quinta-feira, 3 de março de 2011

História: Quando o Duque de Bragança matou a Duquesa por ciúmes







História

Quando o Duque de Bragança matou a Duquesa por ciúmes



O duque de Bragança D. Jaime era filho segundo genito do desditoso Fernando II, que jurídica mas ilegalmente sentenciado, foi decapitado em Évora aos 21 de Junho de 1483; a sentença proscreveu a Ínclita Casa de Bragança, e lhe confiscou todos os seus dilatados estados; a virtuosa duquesa viúva pôde a tempo fazer passar para Espanha seus tenros filhos, e entrega- los ao cuidado de sua tia, a rainha católica D. Isabel.

D. Filipe era o primogénito, e tinha oito anos quando aconteceu a fatal catástrofe de seu pai; D. Jaime contava apenas quatro, mas passados alguns aquele falece em Espanha, e não sem veementes suspeitas de ser morto com veneno, que também foi propinado a D. Jaime, talvez em menor quantidade.

A opinião pública nacional havia altamente desaprovado o procedimento de D. João II para com seu cunhado e primo, assim que pelo falecimento deste rei, aos 26 de Outubro de 1475, lhe sucedeu o duque de Beja, D. Manuel, depois cognominado o Afortunado, tendo apenas vinte e seis anos quando subiu ao trono; sua mãe a infanta D. Brites não tardou em lembrar-lhe o desterro de seus netos, que eram sobrinhos del  rei; fez-lhe ver que devia principiar seu reinado reparando a desgraça de seu próximo parente o duque D. Fernando, satisfazendo á equidade de rei, e ás obrigações da natureza; ao que el rei D. Manuel anuio chamando d'ahi a pouco seus sobrinhos para o reino, e restituindo-lhes todos os estados que haviam sido confiscados, o que efectuou em 1496, sem preceder outra justificação ou prova de direito, como acto da pura espontaneidade; de modo que o duque D. Jaime, seu irmão D. Dinis e seu tio D. Álvaro entraram em Elvas no 1º de maio, e daí partiram logo para Setúbal, aonde se achava elrei D. Manuel, que os foi receber em pessoa fora da vila, fazendo. lhes o melhor gazalhado.

Teria então 17 anos o duque D. Jaime; e como fosse crescendo em idade, e desejando elrei dar-lhe estado, contratou-o com D. Joana de Aragão, filha d elrei católico D. Fernando, o que mão teve efeito; mas antes dele já o duque de Medina Sidónia, D. João de Gusmão, trabalhava para casar sua filha D. Leonor com o duque, oferecendo-lhe ao mesmo tempo um considerável dote, o que veio a conseguir, celebrando-se os contractos em Lisboa aos 11 de Setembro de 1500, e em cuja aliança o duque de Medina Sidónia tinha a maior satisfação; mas sua filha D. Leonor era ainda de tenra idade, e por vontade de seu pai acabar de criar-se na companhia da duquesa de Bragança, sua sogra, até chegar á idade competente do matrimonio, cujo contracto foi tratado por ordem d'el rei D. Manel, da rainha D. Leonor sua irmã, da infanta D. Brites sua mãe, e da duquesa de Bragança D. Isabel sua irmã, e por elrei confirmado em 14 de Setembro do mesmo ano de 1506.

O duque D. Jaime contava então 21 anos, e com pouca satisfação sua acedeu a este contracto, em razão da pouca idade da noiva, sujeitando-se á determinação d'elrei e ao gosto da rainha D. Leonor sua tia, infanta sua avó, e de sua própria mãe, superando a vontade na obediência. Esta disposição cresceu, mesmo depois de com a duquesa se ajuntar  e dela haver filhos.

O duque tinha o temperamento melancólico, desgraçadamente muito azado para a paixão do ciúme; e instigado por alguma diabólica sugestão, deixava de dia em dia crescer sua indisposição contra a inocente e infeliz duquesa. Foi deste ciúme injusto motivo António Alcoforado, moço fidalgo de poucos anos, que serva na casa do duque, e para com o qual a duquesa mostrava alguma estima; começou este injusto ciúme por uma pequena circunstância; havia o duque dado a sua esposa algumas jóias, e uma destas deu ela a uma sua dama, que sem a duquesa o saber tinha amores com António Alcoforado; a dama deu aquela jóia ao amante, este a pôs no chapéu, e como o duque a visse e conhecesse, perguntou por ela á duquesa, que por lhe a ela parecer que o duque lhe levaria a mal o donativo que havia feito, respondeu dizendo que a tinha em seu poder; o duque, estimulado de ciume, exigiu que lha mostrasse e não ela, mostrando ela, ficou ele confirmado na temerária suspeita que havia concebido, e que de todo e agravou, ao ponto de se torvar como certeza, pelo que depois se seguiu.

