História
Évora
PAÇOS REAIS DE ÉVORA
2ª Parte
A galeria dos paços de Évora, apesar de muito desfigurada com alterações e mudanças de toda a ordem, é ainda um bom exemplar da arquitectura denominada manuelina.
Em cima do portal estão as esferas. Não nos diz, porém, menos que a divisa o estilo do próprio edificio. Recorda-nos, da mesma sorte que o mosteiro de Belém, o convento de Tomar, a igreja de Santa Cruz de Coimbra, e tantos monumentos que ergueu ou reedificou el rei D. Manuel, os descobrimentos e conquistas do seu reinado. Os feitos gloriosos que marcaram na história uma epoca notável produziram tambem na arquitectura um estilo caracteristico. Nem são menos brilhantes e portuguesas que as outras estas páginas de pedra.
Já advertiu Garrett que o estilo daquela epoca mais depressa influiria do que receberia influência de outros generos contemporaneos. Não houve patriotica exageração no asserto que depois confirmou Rackzynski, e há pouco vimos sancionado na exposição universal de Paris.
A arquitectura manuelina dominou em Évora como em todo o reino. Abundam as relíquias em muitas casas da cidade. As janelas e portais, em lugar das ogivas dos tempos anteriores ou das vergas posteriormente usadas, tem os arcos de muitos centros ou as linhas sinuosas e recurvadas, conforme os tipos graciosissimos que produziu a alliança dos estilos gótico e árabe, a modificação das formas graves e severas do primeiro pelas galas e fantasias do segundo. Em partes a comhinação de dois arcos forma bem claramente a figura de um M gótico, inicial do grande nome daquele que, por cingir a coroa de Portugal, influia nos destinos do mundo.
Ao topo meridional da galeria correspondem três arcos elevados com voltas em forma de ferradura, de puro estilo árabe. Pelo seu gracioso aspecto, pela disposição e recortes dos tijolos, trazem á lembrança os das mais belas construções de Sevilha ou de Granada. Este género de arquitectura foi também muito usado em Évora nos principios do seculo XVI, e talvez nos fins do anterior, umas vezes puro, outras vezes dando a feição mais proeminente ao estilo manuelino. Conservam-se ainda nalgumas casas da cidade mirantes, que as pessoas ilustradas, mas desprevenidas, facilmente tomam como reliquias da dominação árabe. Nos mirantes a que aludimos, e em muitas janelas e portais, os arcos de tijolo ou de granito, com recortes mais ou menos vivos, sustentam-se sobre colunas de mármore, à maneira daqueles em mais propriamente se conhece o estilo manuelino.
As trevas que envolvem a história da arte em Évora, como nas outras cidades de Portugal, não nos permitem explicar a abundancia de relíquias do árabe que só aqui se encontra. Conservar-se-iam em tempo de D. João II ou de D. Manuel monumentos genuinos que servissem de modelos aos arquitectos?
Comparando a gravura anterior com a que hoje ilustra este artigo, razoavelmente se tomarão por construções diferentes a parte austral e a da galeria. Só a primeira com o pórtico, é de estilo manuelino, e em tudo muito semilhante áquela dos paços reais de Sintra que no mesmo tempo foi construida. Os arcos da parte setentrional são inteiramente lisos, como o eram tambem outros, muito mais pequenos e numerosos, que por cima dos que se vêem na gravura formavam uma varanda extensa que se prolongava ainda por um lanço que faz angulo recto com o que a estampa representa. Destes arcos, completos no primeiro lanço, apenas se conservam no segundo as voltas embebidas na alvenaria com que lhes taparam os vãos depois de lhes rouharem as colunas.
O telhado que se avista na gravura foi também enxertado no edificio primitivo. No século XVII ou XVIII, arruinando-se o tecto, que era, provavelmente, de madeira, porque as delgadas paredes não comportavam pesada cobertura, construiram dentro da galeria e sobre a abóbada em que assenta o pavimento, grossas paredes de metro e meio de espessura, e em cima delas firmaram a pesada abobada com o telhado que hoje se vê. Assim, estúpida e brutalmente, se reparou a ruína do tecto, promovendo a das paredes, que já tem algumas brechas.
Ignora-se o nome do autor de tamanho vandalismo, e tambem o do arquitecto que edificou a galeria. Martim Lourenço, o mesmo que reconstruiu o templo de S. Francisco, era em 1513 o mestre das obras dos paços reais. Na galeria, como naquela igreja, as paredes são muito delgadas, e toda a sua segurança está na abóbada inferior. Em ambas as construções se ocultaram, pois, cuidadosa e elegantemente os artificios empregados a fim de lhes dar a devida solidez. Esta analogia, porém, não hasta para provar com evidencia a identidade do arquitecto.
A pequena distância do edificio que as gravuras representam era a galeria das damas, da qual restam apenas no meio da cerca de S. Francisco as paredes, em grande parte desmoronadas. Tinha esta casa de forma quadrangular a frontaria muito ornamentada, como se vé pelas colunas jónicas e pelos ornatos das janelas, tudo no estilo do renascimento; o que nos leva a atribuir com probabilidade esta construção ao reinado de D. João III. As paredes são de alvenaria, mas as colunas, arquitraves e todos os demais ornamentos foram feitos de tijolo e cobertos de estuque para imitarem mármore branco. Parece obra mesmo arquitecto, posto que mais elegante e delicada, a torrinha do aqueduto que fica proxima galeria das damas.
Este género de arquitectura não se encontra commumente em Portugal. No ano de 1556 havia cidade de Évora um padre Pasquino Vilanes, que tinha a seu cargo o laranjal dos paços reais e a dos canos que D. João III mandou fazer para aos jardins a água da Prata que sobejasse do da Praça. Parece este padre pelo nome italiano, e arquitecto pelo encargo. Não será, portanto, fora de razão atribuir-lhe a galeria das damas e a torrinha aqueduto, ambas italianas no estilo e no modo que foram edificadas.
A esta arquitectura leve e elegante faltaram imitadores, se bem que muito merecia tê-los numa terra em que tanto abundam o tijolo e a cal. A barateza dos materiais e a facilidade com que se fingiriam todos os géneros de ornamentação, todas as grandezas arquitectonicas, compensariam o não ficarem tão duradoiras como se foram de mármore ou de granito.
As relíquias dos paços reais com os terrenos adjacentes foram concedidos à câmara municipal, com convento e cerca de S. Francisco, por carta de lei de 25 de julho de 1864. Como parte destes viesse a juntar- se ao passeio público, está hoje nele encravada a galeria de D. Manuel, que a actual vereação louvavelmente deseja restaurar. Os restos galeria das damas desaparecerão dentro em pouco do lugar em que jazem, o qual se destina para um novo mercado. Seria mais para lamentar este sacrificio que tem de fazer-se á comodidade do povo eborense, se o estado das ruínas não fosse tal que a própria acção do tempo bastasse para brevemente acabar de destruir o que ainda não deu de todo em terra.
A. FILIPPE SIMÕES
38° 34' N 07° 54' W
Évora
Portugal
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