História
Templários
6ª parte
Ordem de Cristo - O Fim dos Cavaleiros
Antes de passarmos adiante consignaremos aqui um triste sucesso que por esquecimento deixámos de mencionar no lugar competente. O virtuoso e infeliz rei D. Duarte, atribulado pelo cativeiro do infante D. Fernando, seu irmão, e pela peste que assolava o reino, indo procurar um refugio no convento de Cristo, aí morreu vitima daquela terrível epidemia, no dia 9 de Setembro de 1438.
Falecendo el rei D. Manuel em 1521, seu filho, el rei D. João III, assumiu o governo da ordem de Cristo, por bula do papa Adriano VI.
Passados dois anos foi a Tomar, e aí celebrou o oitavo capitulo geral da ordem de Cristo.
Imbuído naquelas ideias, que em verdes anos lhe assoberbavam já o espírito, e movido daquelas sinistras influencias que o levaram muitas vezes, no decurso do seu reinado, a sacrificar os interesses e o esplendor da nação ao fanatismo religioso e, pior ainda do que isso, ás intrigas e tramas anti-nacionais acobertadas com o manto da religião, pensou fazer um acto meritório perante Deus convertendo em frades os cavaleiros de Cristo.
Autorizado pelo capitulo, que facilmente se dobrou ao capricho real, procedeu a uma completa reforma da ordem, fazendo dos cavaleiros conventuais religiosos de cogula, e sujeitando- os á clausura e regularidade monástica. A bula pontifícia de aprovação não se fez esperar muito.
Desta maneira os cavaleiros de Cristo, lançando longe de si a espada, até então sempre pronta a desembainhar-se e a combater pela pátria e pela fé, depondo aquela bandeira gloriosa que tremulara nos primeiros baixeis que desvendaram os mistérios Oceano; esses intrépidos cavaleiros, a quem Portugal devia tanta gloria, agora roubados á pátria, fizeram voto solene perante os altares de viver somente para o serviço da igreja, reclusos entre as paredes do claustro.
A esta metamorfose, seguiu-se depois a incorporacão definitiva do mestrado da ordem de Cristo na coroa. A instâncias del rei D. João III, e por bula do sumo pontífice Júlio III, expedida no ano de 1551, foram declarados grão mestres perpétuos das três ordens militares do reino, os soberanos de Portugal, varões ou fêmeas.
O governo do convento de Tomar continuou a pertencer ao prior mor, ficando este com honras de bispo, e poder quase episcopal em todas as igrejas da prelazia de Tomar, bem como nas das conquistas em que a ordem tinha jurisdição. Compunha- se o património da ordem de Cristo, de quatrocentas e quatro comendas e vinte e uma vilas e lugares.
Da antiga ordem religiosa e guerreira, que tão poderosamente concorreu para o engrandecimento da monarquia portuguesa, apenas restou como estímulo e recompensa para as nobres acções em serviço da pátria, a sua divisa autorizada, a cruz vermelha, como condecoração civil, e as suas rendosas comendas.
Aqueles a quem o soberano, na qualidade de grão mestre, conferia tais prémios faziam profissão numa igreja da ordem, mas sem votos que lhes prendessem a liberdade e sem residência no convento.
Foram estes cavaleiros seculares que ainda continuaram a sustentar por algum tempo, e até certo ponto, o nome ilustre da ordem, cujo brilho se foi mareando ao embate das desgracas que produziram a decadencia da monarquia.
Para a execução da reforma moral efectuou el rei D. João III muitas e grandes obras no convento de Tomar. Construiu claustros, dormitórios, refeitório e outras oficinas, com que ficou o edifício apropriado à vida monástica dos seus moradores.
Presidiu el rei D. Sebastião a dois capítulos gerais da ordem, um reunido em Lisboa no ano de 1568, numa sala do hospital de Todos os Santos, que estava situado no Rossio, do lado de leste, o outro na igreja de Santa Maria do Marvila, em Santarém, correndo o ano de 1573.
Foi efémero o reinado do cardeal rei D. Henrique, mas como quisesse aperfeiçoar a obra del rei D. João III, seu irmão, introduzindo nela alguma nova reforma, determinou que o breviário cistereiense de que usavam os freires no convento de Tomar, fosse substituído pelo breviário romano.
A este curto, porém triste período da nossa historia, seguiu-se a catástrofe da perda da independência de Portugal. Se fosse mister demonstrar a decadência moral em que se achava a ordem de Cristo nessa época, e quanto tinha degenerado nos seus filhos o espírito de patriotismo que outrora os animara e distinguira, seria suficiente apontar para a predilecção que os Filipes de Castela tiveram pela ordem de Cristo, predilecção por tal modo testemunhada durante os sessenta anos da usurpação, que faz presumir que esta encontrara nos freires de Tomar grande apoio.