Havia aquela dama facultado ao seu amante uma entrevista, por uma janela que do paço caia para o jardim, aonde se faziam obras, e estavam os muro abertos; os amantes resolverão aproveitar tão boa conjuntura, e foi escolhida a noite de 2 de Novembro, que, já ominosa, tinha de lhes ser fatal; é como o duque havia incumbido algumas pessoas de observar António Alcoforado, de dia e de noite, elas assim o fizeram; e logo que este entrou pela janela, foi Fernão Velho, veador da duquesa avisar o duque do que se passava; este correndo, ardendo em ciúme, e estimulado pela suposta ofensa da sua honra, colheu o ousado infeliz mancebo, e sem lhe dar mais tempo que o preciso para o fazer confessar pelo seu capelão Lopo Garcia, lhe mandou logo por um negro cortar a cabeça com um manchil da cozinha.

A duquesa estava perfeitamente ignorante do que sucedia, mas ouvindo tão grande ruído, passada de susto foi busca de seus filhos, e sobre a cama em que eles estavam a achou o duque; e vendo-a, voltou e mandou entrar capelão para a confessar; mas a duquesa possuída de sua inocência, segura em sua consciência, animosamente perguntou porque a queria matar!

Porque sois traidora, lhe respondeu o duque.

Nem eu o sou, nem jamais o foram meus avós, replicou a duquesa; e havendo-se com a constância da inocência, o duque quase se deixava convencer daquelas razões, bem como das persuasões do capelão, que afiançava a inocência da duquesa; porém como ele saísse do aposento desta, um criado por nome Pêro Vaz, o persuadiu a que voltasse, o que com efeito o duque fez, e com cinco feridas tirou a vida á infeliz e inocente duquesa.

Por muitas maneiras foi atestada a inocência da desditosa senhora, e o arrebatamento e precipitação do duque. D. Francisco de Melo, que narra este sucesso diz: "Dio muerte a su primera muger D. Leonor; ay fama que sin otro fundamento que su antojo. Dice se por cierto que Jayme participando en su mocedad del próprio bervaje, que tu mayor hermano D. Felipe, ya que no peligró de vida, adolesió de seso, cuyos intervalos le fueron contínuos, y a tiempos le oprimian, agora de súbita cólera, agora de indeterminable melancolia."

Refere fr. Jerónimo Roman, que elrei D. Manuel sentira este escandaloso procedimento do duque, e que o quisera mandar prender; e por isto se acautelou este, andando muito tempo retirado, e recatado com receio do rigor d' elrei, e ocultando-se em uma casa fortificada que tinha em Évora Monte.

El rei depois permitiu- lhe poder tratar do seu livramento, concedendo-se-lhe carta de seguro, e outra d'editos para citar as partes, que eram pessoas a quem a notificação se não podia de outro modo fazer; não consta porém que o pleito seguisse, ou se proferisse sentença. Foi também opinião vulgar que o duque reflectindo depois no caso, sentiu em extremo seu fatal excesso, e com tal arrependimento, que fazendo ásperas penitencias, pedia a Deus perdão de tamanhas culpas.

Os parentes da duquesa sentirão veementemente seu trágico passamento; e seu cunhado, D. Pedro Giron, duque d'Ossuna, mandou desafiar formalmente D. Jaime, ao que este respondeu, que não podia aceitar o desafio com um fidalgo particular, havendo ele sido jurado príncipe herdeiro da corda portuguesa; parece porém que não fora esta a principal razão de não aceitar o desafio, sendo o duque esforçado cavalheiro, mas porque estando já livre da terrível suspeita que o turbara (diz fr. Jerónimo Roman) não devia em público sustentar a injustiça de tal causa, devendo e querendo sepultar o motivo e a execução em esquecimento perpetuo, para que nem noticia houvesse de tão infausta tragédia.


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