História
Templários
4ª parte
Ordem de Cristo - Castro Marim e Salado
Posto que a instituição da ordem de cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo fosse celebrada solenemente em Santarém a 14 de maio de 1320, só no ano seguinte é que se estabeleceu em Castro Marim, em razão das obras a que se procedeu dentro do castelo para acomodação dos cavaleiros, para os exercícios do culto divino e serviço da ordem.
Pela bula da sua instituição foi determinado que se regeria esta ordem pela regra de S. Bento e reformação da de Cister, ficando sujeita á visitação do dom abade geral do mosteiro de Alcobaça, da dita ordem de Cister ou de S. Bernardo.
Assim que a ordem se instalou em Castro Marim, fez o seu mestre D. Fr. Gil Martins a constituição pela qual se havia de reger a nova milícia. Passados cinco anos foi ampliada esta constituição, e no decurso do tempo por varias vezes a reformaram os mestres segundo as necessidades da época e sempre com a aprovação do dom abade do mosteiro de Alcobaça.
O habito primitivo dos cavaleiros assemelhava-se, segundo parece, ao de que usava a ordem de Calatrava em Castela. com escapulario branco- Em 1330 acrescentou-se-lhe a cruz vermelha. e no capitulo celebrado em Tomar no ano de 1503, a que presidiu el rei D. Manuel, foi ordenado o habito na forma de um manto branco que cobria todo o corpo do cavaleiro, de maneira que, para servir-se das mãos, era mister traze-lo arregaçado, só dos lados sobre os braços. No lugar correspondente ao peito, tinha o manto uma cruz vermelha, mas só parecida com a dos templários na cor não no feitio. A destes era composta de quatro braços iguais, cujas pontas quase se tocavam descrevendo um circulo. A cruz dos cavaleiros de Cristo tinha então como hoje tem o distintivo desta ordem. que todos conhecem. dois braços mais curtos que a haste. A cruz vermelha tinha dentro em si outra, fendida, que a alvura do manto fazia branca; e que nas veneras actualmente usadas pelos cavaleiros e comendadores é feita de esmalte branco.
Eram cinco (?) as dignidades da ordem. A de mestre era a primeira e principal. Seguia-se-lhe a de dom prior mor do convento de Tomar, que, em conformidade com os estatutos, tinha a seu cargo o governo temporal do convento, e exercia jurisdição espiritual em todos os membros da ordem em qualquer parte que se achassem. Incumbia-lhe, por morte do mestre, convocar o capitulo geral para a eleição do novo mestre, chamando por cartas os cavaleiros ausentes, e tomando ao novo prelado o juramento de fidelidade e obediência ao sumo pontífice. A terceira dignidade era a de comendador mor, ao qual pertencia o governo da ordem quando por falecimento do mestre, o dom prior mor se achava ausente ou enfermo. Nos actos de solenidade a que assistia o mestre, gozava este da preeminencia de ter ou levar diante de si o comendador mor com um estoque desembainhado ao ombro, pegando-lhe pela ponta. Era claveiro a quarta dignidade. Tinha a seu cargo as chaves do convento, a administração e distribuição dos mantimentos e a fiscalização da despesa. A quinta dignidade era a de sacristão mor, o qual cuidava de tudo quanto dizia respeito ao serviço de ornamentação do templo e durante o capitulo tinha em suas mãos os selos da ordem. Alferes da ordem de Cristo era, finalmente a sexta e ultima dignidade O alferes levava a bandeira da ordem nos actos solenes em que o mestre comparecia, tais como nas procissões e na guerra em que esta milícia tomava parte. A bandeira era quadrada, de cor branca, e tinha no centro a cruz vermelha da ordem, na forma por que acima a descrevemos.
Tomaram posse os cavaleiros de Cristo do castelo de Castro Marim, com o firme propósito em desempenho do seu instituto de combater os infiéis que dominavam na vizinha Andaluzia e nas terras fronteiras d'além mar. Porém, antes que se lhes proporcionasse ocasião de medirem as suas armas com as dos sarracenos, tiveram de se defender em apertado cerco, e com encarniçada luta, no seu próprio castelo, contra hostes cristãs.
Casara el rei de Castela D Afonso XI com a infanta D. Maria filha do nosso rei D. Afonso IV; porém, rendendo-se logo depois em desordenada paixão á formosura de D. Leonor Nunes de Gusmão, esqueceu-se em breve de todos os deveres conjugais. Incendido cada vez mais nesses amores escandalosos, com tantos desprezos e afrontas tratava a rainha, que este procedimento deu origem, primeiro, a representações e queixas de seu sogro el rei D Afonso IV, e depois ao rompimento de uma guerra porfiosa.
