História
Évora
PAÇOS REAIS DE ÉVORA
1ª parte
Imagem de 1868
Há quase dois mil anos que Sertório, libertando cidade do jugo de Roma, lhe conservava e aumentava as grandezas da civilização romana. E quando muito depois, vieram a renovar-se em Portugal, nas letras, nas artes, nas empresas militares, as excelências do Latium, os Reis da segunda dinastia ilustraram também a velha colónia dos imperadores, restaurando ou imitando as obras da antiguidade, e pondo noutras, todas suas, claros testemunhos de predilecção e apreço para com a terra em que vinham repousar à sombra dos louros da vitória.
Das poucas relíquias que daquelas últimas obras se conservam é a galeria dos Paços reais, que a nossa gravura representa.
Até ao tempo de D. Afonso V aposentavam-se os Reis com a sua corte nas casas que tinham na Praça, e se chamavam estáos, como as que em Lisboa noutras cidades e vilas serviam ao mesmo fim. O palácio do sr. José Maria de Sousa Matos ocupa hoje o terreno onde estiveram, do lado do sul ou da rua da Cadeia, os estáos, e do lado do norte ou da rua do Raimundo, uma casa que pertenceu aos condes das Alcaçovas. Separava os dois prédios, ora reunidos e totalmente transformados, a rua dos Toiros, assim denominada porque por ela saíam os que na Praça se costumavam correr.
Além de duas cartas del rei D. Manuel, relativas à pretensão que teve Ruy de Sande de alargar suas casas da Praça (as que depois foram dos condes das Alcaçovas) até à esquina dos estáos, guarda-se no arquivo municipal de Évora um alvará de 29 de Dezembro de 1502, em que el rei lhe concedeu para aquele efeito, todo o ar da cancela onde se metiam os toiros. «E (lê-se no documento) a dita cancela ficará tão alta do chão e assi craro quejando convenha pera o correr dos ditos touros.» Há no mesmo arquivo mais outro alvará de 6 de fevereiro de 1503, mandando meter de posse do ar da cancela a Ruy de Sande, para ele alargar as suas casas até aos «estáos com tanto que seja despejada a entrada dos touros e tão como uma lança». Por aqui se prova: 1º que os estáos foram na Praça, contra a opinião de alguns escritores, que supuseram terem sido nas casas denominadas de Sertório, ou nas que depois serviram de inquisição; 2º que naquela epoca a rua dos Toiros ficou só comunicando com a Praça por meio de um arco, que veio mais tarde a ser tapado com toda a parte oriental da rua.
É tradição constante que nos estáos se hospedaram el rei D. Dinis e a santa rainha D. Isabel, assim como outros antigos monarcas. Na crónica de D. Afonso IV escreveu Ruy de Pina que os desposórios do infante D. Pedro com D. Constança Manuel se celebraram procuração, em 1336, nos paços de S. Francisco. E na crónica de D. Afonso V afirmou também o autor que nos mesmos Paços de S. Francisco falecera em 1455 a rainha D. Isabel. Razão há para duvidar se chamariam assim antigamente os estáos, por ficarem próximos do convento de S. Francisco, ou se lhes aplicaria Ruy de Pina a denominação que em seu tempo tinham os novos Paços, edificados a pequena distância dos estáos, na horta e convento dos franciscanos. Duarte Nunes de Leão, natural de Évora, em cuja historia deveria andar versado, repetiu nas suas crónicas a expressão de Ruy de Pina.
As ruínas e as poucas memórias que restam dos Paços de Évora não permitem determinar com exactidão a sua antiga fabrica, e as obras com que em cada reinado se foram aumentando até ao tempo de D. Sebastião, o último dos nossos monarcas que neles residiu.
D. Afonso V poisou ainda nos estáos ou antigos Paços reais. Como porém fossem casas pequenas e acanhadas, pediu aos frades de S. Francisco para se aposentar na parte do convento mais próxima do Rossio, com o pretexto de mais facilmente sair ao campo. Apossou-se el rei não só da casa que primeiro lhe cederam, e era a que servia aos estudos, senão também de outras do convento, as quais acomodou com varias obras, ao seu uso; e assim deu princípio aos novos Paços. Não se sabe ao certo o tempo em que isto sucedeu. Depois de tomar Alcácer Ceguer em 1458, esteve D. Afonso V algum tempo em Évora. Todavia, como por carta de 4 de Março de 1462 mandou á câmara que aposentasse seu sobrinho D. João em suas casas da Praça, parece que só mais tarde, quando vitorioso de Arzila e de Tanger regressou a Évora, começaria a transformar em palácio real o convento de S. Francisco.
Continuou nos reinados seguintes a alargar-se o palácio pela casa e horta dos Franciscanos. De D. João II, diz Garcia de Rezende, que tendo deliberado, por causa da peste que assolava Lisboa, celebrar em Évora as festas dos desposórios de seu filho D. Afonso, mandara fazer nos Paços muitos aposentos de novo com grandes salas para si e para o príncipe e princesa. E que pela brevidade do tempo tantos oficiais meteu na obra, que em seis meses concluíram o que levaria muitos anos.
Como o palácio não tivesse ainda assim capacidade para aquelas festas memoráveis, mandou el rei construir entre ele e a portaria do convento uma sala de madeira com 300 palmos de comprido, 72 de largo e 75 de alto. Não tentaremos descrever aqui esta e todas as outras maravilhas que naquela ocasião se admiraram em Évora, e o cronista de D. João II tratou longamente em alguns capítulos da sua crónica.
O edifício representado na gravura é de D. Manuel, a denominada galeria das damas, cujas ruínas ficam próximas, e a torrinha do aqueduto, são provavelmente de D. João II, o que melhor adiante explanaremos.
Facilmente se avaliará a extensão dos Paços e jardins reais no seculo XVI, imaginando uma curva convexa para a parte do convento, desde a muralha sobranceira á horta dos Soldados, até á rua do Paço, tocando quase a portaria junto do largo de S. Francisco, e cortando as ruínas do velho claustro. Prova-se que os Paços se alargavam tanto para o lado do norte, porque fazendo-se algumas demolições há quatro anos nesta parte do convento, apareceram ao pé da torrinha do aqueduto vestigios de tanques muito ornamentados; e da banda do sul, a pequena distância da porta, uma sala soterrada com azulejos e pinturas de vários instrumentos, que denotavam ter servido para bailes e festejos. O pavimento desta sala estava nivelado com o da galeria das damas, cujas paredes se vêm pouco afastadas para o lado do poente.
Por concessão de Filipe III de Espanha ficaram os frades senhores da parte oriental do palácio, que transformaram em dormitórios. Era aqui o quarto da rainha, cujas janelas ainda hoje se conservam, tanto do lado da rua do Paço como da parte oposta. É de crer que nessa epoca se insulassem os frades o mais que podessem para se forrarem a futuras extorsões, e destruíssem ou, pelo menos, promovessem a ruína das casas do palácio próximas do convento, deixando apenas de pé a galeria mais ocidental, e portanto a mais remota de todas.
Pelo desapego de um rei estrangeiro e ignorância de uns franciscanos, se perdeu uma das maiores e mais ricas residências que, fora da capital do reino, tiveram os monarcas portugueses.
A. Fillipe Simões
38° 34' N 07° 54' W
Évora
Portugal
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Évora, História e Imagens Antigas
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