domingo, 20 de março de 2011

História: Os Templários (3ª parte)


OS TEMPLÁRIOS

3ª parte


A associação secreta dos templários apresentava as mesmas vantagens e inconvenientes do instituto de Pythagoras; não se pôde mesmo crer que a ser um instrumento de liberdade; mas n'um tempo em que o dogma sofocava o pensamento humano, n'um tempo em que a pressão ecclesiastica obstava ao desenvolvimento da sciencia, n'um tempo em que o principio de auctoridade supprimia o de discussão, a ordem dos cavaleiros do Templo, estendendo a espada sobre o oriente, e dando nos seus ritos secretos asylo aos deuses proscriptos, afirmava. a seu modo, o despertamento do espirito humano.


Fôra ignorância procurar, n'esses tempos remotos da historia, os elementos de opposição que então havia em França; fôra, sobre tudo, simplicidade procurar o espirito d'essa opposição nas formas que hoje servem a manifestal- a. As liberdades passam, como tudo, por uma successão de formações. Quando se estuda a embryologia humana, experimenta-se uma espécie de confusão, á vista do invólucro que o principio da liberdade moderna atravessou, e vae atravessando até ao termo das suas evoluções intra- uterinas. O mesmo é de todas as creações da historia e da humanidade.

Nos primeiros ensaios da liberdade religiosa, nas fórmulas grosseiras e supersticiosas que o trabalho da razão humana revestiu, nas línguas vivas que protegeram a discussão e o exame na edade media, é para o orgulho moderno cousa penivel descobrir o gérmen dos progressos que mais tarde trouxeram a reforma, o renascimento, a philosophia, e a revolução franceza.


As sociedades secretas são nos séculos ou nos logares de auctoridade, os tenebrosos laboratórios em que se completa a obra das transformações sociaes, philosophicas e religiosas; é muitas vezes no meio dos erros mais deshonrosos para a razão humana, entre sonhos pueris e ridículos, no meio das ruínas de todas as doutrinas mortas, que se forma na sombra o nó cada vez mais apertado das novidades que acabam por triumphar da resistência do dogma.

Mas tornemos ao processo dos templários. Olhemos para o quadro que estes infelizes não cessam de traçar dos seus sofrimentos nas memorias dirigidas aos juizes: «Prenderam a todos nós em França, deitaram-nos em ferros, fomos levados de imprevisto ao açougue como cordeiros, fomos atormentados por tal modo que uns são mortos, outros perderam a força e a saúde para sempre, outros, em fim, têm sido constrangidos a depor falsamente contra a ordem e contra si mesmos; tiraram-lhes assim até o mais precioso dos bens, o livre arbítrio». Depois coucluiam protestando a sua innocencia.


Em 1310 o arcebispo de Sens, Filippe de Merigni, reuniu em Paris um concilio provincial que durou quinze dias. Nelle julgaram os templários. Cincoenta e nove cavalleiros da ordem foram queimados em Paris no campo posterior á abbadia de Santo Antonio. Nos padres começavam pela degradação das ordens. Depois desenterraram os ossos de um celebre templário, João de Thur, e deitaram-nos ao fogo. A justiça de então estava tão raivosa contra os hereges, que os perseguia mesmo além do tumulo, e ainda achava que reprehender e punir quando, já se pronunciára a justiça divina.

Todos ao morrerem se retractavam das confissões que a violência dos tormentos, o jejum, a solidão, os intermináveis interrogatórios dos commissarios lhes haviam arrancado.


Em Vienna, sobre o Rhodano, houve outro concilio, a que assistiu o rei de França, á direita do papa, num throno um pouco mais baixo, O santo padre tomou para texto do seu discurso estas melancólicas palavras da escriptura: «Os impios não se tornarão a levantar do julgamento, nem os peccadores na assembleia dos justos.» Todo o mundo descobriu interiormente nesta sentença uma allusão aos templários.