Rebentou a luta em diferentes pontos da fronteira, de modo que, ao mesmo tempo que as tropas portuguesas entravam triunfantes por uma província de Castela, levando tudo a ferro e a fogo, invadiam os castelhanos o nosso país por outra parte, devastando quanto encontravam na passagem.
Saíram a oporem-se a uma destas invasões, sucedidas na província do Minho, o arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira, e o bispo do Porto, á frente de pouco numerosa mas valente hoste, e o mestre da ordem de Cristo D. Estêvão Gonçalves Leitão, com os seus intrépidos cavaleiros. Foi tão glorioso para as armas portuguesas o resultado da acção, tamanho destroço experimentou o inimigo, perdendo, além das bagagens e de grande numero de prisioneiros, trezentos homens mortos no campo, entre os quais se contava um dos seus comandantes, D. João Rodrigues de Castro, que o rei de Castela jurou vingar se dos cavaleiros de Cristo, que pelo seu valor mais que os outros tinham contribuído para semelhante vitoria. Foram portanto a vila e castelo de Castro Marim como assento da ordem de Cristo o alvo da vingança castelhana.
O inimigo transpoz o Guadiana, atravessou o Algarve, e apresentou se inesperadamente diante dos muros de Castro Marim. Achava- se a praça mal guarnecida, porque a maior c melhor parte dos cavaleiros andava ocupada no extremo oposto do reino a castigar a ousadia do inimigo. Souberam, porém, resistir galhardamente os defensores da praça, auxiliados pelos habitantes da vila, mas este triumfo custou a perda de setenta portuguezes dos arrabaldes da villa, que os castelhanos levaram prisioneiros, e cento e oitenta que deixaram mortos na praça e fora dela.
Fora pequena a vingança para os rancores de Afonso XI. Assim tratou sem demora de aprontar mais numeroso e valente exercito, ao qual cometeu a empreza de destruir até aos fundamentos aquele baluarte de valorosos guerreiros, diante dos quais recuavam vencidos os leões de Castela.
Reunidas pois numerosas tropas, talvez o mais poderoso exercito castelhano que naquella campanha transpoz as fronteiras de Portugal, o inimigo entrou no Algarve junto á villa de Alcoutim e assolando tudo na passagem, para que o terror o precedesse e lhe facilitasse os triumfos marchou rapidamente sobre Castro Marim.
Desta vez não estava a praça desprevenida, antes pelo contrario, achava-se perfeitamente apercebida para uma resistencia a todo o transe. O ataque anterior pozera a ordem de Cristo de sobreaviso. O mestre D. Estêvão Gonçalves Leitão, logo que teve noticia do primeiro acometimento dos castelhanos, e do modo, vergonhoso para elles, por que um punhado de cavaleiros de Cristo lhes fez rosto com tanta gentileza, frustrando-lhes completamente o intento, previu que o orgulho de Castella não tardaria a vir mais temivel e reforçado buscar a desforra contra a ordem que o humilhára. Tratou, portanto, de se recolher a Castro Marim com todos os seus cavaleiros; e desde que aí chegou, não pensou nem lidou em outra coisa senão em dispor todos os meios para a defensa da praça,
Quando o inimigo, apenas chegado, investiu com as muralhas da villa, que crêra levar do primeiro assalto, tal era a confiança que tinha no seu grande poder, ficou desconcertado vendo-se repelido com extraordinaria perda de mortos e feridos. Crescia o seu assombro todas as vezes que empenhava em novo assalto mais vigoroso e decidido esforço; a sorte era sempre a mesma, sempre repelido e desbaratado.
Ao cabo de muitos dias de assedio, e de rijos e sucessivos combates, vendo baldadas todas as suas tentativas e tanto sangue castelhano derramado inutilmente, levantou cerco o general inimigo, e lá foi saciar nas povoações indefesas a vingança dos danos recebidos no campo da batalha em combate leal. O exercito castelhano regressou ao seu país depois de ter exercido crueis devastações nos suburbios de Tavira, em Faro, Loulé e outras terras. Todos estes successos se passaram no ano de 1335, em que D. Estêvão Gonçalves fora elevado á dignidade de mestre.
