Antonio, se construisse um templo, consignando para esse fim 1000 justos de ouro (600$000 rs. da nossa moeda actual).

El rei D. Manuel, seu successor, e encarregado da execução do testamento, não só cumpriu a vontade de D. João II, mas poz muito de seu cabedal para que a obra ficasse grandiosa. A cidade tambem concorreu para esta edificação, e por isso em casa mistica ao templo fez paço do conselho, e ahi esteve a camara municipal de Lisboa, depois senado, desde o tempo d-el rei D. Manuel até D. José.

Faziam-se á real casa de Santo Antonio da Sé muitas esmolas, e no tempo de D. João III se calcularam n'um conto de rs. por anno. Antes do terremoto tinha de rendimento oito contos; e as alfaias e prata que n'essa calamidade consumiu o fogo, valiam trinta e seis contos de rs. Só a imagem do santo ficou salva, e ainda hoje se conserva no altar mór.

O illustrado presidente da vereação passada, o sabio lente de chimica da eschola polytechnica, em vez de sustentar tanto menino do coro, como d'antes havia, com as sobras do custeamento d'este sanctuario (que ainda gasta annualmente 3 500$000 réis), instituiu uma eschola de instrucção primaria pelo methodo portuguez de Castilho, que nos dizem estar muito bem organisada e regida.


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