terça-feira, 16 de agosto de 2011

História: Templários em Portugal - 2ª parte

História


ORDEM DO TEMPLO EM PORTUGAL


2ª parte




FUNDAÇÃO DO CASTELO DE TOMAR 


Voltando ao ponto de que nos afastou a historia e descrição da igreja de Santa Maria do Olival, achámos a D. Gualdim Pais ocupado a procurar lugar apropriado para a fundação de um castelo. Ofereceu-lho tal qual o podia desejar um monte que se ergue na margem direita do Nabão, com duas vertentes íngremes e alcantilado e cortado quase a prumo para o lado de uma extensa planície á qual fica sobranceiro.

Agradado do sitio pela fortaleza natural dele, pela fertilidade dos terrenos circunvisinhos, e por não ficar muito distante da igreja de Santa Maria do Olival, que se lhe levanta defronte e á vista na margem esquerda do rio, o mestre dos templários deu ali principio com toda a actividade á construção do castelo.

Apesar da ignorância e barbaridade dos tempos, lembraram-se de comemorar não só o ano mas até o dia em que teve começo esta obra, circunstancia que muitas vezes deixou de ser atendida em fundações importantes e em épocas que já se presumiam de civilizadas.

Em uma lapida que se acha embebida na parede da igreja, ao lado da porta principal e sobre o tabuleiro das escadas, lê-se a seguinte inscrição em letras góticas:

E.M LX, VIII: Regnante: Alphonso Illustrissimo Rege Portugalis: 
Magister Gualdinus: Portugalensium Militum Templi: cum Fratribus suis Primo die Martii: cepit: edificare Hoc Castellum: Nomine Thomar: quod Prefatus Rex obtulit Deo: et Militibus Templi. 

Diz em vulgar: «No primeiro dia de Março do ano 1198, reinando Afonso ilustríssimo rei de Portugal, Gualdim, mestre dos cavaleiros do Templo em Portugal, começou juntamente com os seus freires, a edificar este castelo, cujo nome é Thomar; o qual, estando acabado, el rei o ofereceu a Deus e aos cavaleiros do Templo».

Fr. Bernardo da Costa, na sua Historia da militar ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, impressa em 1771, toma a data da inscrição por 1168, e sobre esta base falsa assenta uma serie de considerações e juízos absolutamente errados. O travessão que se vê sobre a letra X da referida data, como aqui pomos, quer dizer que se deve contar o mesmo X como quarenta, e não pelo seu simples valor de dez. Assim fica sendo aquela data 1198, era de César, então geralmente adoptada e seguida, a qual corresponde á de 1160 do nascimento de Cristo.


Esta e outras abreviaturas, usadas mais ou menos nas inscrições góticas, dando ocasião a interpretações erróneas, tem originado muitas controversas intermináveis por buscarem conjecturas para argumentos quando bastaria uma palavra que, decifrando o enigma, esclarecesse a questão e acabasse com as disputas.

Ao mesmo tempo que iam crescendo as paredes do castelo, fundava D. Gualdim Pais uma povoação por baixo da mesma fortaleza, na planície que se estende entre a raiz do monte e o rio.  A ambas deu o nome de Tomar, que até então era o do rio, passando este a denominar-se Nabão, nome que tinha antes da invasão dos moiros, e lhe provinha da cidade de Nabancia, que se erguia como dissemos em outro lugar, na sua margem esquerda. Os moiros, que, depois na conquista do nosso país mudaram ou apropriaram á índole da sua língua os nomes das terras, dos rios e das montanhas, chamaram ao Nabão Thomar ou Thamar, que quer dizer agua doce e clara.

Passados dois anos concedeu o mestre do Templo foral, com muitos privilégios e isenções, á povoação que fundara, e que n esse tempo contava bastantes casas e um bom núcleo de moradores. O foral a que D. Gualdim Pais chama carta de Firmidoem de direito, tem a data de Novembro de 1200, que é o ano de Cristo de 1162.

A nova de tal regalia, a fama guerreira dos cavaleiros do Templo, e a sombra tutelar de tão forte castelo, em breve atraíram á nascente povoação muitas famílias vindas de longes terras.

A ordem do Templo já então se achava poderosa pelas doações feitas pela rainha D. Teresa e por seu filho el rei D. Afonso Henriques, e por nós mencionadas em lugar próprio. Porém, depois que se instalou no seu alcaçar de Tomar, engrandeceu- se mais e com maior rapidez, crescendo de dia para dia em senhorios, influencia, poder e gloria.

Aquele triste e sabido acidente que sobreveiu a D. Afonso Henriques numa das portas de Badajoz, quando pelejava contra os leoneses, foi causa dos rápidos progressos dos templários durante este reinado. Aquele soberano, vendo-se impossibilitado de prosseguir na guerra contra os moiros, primeiramente por ter quebrado uma perna e ficado prisioneiro de seu genro, D. Fernando II, rei de Leão; e depois de recobrada a liberdade por causa do longo curativo a que teve de sujeitar-se, e que por fim lhe deixou a saúde enfraquecida, encarregou os seus briosos templários não só da guerra e defensa das fronteiras do sul do seu reino, mas também da continuação das suas empregas guerreiras contra os infiéis. Como recompensa, para mais lhes excitar o ardor, fez-lhes doação da terça parte das terras que conquistassem além do Tejo.

Tais estímulos para quem já os tinha tão fortes nas tradições gloriosas da ordem, nos preceitos da regra, nos seus hábitos e ideias cavaleirosas, enfim, na sua própria e natural ambição de gloria, impeliram a D. Gualdim Pais e aos seus templários de facção em facção, de batalha em batalha, com tamanho arrojo e valor, que em breves anos estava quase todo o Alentejo expurgado de sarracenos, e a cruz de Jesus Cristo campeando triunfante sobre importantes praças pouco antes mouriscas.



