segunda-feira, 13 de junho de 2011

História: IGREJA E CONVENTO DE S. FRANCISCO em ÉVORA (I) -imagem 1868



História

ÉVORA 

IGREJA E CONVENTO DE S. FRANCISCO  

Imagem de 1868

Dos grandes monumentos disse um grande escritor que representam não tanto o sentir individual dos arquitectos, como as ideas sociais das epocas em que foram construidos.

Refletem, com efeito, as artes o espírito da civilização que as sustenta e promove; e a cada uma de suas partes integrantes, a cada povo ou sociedade traduzem- lhe o principal caracter, a feição proeminente por que mais se distingue. Assim é que nos edificios monásticos se desenham os génios das religiões que os fundaram; as índoles das communidades que por longos séculos encheram de seus cânticos os templos, ora silenciosos e desertos; os pensamentos que os monges herdavam aos que lhes sobreviviam, como as celas que se vão desmoronando em lamentáveis ruínas.

Deixaram os jesuítas em muitas fabricas a vastidão de suas ambições, e a pouca luz de seus sistemas. Os dominicos esculpiram no mármore sinais manifestos do esmero e do gosto com que se aplicavam ao estudo das letras e á cultura das artes. Os franciscanos, enfim, poserarn nas suas construções a austeridade da primitiva regra de Assiz; e se, por mercê de reis e poderosos, nalgumas chegaram a ostentar grandezas, nunca de todo lhes escureceram estas aquele originário atributo.

Tais são as reflexões que nos ocorrem quando contemplamos a igreja de S. Francisco em Évora, e atendemos como nela a magestosa grandeza e a simplicidade extrema se alliam em admiravel concordancia, não só no exterior, nos arcos esguios e elegantes do portal, nas fachadas erguidas sem outros ornatos mais que as ameias e coruchéos, senão também no interior, na franca amplidão do templo, e na maravilhosa altura em que a abobada se estriha sobre delgadas paredes.

Suscitam-se-nos porém aqui outras ideias. O espírito cedendo ao mágico influxo da escassa luz coada através dos vidros das frestas, deixa-se enlevar em profunda meditação, e, evocando memórias do passado, povôa a tribuna, o coro e a nave de nobres figuras de reis; de graciosas damas r gentis cavaleiros, adornados das luzidas galas da corte; de graves e austeros frades, vestidos de borel e cingidos de esparto; e do bom povo, simples e devoto, naqueles trajos singelos que se perderam com o crer e sentir dos tempos que foram. Dão assunto a longo fantasiar as muitas e interessantes tradições que de geração em geração chegaram até ao presente.

Não se sabe ao certo o ano da fundação do convento de Évora. Indicam vagamente os escritores da ordem a data de 1224, que, por falta de memórias autênticas nem se prova nem se contesta. O documento mais antigo de que temos noticia é uma doação feita aos religiosos em 1245.

Anda em tradição que, sendo ainda vivo o patriarca S. Francisco, sairam três religiosos dos conventos da Galiza, da mesma sorte que, pouco tempo antes em 1217, tinham vindo de Itália fr. Gualter e fr. Zacarias, e que, assim como estes fundaram os conventos de Lisboa e Guimarães, e talvez outros das provincias do norte, instituiram aqueles a casa de Évora, a primeira, segundo a mesma tradição, de entre Tejo e Guadiana. 

Fora do templo, entre a capela dos ossos e a casa do capítulo, está uma urna grande de mármore, e nela a seguinte inscrição com as datas da fundação do convento e da trasladação dos ossos dos fundadores.

Christiferi quondam veniunt Iria pignora Patris 
Galieci patria, sitrgit et ista domus, 
Igneus hinc fervor Francisci impteverat illos, 
Tanti ignis cineres claudit uterque lapis 
1629, et venere 1224 

Esta inscrição resolveria todas as dúvidas se não fosse tão recente, e se um dos cronistas de S. Francisco, pretendendo autoriza-la, não deixasse boas provas da nenhuma fé que merece. Eis aqui em poucas palavras a lenda referida por fr. Jerónimo de Belém. Falecidos os fundadores, foram enterrados no cemitério comum do convento, e como seus restos estivessem aí expostos a contínuos piedosos furtos, pela grande devoção em que os tinham os fiéis, assentaram os religiosos traslada-los para o claustro, onde ocultamente os depositaram numa parede. Com o decurso dos anos se perdeu a memória do sitio; e querendo descobri-lo em 1629 o guardião do convento, fr. Diogo de Monroy, mandou cantar uma missa a Santo António, com sermão análogo ao que pretendia; e em meio dela, e sendo grande o concurso do povo na igreja, caiu por si, na capela daquele santo, a parede que entesta com o claustro, e deixou patentes os ossos dos fundadores.

O jesuita Manuel Fialho, no seu vasto repositório de noticias contestáveis que intitulou Evora illustrada, e está na biblioteca desta cidade em quatro volumes manuscritos, referiu também o mesmo milagroso sucesso. Acrescentou, entretanto, não sabemos se ingénuamente, se para que os franciscanos se não rissem dele, que não era para admirar o arrombamento da parede, fazendo Santo Antonio tantos milagres de arromba. 

No mesmo anno de 1629 se colocaram os ossos dentro da urna que hoje os guardam, em certo lugar do claustro, e aí foram mudados em 1647, por devoção particular do bispo de Fez, D Bernardino de Santo António, para uma capela da igreja. Ignoramos a época em que acertadamente os removeram do templo para o sitio onde se conservam.

A. FILIPPE SiMÕES


38° 34' N 07° 54' W
Évora
Portugal


CONTINUA


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