Eis a sorte que talharam aos cavaleiros que viviam ainda: «Os que tiverem confessado seus erros, serão tratados com indulgência. Os impenitentes e relapsos serão tratados com rigor. Os que, mesmo depois da questão, tiverem persistido em negar que sejam culpados, serão postos de parte...» Mas, que podia já restar destes infelizes, mesmo depois da questão, isto é, depois de um systema de reclusão e angustias, que fazia de um homem acusado um andrajo ensanguentado?


Jacques de Molay, e tres outros principaes governantes da ordem, tinham sido reservados ao julgamento do papa. Clemente V designára, como já dissemos, commissarios para os sentenciarem. Comprehende-se sobejamente o que isto queria dizer. Na segunda feira 18 de março de 1314 se levantou um cadafalso no adro de Notre Dame. Sobre o tablado deste theatro de ignominia, ouviram os quatro chefes da ordem pronunciar em alta voz a sentença da justiça, que os condemnava a prisão perpetua. Proclamada a sentença, julgavam os juizes tudo concluído, quando um dos cardeaes que assistia a essa estranha ceremonia, pondo se a prégar ao povo, e a inspirar-lhe o horror dos herejes, moveu dois dos templários a reclamarem em alta voz contra o que dizia. Que admiração, que silencio em todos! Os dois cavalleiros protestaram contra a confissão que lhes attribuiam. Diante deste povo surprehendido, mudo, que ainda não comprehendia, sustentaram com firmeza que não eram culpados. Interdictos, furiosos, põem-nos os cardeaes nas mãos do preboste de Paris, que era presente para que delles désse conta no dia seguinte.

Entretanto o rei, que estava no paço, teve noticia deste incidente. Ou fosse temor das revelações que podiam sair da bocca daquelles infelizes, ou accesso de cólera por se ver enganado nos seus desígnios, fez ao anoitecer do mesmo dia conduzir os dois templários intratáveis a uma pequena ilha do Sena, que estava entre o jardim do rei e os eremitas de Santo Agostinho. Ahi foram queimados pelas chammas.


Os dois templários, um dos quaes era Jacques de Molay, soffreram o rigor deste supplicio, protestando até ao fim contra as confissões que lhes attribuiam. Com uma constância e firmeza que surprehendia os próprios assistentes, por pouco iniciados que fossem ainda na significação de taes successos, os dois principaes da ordem protestaram a sua innocencia até diante da morte. Sobre tudo o grão-mestre mostrou se superior a todos os tormentos. Alguns amigos, verdadeiros ou falsos, que rodeavam a fogueira, instavam com Jacques de Molay, que conservasse seus dias, e fizesse á justiça as confissões que ella pedia, confissões que não sendo livres, não compromettiam por nenhum modo a sua consciência, nem a honra da ordem. Molay abanou obstinadamente a cabeça: «Próximo a acabar, disse elle, não careço mais de uma vida, que é preciso comprar com uma mentira


Jacques de Molay e seu companheiro, irmão do delphim do Auvergne, morreram sepultando nas chammas o segredo da sua consciência, e a honra de uma ordem que tinham illustrado com a sua coragem.

Ao pé deste supplicio, entre a multidão, estava triste, em pé, terrível envolto na capa e no silencio, o florentino inimigo dos papas e da França papista, o homem recem chegado do inferno - Dante. Seguíra com olhos sobresaltados as principaes scenas deste horrível processo. Os tormentos de que tinha sido testimunha, a questão por muitas vezes ventilada diante delle, tinham ferido a sua imaginação por tal forma, que ella pôde conceber esse luxo de supplicios que mais tarde ostentou no seu inferno poético. Felizmente estava lá Dante, a vingança! Dante a posteridade! Dante a justiça dos séculos!

Conta-se que sobre a fogueira, já prêsa das chamas Jacques de Molay fôra tomado de espirito profetico, e exclamára com uma voz forte: «Clemente V, pontífice de Roma, eu te cito a compareceres no tribunal de Deus dentro de quarenta dias; e tu, Filipe, o bello, de França, no mesmo tribunal te espero dentro de um anno!»