Alguns homens houve nesse tempo em Portugal, distintos pelo saber e de provado amor do seu país, que reconhecendo a impossibilidade em que se achava a nação, depois das gravíssimas perdas que experimentára, de resistir ao poder de Castela, então poderosíssima, se curvaram ante a força dos acontecimentos, aceitando resignados a escravidão como consequencia natural deles. Foram deste numero os sábios virtuosos prelados das dioceses de Braga e Algarve, D. Fr. Bartolomeu dos Mártires e D. Jerónimo Osório. Mas é certo que o usurpador, avaliando justamente os seus sentimentos, acatou neles as virtudes e ciência que lhes atraiam o respeito e amor povo, mas não lhes deu testemunho da real afeição.
Filipe II de Castela, entrando em Portugal no ano de 1581, para se fazer reconhecer por soberano deste país, escolheu o convento de Tomar para a reunião dos três estados, que haviam de assinar a sentença que o duque d Alva lavrara à frente do exercito castelhano. Quem conhece o local em que se reuniram os delegados da nobreza, do clero e do povo, sabe que não foi a capacidade das salas que determinou a escolha do edificio; que se essa fora a razão, lá estava o mosteiro de Alcobaça com todo o direito da preferência.
O mesmo soberano fez algumas alterações nos estatutos da ordem, a pedido e contento dos freires, lançou os fundamentos a duas construções, que só se podem contar entre as mais grandiosas daquele magnifico edifício, mas também entre as mais sumptuosas de Portugal. Falamos do aqueduto, principiado em 1595 e do claustro chamado dos Filipes.
D. Filipe III de Castela, e II dos que reinaram em Portugal, prosseguiu com essas obras, pondo o remate ao aqueduto. Vindo a Lisboa com seus filhos em maio de 1619, em Outubro desse mesmo ano partiu para Tomar. Durante a sua residência no convénio de Cristo, presidiu ao 11º capítulo geral da ordem. Neste capitulo se continuou com as reformas dos estatutos, principiadas por Filipe II, e que se concluíram nos três dias, 16, 17 e 18 de Outubro, em que funcionou esta assembleia. D. Filipe IV de Castela, que veio a Portugal somente uma vez, sendo príncipe, e que desde o começo do seu reinado patenteara por diversos modos a sua aversão a este país, a ponto de não mostrar benevolencia senão para com os seus parciais, foi complacente com os freires de Cristo, e ordenou que não se levantasse mão da obra do claustro filipino até ser acabada, o que se realizou sob o seu governo, apesar de ter sido grande a despesa e de se achar a fazenda publica malbaratada por causa das guerras estrangeiras e pela má administração interior.
Durante a guerra da restauração da independência, que absorveu todo o reinado del rei D. João IV e parte do de seu filho, el rei D. Afonso VI, nenhum acontecimento notável se registou nos anais do convento de Tomar. Todavia, sendo regente do reino o príncipe D. Pedro, pela deposição del rei D. Afonso VI seu irmão, deu-se um facto que consignaremos aqui, por nos parecer que vem em abono da opinião que acima exarámos. Como não foi possível obter-se da corte de Roma, apesar das incessantes diligencias empregadas pelo nosso governo, a confirmação de bispos nomeados durante a luta com a Espanha, sucedeu que ao cabo dos vinte e sete anos que durou esta guerra, achavam-se vacantes quase todas as dioceses do reino e das suas possessões de além mar. Feita porém a paz com a Espanha, no ano de 1668, logo a corte pontifícia se prestou a reconhecer a independência de Portugal e a dinastia de Bragança. Portanto, apenas se restabeleceram as boas relações com a cúria romana, apressou-se o príncipe regente a fazer a nomeação dos prelados para as sés vagas de Braga, Lisboa, Évora, Coimbra, Viseu, Porto, Miranda, Guarda, Lamego, Leiria, Portalegre, Algarve, Funchal, Angra, Goa, Bahia, Angola, S. Tomé, Malaca, Cabo Verde, Meliapor e outras.
Sendo o maior numero destas vagaturas em dioceses ultramarinas sujeitas à jurisdição espiritual da ordem de Cristo, apenas figura entre aquelas nomeações, um único freire do convento de Tomar, D. Fr. Pedro Sanches, apresentado na mitra de Angola.
