sábado, 22 de janeiro de 2011

Literatura: Tirante el Blanco


Livros

TIRANTE EL BLANCO

Noticia critica deste rarissimo livro de cavallaria

Tirante el Blanco chamou-se assim por seu pae, que era senhor da marca de Tirania, e por sua mãe Blanca, filha do duque de Bretanha.

No titulo de sua historia castelhana, impressa em Valhadolid, anno 1511, por Diogo de Gudiel, chama se El esforzado e invencible caballero Tirante el Blanco de Roca Salada, Caballero de la Garrotera, el qual por su alta caballeria alcanzô á ser Principe y Cesar del Imperio de Grecia. Anteriormente tinha sido impressa a mesma historia na lingua lemosina em Valença no anno de 1490, da qual na um exemplar, o unico que se conhece, na bibliotheca da Sapiencia em Roma, onde a vira e sobre a qual escrevêra uma noticia o padre agostiniano frei Isidro Hurtado, a qual copia o padre Mendes na sua Typographia Hespanhola, que tambem dá noticia de outra edição em lemosino, feita em Barcelona no anno de 1497, da qual era o exemplar da bibliotheca do Porto, de que tanto tem fallado os jornaes ultimamente.

Da edição castelhana traduziu-a para italiano Lelio Manfredi, e publicou-se por primeira vez em 1538, por segunda em 1566, Veneza, e por terceira em 1611 sem logar de impressão. Ximeno no appendix ao tomo 2º da sua Bibliotheca de Escriptores Valencianos faz menção de uma traducção franceza, anterior á que fez e publicou em 1740, o conde de Cailus, que não conhecendo as edições lemosinas, suppõe o original castelhano, suspeitando, comtudo, que o auctor seria valenciano, por um elogio de Valença, e tres prophecias relativas a esta cidade, que na obra vem inseridas.

As edições lemosinas são raras, e por tal modo rarissima a hespanhola, que nem N. Antonio, nem o seu continuador Bayer, nem Pellicer, tão diligentes bibliographos, conseguiram vêl-a. Tambem confessa não a ter visto Clemencin, o erudito commentador de D. Quixote.

Quem fôra o auctor da historia de Tirante el Blanco, e qual a lingua em que originalmente fôra escripta, são pontos controversos, e ainda por decidir entre os raros amadores d' este genero de litteratura, que Miguel de Cervantes matou de morte natural para sempre. Que João Martorell, cavalheiro valenciano, foi auctor do Tirante lemosino, e que o dedicou a D. Fernando de Portugal, filho do infante D. Affonso, primeiro duque de Bragança, não ha duvida. A obra começou- a no mez de janeiro de 1460, segundo diz na dedicatoria; na mesma acrescenta, que o original estava em inglez, e que a traduzira para portuguez a rogos do principe, e depois ao valenciano, para que seus patricios a podessem gozar. No fim da historia ha uma nota, segundo a qual, tendo fallecido Martorell sem traduzir mais do que as tres primeiras partes, tinha traduzido a quarta e ultima Mosen João de Galba a instancias da nobre senhora D. Isabel de Loriz, e que se acabara de imprimir no mez de novembro de 1490.

Se o livro de Tirante foi realmente inglez na sua origem, e veiu depois pelos tramites indicados a ser valenciano (lemosino), ou se foi invenção de Martorell para dar maior valor e estimação á sua historia, por este meio, que depois repetiram outros muitos auctores de livros de cavallaria, assumpto é impossivel de averiguar por ora. Tambem não se póde saber se a traducção da quarta parte se fez com pouco ou muito intervallo das primeiras. Nem do Tirante inglez nem do portuguez restam outras noticias, mais que as precedentes. Como quer que seja, tendo consideração á similhança que existe entre o estilo e composição da quarta parte com as tres primeiras, verosimil é que todas fossem originariamente da mesma mão; e como a traducção de Galvá se fez, segundo parece, do portuguez, póde acreditar-se que o Tirante existiu completo n'esta lingua, e que d' ella se fez a traducção castelhana (ignora-se por quem) que por primeira e unica vez se publicou em Valhadolid em 1511. Pellicer, pelo facto de Martorell chamar traducção á sua obra, suppoz que o original havia de ser por força hespanhol, como se a traducção não podesse fazer-se de outra lingua!

Falla-se na historia de Tirante do uso da artilheria das ilhas Canarias, da ordem da jarreteira; os trajos, armas, festas, costumes e usos que descreve, pertencem já ao seculo XV; a maneira porque falla dos genovezes é propria de um subdito da coroa de Aragão n' aquella epocha; e além de muitas outras personagens fabulosas, como Artús, Lançarote, Flores e Branca-flor, faz menção tambem de Urganda la desconocida, o que nos persuade ser composta depois do Amadis de Gaula.

Do que fica dito, conjecturámos verosimil que João Martorell fôra mui acceito e favorecido de D. Fernando de Portugal, e que, conhecendo a inclinação e gosto d' este principe ás historias de cavallaria, quiz mimoseal-o com a do Tirante el Blanco, talvez escripta em competencia com a de Amadis de Gaula, cujo original se guardava, com muito appreço na casa de D. Fernando.
Martorell, na dedicatoria, falla da sua permanencia por algum tempo em ínglaterra, e das adversidades que tinha experimentado da fortuna, adversidades que poderam ser occasião do favor d' aquelle generoso principe. Em seu obsequio, agradecido, escreveria a obra em portuguez, e depois quiz o proprio auctor traduzil-a em lemosino, para que d'ella gozassem seus patricios, como elle mesmo diz: "perço que la nació don yo so natural, sen poxa alegrar"; e não tendo concluido a versão, por sua morte, a continuou, então, ou annos depois, Mosen Juan de Galvá. Explica-se assim, naturalmente, a predilecção que mostra o auctor do Tirante a Valença, suas relações de amizade com o principe D. Fernando, e o motivo de escrever e traduzir a historia.

De todos estes antecedentes se deduz, que assim como é duvidoso que existisse o livro de Tirante em inglez, assim tambem é seguro que existiu o portuguez, e que se escreveu n'esta lingua pelos annos e 1460; porém depois perdeu- se absolutamente, sem que haja memoria ou noticia da sua actual existencia. Exemplo que junto aos de Amadis de Gaula e Palmeirim de Oliva, poderá dar peso á conjectura de que, feitas e publicadas as traducções castelhanas, a extensão e popularidade europêa que esta lingua gozava no seculo XVI, fez que se es quecessem os textos portuguezes, e deu logar á sua perda, sem que de novo fossem dados á estampa.

A comparação exacta, minuciosa e detida das duas edições, lemosina e castelhana, prestariam provavelmente occasião para se fazerem muitas observações, e dar maior extensão a estas noticias litterarias do livro de Tirante el Blanco, do qual talvez hajamos de fazer um esboço do seu enredo, e da conta em que é tido pelos auctores que d'elle fallam.

Setubal 31 do maio

G.P.

ARCHIVO PITTORESCO SEMANÁRIO ILLUSTRADO 3º ANNO 1860


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