sábado, 12 de fevereiro de 2011

História da cidade de Viseu


História

Viseu



A cidade de Viseu

Acha-se esta cidade no coração da província da Beira Alta, da qual é capital. Tem por assento um terreno elevado mas plano a oeste da serra da Estrela. Forma um triângulo com as cidades da Guarda e de Lamego, distando da primeira onze léguas para oeste, e nove da segunda para o sul. Treze léguas para este fica a cidade de Coimbra. Corre o rio Vouga a meia légua dos seus muros, para a parte do norte; e a quase igual distancia, para o lado do sul passa o Mondego.


A muita antiguidade de Viseu tem dado ocasião a misturarem se com a sua historia tantas fábulas e incertezas, que não há atinar com a verdade.

Proximo de Viseu, em logar baixo, existiu uma cidade da antiga Lusitânia, na qual dizem, que fazia a sua principal residencia o grande capitão Viriato, terror das legiões romanas. A opinião mais geralmente seguida dá a esta cidade o nome de Vacca, e refere, que assassinado Viriato, por traição dos seus e por industria dos romanos, estes assenhorearam-se com facilidade de toda a Lusitânia, e mudaram a cidade de Vacca que se achava em ruínas para o sitio em que vemos Viseu, onde começaram por edificar uma fortaleza da qual permanecem duas torres. É objecto de muitas duvidas o nome que lhe pozeram na trasladação. Querem uns que continuasse a chamar se Vacca; outros Verurium e outros ainda Vico Aquario, ou Viso.

Deixando os antiquários discorrendo e enredando- se n'este escuro labyrintho, começaremos a historia de Viseu em tempos menos remotos e de que há noticias mais positivas.

Esses tempos a que aludimos, são os seculos V e VI da era cristã, em que a cidade de Viseu, sob o domínio dos reis suevos já desfrutava as prerogativas de sede episcopal suffraganea do arcebispado de Braga. Parece que então se chamava Viso. No século x era este o seu nome, o que consta do escrituras autenticas do ano de 925, nas quais figuram como senhores da cidade Huffo Huffes e D. Tareja. D'aquelle nome, pois, se derivou o actual.

Na invasão dos árabes teve esta cidade a sorte de quase toda a península, recebendo a lei dos agarenos.

Todavia não gozaram os invasores por muitos anos a posse pacifica d' esta sua conquista. Os Reis das Astúrias e de Leão não tardaram a disputar-lha. N'essa prolongada luta, cinco vezes foi presa dos infiéis. No primeiro quartel do século X teve ahi a sua corte D. Ordonho I rei, de Leão. Depois, em 982, tornou ao poder dos moiros capitaneados pelo terrível Almansor.

No ano de 1027 pretendeu recupera-la el rei de Leão D. Afonso V, e veio pôr-lhe cerco á frente de um poderoso exercito. Morrendo porem este soberano de um tiro de seta disparado das muralhas, malogrou-se a empresa. Passados poucos anos, seu genro, el rei D. Fernando o Magno, resgatou e firmou para sempre na fé cristã a cidade de Viseu, em 28 de Junho de 1038, e expulsou os sarracenos de todo o paiz compreendido entre o Douro e o Mondego.

Nesta guerra ficou a cidade tão arruinada e despovoada que, resolveu el rei D. Fernando transferi-la para outro sitio. Dizem que se dera principio á nova povoação na cava de Viriato, assento da antiga Vacca, cujo nome aquele soberano pretendia também fazer reviver. Mas isto não passou de uma tentativa, Viseu foi reedificada e povoada de novo, permanecendo no mesmo local.

Entrou esta cidade no domínio do conde D. Henrique e da rainha D. Thereza nos fins do século XI. Esta soberana, sendo já viúva, habitou por vezes nela e lhe deu foral em 1125, cujo autographo se conserva ainda no archivo da câmara.

El rei D. Afonso Henriques concedeu-lhe novo foral que foi confirmado por seu filho D. Sancho I no ano de 1187.

Durante o tempo em que reinaram os nossos Reis da dinastia Affonsina, não se passou em Viseu acontecimento algum digno do memoria. Á sua situação, afastada da fronteira, deveu ver-se livre das devastações da guerra em toda essa porfiosa luta que a monarchia novel sustentou contra os moiros.

Esta circunstancia foi causa sem duvida de que se descurasse a conservação das antigas muralhas, que danificadas por ocasião da tomada da cidade por el rei D. Fernando o Magno, por tal forma se foram arruinando que nos fins do século XIV estavam inteiramente derrocadas. D'isto resultou uma grande desgraça para Viseu.

Derrotadas as tropas castelhanas na batalha d' Aljubarrota, no dia 14 d Agosto de 1385, as relíquias d'este exercito, na sua fuga para Castela, dirigiram-se pela Beira, e foram cair sobre Viseu sequiosas de rapina e de vingança. A cidade, aberta por todos os lados, facilmente foi tomada, e em seguida saqueada, e incendiada, sendo passados á espada os seus míseros habitantes.

O inimigo foi expiar as atrocidades ali commettidas diante dos muros de Trancoso, onde Gonçalo Vasques Coutinho, governador do castelo d'esta vila, com a gente que pôde reunir, e D. João Fernandes Pacheco, senhor de Ferreira, o combateram e desbarataram, fazendo grande numero de prisioneiros, e apoderando-se de toda a bagagem que levava.

A cidade de Viseu ficou porém n'um estado lastimoso. Foram imensas as perdas ocasionadas pelo incêndio, e pela carnificina.