O successo justificou a predicção. O rei, na edade de vinte e cinco annos, foi achado morto no próprio leito, numa quinta feira 7 de septembro. Foi por isso que chamaram a este príncipe o Atermado. Clemente V morreu também.

Citar para o tribunal de Deus; para o tribunal da justiça social e da historia; para o tribunal dos sucessos políticos; para o tribunal das revoluções, todos os poderes que maltratam o pensamento, e perseguem as leis; todos os homens, depositários da força, que accendem o fogo contra as doutrinas do futuro; e a eterna inspiração dos martyres da liberdade; é a sua força e a sua alegria no supplicio; é a sua superioridade sobre os carrascos, sobre os inquisidores, e sobre os reis.

Na noite immediata á morte de Molay e do seu companheiro, os restos dos seus ossos desappareceram como se fossem relíquias, e foram sepultados em logar santo. Tocante piedade da multidão, que por um admirável instincto, naquellas eras de ignorância, comprehendendo que a liberdade de consciência era violada na pessoa aos templários, recolhe seus despojos mortaes com secreto cuidado, e presta-lhes honras furtivas, já que os actos de devoção e rehabilitação posthuma precisavam então das trevas!

Entretanto os templários eram perseguidos a ferro e fogo em todo o reino. Nada se poupou para matar uma instituição que tinha tantas raizes no solo. Em França, em Hespanha, em Inglaterra, por toda a parte foi destruída a ordem dos templários.

A espada da milicia do Templo fôra a principio requestada e disputada pelo papa e pelos reis. Mas quando o poder religioso e o poder civil reconheceram que essa espada não pertencia, nem a um nem a outro, quando viram que trabalhava para si mesma; contrataram- se todos para quebral-a. Tal é a historia de todas as espadas que se crêem necessárias, e depois são combatidas por dois interesses rivaes.

A destruição da ordem dos templários, nas condições em que se efectuou, ficou sendo um dos maiores monumentos da ferocidade da justiça no XIV século. A inquisição poz nisso mão, e mão implacável. O que a egreja queria matar na existência desta ordem era o principio das instituições secretas; o que o poder secular queria abolir nella era uma sociedade que, pela sua riqueza, pelos seus estatutos, pela força da sua hierarchia independente da hierarchia civil e religiosa, chegára a constituir um estado no estado.

Pode dizer-se sem erro, que os templários consagraram a vida á independência, como a podiam comprehender no seu tempo. Na sua origem tinham sido instituídos para estabelecerem a primeira das liberdades entre os povos modernos, a que immortalisou Hercules, Theseu, Edipo - a liberdade de communicações por mar e terra.

Abrindo á christandade o caminho do oriente para a Terra Santa, essa pátria da fé; protegendo com armas a segurança dos peregrinos; libertando o tumulo daquelle que libertára o mundo; contribuiram a extender essa liberdade de locomoção, que é para as raças a conquista de liberdades civis e religiosas.

Nas suas relações com o oriente, berço dos conhecimentos humanos, é que se iniciaram no das associações secretas. Uma ideia mui remota parece ter presidido á fundação da ordem. Nos antigos misterios encontra-se sempre a humanidade designada debaixo da figura dum templo. Este templo eleva-se secularmente debaixo das mãos das gerações, que uma após outra contribuem a levantal-o. Os obreiros desta construcão eterna são em grupos, em series. Trabalham neste edificio vivo e imperecedouro, cujas pedras se renovam sem cessar. Pythagoras, querendo dar ideia da ordem que preside á distribuição das formas da matéria sobre o globo, tinha o costume de chamar Deus o grande architecto do universo. A humanidade, filha da creação, é chamada a repetir nas suas obras este poder archeologico da ideia universal. Organisa- se num principio de unidade; constroe-se dalgum modo a si mesma, eleva-se num templo magestoso, cujas proporções harmónicas, entre si, respondem pela grandeza da arte, ás proporções de Deus na natureza.

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