Cremos pouco provavel que em tão larga nomeação de bispos para terras doadas no espiritual á ordem de Cristo, em compensação dos sacrifícios que fez, e a que o país deve o descobrimento e posse delas, a dita ordem não seria contemplada apenas com uma mitra das menos importantes, se não houvera no animo do príncipe regente e dos seus ministros, algum espinho contra ela.
Tendo já assumido o titulo de rei D. Pedro II, foi derrogada por ele a pratica estabelecida da prova de nobreza dos quatro avós, como condição necessária para qualquer individuo ser admitido na ordem.
No fim deste reinado deu hospedagem o convento de Tomar a dois soberanos.
Rebentara a guerra da sucessão de Espanha, em que Portugal tomou partido pelo pretendente áquela coroa o arquiduque de Áustria Carlos. Chegou este príncipe a Lisboa em Março de 1704, intitulando-se Carlos III, rei de Espanha. Em maio puseram-se em marcha para entrar em campanha as tropas portuguesas e as inglesas, que tinham vindo com o arquiduque. Pouco depois saíram de Lisboa para o exercito os dois soberanos, e tomando o caminho de Santarém a Leiria, Coimbra e Guarda, entraram em Espanha. No seu regresso a Lisboa, depois de verem frustrados os seus planos, vieram poisar ao convento de Tomar, primeiro el rei D. Pedro II, e passados alguns dias o pretendente, de modo que só em Santarém se reuniram. Este príncipe chegou a ser aclamado rei em Madrid, mas afinal teve de desistir das suas pretensões, e mais tarde, por morte de seu irmão o imperador José II, subiu ao trono de Alemanha com o nome de Carlos VI.
Passados dez anos tornou o convento de Tomar a ser honrado com a visita do soberano de Portugal, mas desta vez foi visita festiva, e não a retirada de uma campanha mal sucedida. Agora era el rei D. João V, então na flor dos anos, acompanhado de seus irmãos, os infantes D. António e D. Manuel, e de um brilhante cortejo, que ali iam ver e admirar o monumento coevo com a fundação da monarquia a que estão associadas tantas memorias gloriosas.
Nesse século, como no actual, os fastos da afamada ordem de Cristo e do seu convento monumental apenas se limitaram a comemorar, como acontecimentos prósperos, a visita de príncipes; e, entre os adversos, os estragos que padeceu o edifício pela invasão dos franceses no ano de 1810, e por ocasião da sua retirada no ano seguinte. As cadeiras do coro, obra magnifica e de muito primor artístico, mandadas fazer por el rei D. Manuel, foram inteiramente destruídas e queimadas, servindo aos soldados de lenha para se aquecerem e fazerem a comida. Desapareceram alguma alfaias preciosas, que os freires não puderam levar consigo quando abandonaram apressadamente o convento á aproximação do inimigo. E no arquivo também foram grandes as perdas, desencaminhando-se muitos documentos valiosíssimos.
Desde então a decadência da ordem foi acompanhada da decadência do edifício. Tendo sido relaxada a clausura por uma reforma levada a efeito anteriormente àquele sucesso, e da qual fora encarregado o principal Castro, os freires vendo-se com liberdade de viverem fora do convento, principiaram a descurar u sua conservação, que pela vastidão do edifício era difícil e mui dispendiosa.
Assim começou a arruinar-se antes de ser desabitado; mas logo que ficou devoluto, pela extinção das ordens religiosas em 1834, as devastações dos homens e as injurias do tempo tem estendido a ruína a quase todas as partes daquele grandioso edifício. E estaria hoje todo por terra, sem dúvida com irreparável perda para a historia e para as artes, e com grande vergonha para este país, se não fossem os esforços, desvelos e perseverança do sr. conde de Tomar. Tendo comprado ao estado, em 1843, a cerca do convento e uma pequena porção deste, em tempo que era ministro do reino, cuidou logo em salvar da ultima destruição a parte do edifício que é monumento de arte e pertencia e ainda pertence á nação. Depois, aproveitando- se, a prol do monumento, da visita com que ali o honraram em 1843 suas majestades e altezas, a sra. D. Maria e el rei o sr. D. Fernando, e os dois príncipes que sucederam no trono áquelta soberana, projectou dar começo a obras, não só de reparação e conservação, mas também com que pouco a pouco se fosse restaurando, como se praticava no edifício da Batalha. Os acontecimentos políticos que sobrevieram obstaram a que tal projecto se efectuasse. Porém, desde que as paixões partidárias se foram acalmando, não tem cessado de requerer dos poderes públicos providências para a conservação de tão venerando edifício. E se não tem conseguido quanto seria para desejar, é certo que alguma coisa tem obtido, de que se estão vendo excelentes resultados.
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