Segundo o nosso antigo rifão: casa roubada trancas na porta; pensou- se desde logo em fortificar a cidade. Essa questão foi tratada em cortes; el-rei D João I deu lhe impulso os habitantes da cidade e dos subúrbios concorreram para a obra; e traçou-se uma cerca de muros mais larga que a primeira. Não chegaram todavia a crescer acima dos alicerces. Feita a paz com a Espanha, esquecido o passado, e descuidado o futuro, parou a obra.

Nas cortes celebradas cm Lisboa no ano de 1439 requereram aqueles povos o prosseguimento das obras da cerca, o que só conseguiram no reinado de D. Afonso V, concluindo se as muralhas em 1472.

Reuniram-se cortes em Viseu, reinando D João I, no anno de 1391, e no de 1419. De ambas existem documentos authenticos, embora não fizessem menção delas alguns autores, que escreveram acerca daquele reinado.

O mesmo rei D João I elevou Viseu á categoria de cabeça de ducado em favor de seu filho o infante D. Henrique, esse príncipe magnânimo, que abriu o caminho e deu vigoroso impulso aos gloriosos descobrimentos dos portugueses.

Por morte do infante D. Henrique sucedeu no ducado e senhorio de Viseu seu sobrinho, o infante D. Fernando filho d'el rei D. Duarte, e irmão del rei D. Afonso V, que lhe fez a mercê. Foi terceiro e ultimo duque de Viseu, D. Diogo, filho primogénito do dito infante D. Fernando. Sendo assassinado D. Diogo em Setúbal pelas próprias mãos del rei D. João II, seu primo e cunhado, pelo achar cúmplice em uma conspiração contra a sua vida, foi extinto o ducado de Viseu, creando se o de Beja para D. Manuel, irmão e sucessor de D. Diogo e rei de Portugal depois do falecimento de D. João II.

Apesar de todos os contratempos foi crescendo a cidade, graças á fecundidade do solo, que a cerca, de sorte que no reinado de D. João III tinha se estendido por fora das muralhas, contando ahi mais população que no recinto dos muros.

As desditas publicas desde a perda del rei D. Sebastião até ao fim da usurpação de Castela, e depois a luta da restauração do reino, actuaram sinistramente sobre a prosperidade de Viseu, ainda que pela sua situação foi das terras que menos padeceu dos efeitos da guerra.

Melhorou a sua sorte nos reinados de D João V, de D. José, e no começo do de D. Maria I, por diversas causas gerais, mas sobretudo pela maior facilidade das comunicações, pois que naquela época se restauraram ou construiram de novo as estradas principais do paiz.

Com os tristes resultados das invasões francesas, da partida da família real para o Brasil, e das nossas revoluções politicas, ficaram as estradas em abandono, e ao passo que se iam arruinando, caiam em decadência as povoações do interior. Viseu chegou a estar quase incommunicavel com os grandes centros de industria do reino. Entretanto os males provenientes de similhante isolação tem- lhe sido contra balançados pelas vantagens, que lhe resultam de ser capital de distrito, e de uma divisão militar, e de ter uma feira anual, que é a mais importante de todo o nosso paiz, e que sempre tem sido mui concorrida, apesar dos incommodos da viação. Felizmente esta cidade está quase entrada em melhores condições económicas. Em breve estará ligada por excelentes estradas a Coimbra, Porto, Lisboa, e outras grandes povoações.

Viseu tinha voto em cortes no velho regímen, com assento no segundo banco. É seu alcaide mor o senhor marquez das Minas, como herdeiro e representante dos antigos alcaides mores Silveiras, ramo da família dos condes de Sarzedas.

O brasão d'armas de Viseu compõe se de um escudo coroado, e nele um castelo de prata, em campo azul e banhado por um rio. Tem de um lado do castelo a figura de um homem em trajos de peregrino, tocando uma bozina e do outro lado um pinheiro. Achamo-lo ainda descrito por outro modo, consistindo a diferença em se achar sobre as ameias do castelo o homem que toca a bozina.

A lenda, que deu origem a este brasão, cantou-a Garrett na sua lyra de oiro. Posto que se fez popular essa linda poesia, que o nosso grande poeta intitulou - Miragaia. (ver esta lenda em Ptnetwalkertv Historia de Viseu-parte II)

(...)

Usou a camara municipal deste brasão até 6 d' Agosto de 1796 em que arderam os seus Paços e a cadeia. Sendo necessário fazer um novo estandarte, e novo sinete, resolveu deixar o antigo brasão, adoptando o escudo das armas reais. Não sabemos o motivo da mudança; mas supomos que seria por se julgar fabulosa a lenda. Todavia se foi esta a razão, não a achamos boa, seja a lenda fábula ou historia. Em qualquer caso tinha o primeiro escudo em seu favor os respeitos da antiguidade, e a vantagem de ter a cidade um brasão propriamente seu.

A lenda pode ser fabulosa, e sê-lo-á talvez, em grande parte, mas não no todo. D. Ramiro II roubou a moira Zahara, irmã ou filha d' Alboazar, a qual se fez cristã, tomando no baptismo o nome de Artida ou Artiga. Repudiando a rainha D. Urraca, casou, segundo uns, ou viveu amancebado, segundo outros, com Zahara de quem teve um filho chamado D. Alboazar Ramires, que foi o primeiro fundador do mosteiro de Santo Tirso, cinco léguas acima da cidade do Porto.

Modernamente mandou a confraria da misericordia colocar o brasão antigo da cidade em um dos ângulos da frontaria do seu novo hospital.

(continua)


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