Os perigos por que passara a ordem de Cristo em questões alheias ao seu instituto, durante o curto periodo do seu estabelecimento em Castro Marim, o esforço sobrehumano que foi mister empregar para sair victoriosa sendo o inimigo tão poderoso e a praça tão fraca, por mal fortificada, a impossibilidade, ou pelo menos dificuldade de a tornar tão forte quanto o pediam a segurança e o decoro de uma corporação que, além de fazer vida da guerra por preceito religioso, lhe cumpria sustentar, em toda a sua altura a fama gloriosa da ordem de cavallaria de quem era herdeira e representante; todas estas considerações resolveram o mestre D. Estêvão Gonçalves a diligenciar a mudança da ordem para lugar mais conveniente.
Representou pois a el rei D. Afonso IV alegando por um lado as razões que aconselhavam esta mudança, e por outro lado as vantagens que ofereciam o castelo e villa de Tomar, tanto para segurança como para comodidade e lustre da ordem. A circunstancia de ser um ponto central e não estar longe de outros castelos tambem pertencentes á ordem de Cristo, o que collocava esta em estado de melhor poder defender-se a si propria e ao reino, no caso invasão inimiga; aquela circunstancia, repetimos, habilmente explorada pelo mestre. Não anuiu el-rei ao requerimento de D. Estêvão, apesar de se compenetrar das razões que lhe serviam de fundamento. Parece que receou oposição da sede pontificia, estando ainda recentes a catastrofe dos templários, e as duvidas do papa em instituir uma ordem que herdeira daquela, e até certo ponto sua representante.
Perseverando pois a ordem de Cristo em Castro Marim, não tardou a illustrar-se novamente parte activa e conspicua em uma das mais celebradas vitorias das armas portuguesas.
Os moiros de Africa e de Hespanha, sabendo os reis cristãos da peninsula andavam envolvidos em guerras entre si, julgaram ser ocasião propicia avassalar de novo os reinos que os campeões da cruz tinham subtrabido ao seu
Reunindo em um só corpo todos os homens dessas diferentes monarquias sarracenas, e animando-se com um supremo esforço, dispozeram-se os infiéis para dar principio á empreza, invadindo a Castella com um dos mais poderosos exercitos que tem pisado terras da peninsula.
Então é que D. Afonso XI caiu em si, arrependendo-se de ter sacrificado tantas vidas preciosas, e malbaratado tanto dinheiro em lutas mais caprichosas que honrosas para a sua coroa e para a nação. Dando de mão, em tais apuros, ao orgulho e aos caprichos, humilhou-se ante a esposa a quem tanto até então ultrajara, e patenteando-lhe o perigo que ameaçava derrubar o seu trono e reduzir seus vassallos á escravidão, pediu-lhe encarecidamente que fosse em pessoa solicitar del rei, seu pai, perdão para ele dos agravos que lhe tinha feito, e socorro a prol dos seus reinos e da cristandade.
A rainha D. Maria esquecendo-se de um longo passado cheio das mais pungentes afrontas que se podem fazer ao coração de uma esposa, veio pressurosa a Portugal. Ora procurando persuadir com razões, ora suplicando com lagrimas, logrou mover o animo del rei D. Afonso IV em favor da pretensão que a trazia aos braços paternais.
Juntou el rei á pressa as suas tropas, e, colocando-se á frente dellas poz-se a caminho de Sevilha, a reunir-se com o exercito castelhano, que era comandado pelo rei D. Afonso XI. Pouco depois encontraram-se os exercitos cristãos com os infiéis. Travou-se o combate proximo do Salado, rio que corre na Andaluzia entre as cidades de Sevilha e Granada. Era desigual a força dos combatentes, pois que as tropas musulmanas excediam muito em numero as cristãs. Mas com tal ardor e entusiasmo se precipitaram estas sobre o inimigo, que rompendo-lhe as fileiras, envolvendo-as e desordenando-as, viram alfim o seu arrojo coroado pelas palmas da vitoria 28 de outubro de 1340.
Fugiram os sarracenos, deixando no campo muitos milhares de mortos e prisioneiros, contando- se entre estes um principe; e no seu arraial, que todo caiu em poder dos vencedores, um riquissimo despojo, de que o nosso rei D. Afonso IV não quiz para si mais que algumas bandeiras que mandou collocar na sé de Lisboa e uma trombeta que, depois da sua morte, foi posta sobre o seu tumulo na capela mor da mesma igreja.
Tiveram os portuguezes a mais gloriosa parte neste memoravel triumfo, e de entre as hostes de Portugal a que mais se estremou em acções de valor e coragem foi a dos cavaleiros de Cristo, capitaneada pelo seu 4º mestre, D. Estêvão Gonçalves Leitão.
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