No meio deste brilhante período da sua existência, foi a ordem do Templo sobresaltada por um grande perigo, que ameaçou sepultar em uma terrível catástrofe todos os loiros por ela colhidos a troco do sangue de seus filhos.

O malogro da expedição do imperador de Marrocos Yusuf Abu Yacub, quando em 1184, transpondo o Mediterraneo com exercito numeroso e unido aos sarracenos da Hespanha, tentou amparar na península o império mauritano, que se aluía e derrocava aos vigorosos impulsos do nosso primeiro rei; o vergonhoso destroço daquele soberano diante dos muros de Santarém, onde foi vencido por um punhado de valentes e o seu grande exercito disperso; a sua morte em Algeciras, ocasionada pelas feridas recebidas naquele memorável combate (24 de Julho de 1184); enfim, todas estas perdas e afrontas armaram de ira e desejo de vingança a Yusuf Abu Yacub, filho e sucessor daquele soberano. Porém uma revolta dos seus próprios estados obstou ao cumprimento dos seus desígnios. A rebelião assumiu proporções tão grandes, ameaçando substitui-lo no trono por um seu irmão, que foram precisos alguns anos para a vencer e sufocar completamente.

Enquanto estas coisas se passavam, o bravo sucessor de D. Afonso Henriques, el rei D. Sancho I, levando as suas armas vitoriosas ao coração do Algarve, ultimo refugio dos sarracenos nesta parte da península, assaltara e fizera render ao domínio da cruz Silves, a torreada e populosa capital do Algarve.

Esta vitoria do rei português, coincidindo com o vencimento da revolta em Marrocos, acendeu de novo e com mais força no peito do imperador muçulmano o seu entranhado ódio contra os cristãos.

Yusuf Abu Yacub entregou-se então de corpo e alma aos preparativos da guerra, com um ardor que parecia delírio. Era um esforço extremo e desesperado, não só para saciar no sangue dos campeões de Cristo a vingança de tantos agravos, mas também, e principalmente, para opor um dique aos triunfos sucessivos das armas cristãs; para levantar o espírito dos muçulmanos do abatimento em que o lançaram tão continuadas desditas; para impedir, finalmente, que se apagasse na península o facho do Alcorão, que de dia para dia se amortecia despedindo de si já frouxos raios.

Toca-se pois a rebate por todas as terras de Marrocos, pregando-se a guerra santa e chamando-se ás armas a mocidade. Partem emissários para todas as cortes muçulmanas da Hespanha, incitando- as a disporem-se para a luta em defensa comum.

Congregaram-se, alfim, todos os elementos de destruição. O horizonte politico de Portugal carregou-se de negras nuvens, e o trovão precursor da tempestade ribombando ao longe, deu o alerta a todos os portugueses.

A noticia da tremenda invasão que estava prestes a romper as fronteiras do reino, foi correndo de boca em boca até chegar aos mais recônditos lugares do país. El rei D. Sancho I recolheu-se a Santarém com os guerreiros que lhe foi possível reunir, julgando que o inimigo se dirigia desta vez como da outra, com preferência a esta forte praça de guerra. Os habitantes dos campos e das povoações indefesas, levando consigo o mais precioso do seu móvel, buscaram refugio nas fortalezas mais próximas. E os alcaides e senhores de castelos prepararam-se para uma resistência a todo o transe.

O exercito marroquino que passara o estreito na primavera do ano de 1190, engrossado na Andaluzia com as hostes vindas de Córdova, de Granada, de Sevilha e de outras cidades sarracenas, caminhando a marchas forçadas já no interior de Portugal, atravessou o Tejo em fins de Junho, e deixando Santarém na retaguarda, acomete e toma o castelo de Torres Novas, e, sem perder tempo, apresenta-se de improviso diante do castelo de Tomar.

Para que o precedesse o terror, Yacub levava adiante de si o facho da assolação. A sua passagem ficava assinalada por toda a parte com o incêndio, o saque e o morticínio.

Os templários e quantos infelizes se acolheram á sua fortaleza, viram, com dor de alma, de cima das ameias, o fogo reduzindo a povoação vizinha a um montão de ruínas, e tornando em cinzas as searas, que já lourejavam em volta da casaria de Tomar.

Por seis dias sucessivos foi o castelo combatido com repetidos assaltos, em que as hostes inimigas se renovavam de instante a instante, conservando por conseguinte sempre frescas as forças e sempre vigoroso e encarniçado o acometimento.

Parece incrível como podiam resistir tão poucos defensores do castelo contra tão numerosos inimigos. Mas tal era o valor dos templários; tais a coragem e presteza com que corriam de um ponto a outro, onde o perigo mais urgia; tamanho o amor que os prendia á sua casa capitular; tão viva e arraigada em seus corações a fé no auxilio divino; que o seu esforço foi invencível, logrando zombar de todo o poder do imperador de Marrocos e dos soberanos seus aliados.

A mesma lapida em que está a inscrição comemorativa da fundação do castelo tem gravada por baixo a inscrição que comemora aquele cerco e gloriosa defensa. Diz assim em letras góticas e no latim bárbaro daqueles tempos.

Era MCCXXVIII: m Nonas Julii 
Venit Rex de Marroquis ducens cccc 
Milia equitum et quingenta milia peditum: et obsedit castrum istud per sex dies: et delevit quantum extra murum invenit castellum: et prefatus magister cum fratribus suris liberavit: Deus de manibus suis: ipse Rex remeavit in patria sua cum innumerabili detrimento hominum et bestiarum. 

Em português quer dizer:

«Na era de 1228 (que é o ano 1190 da era de Cristo) aos cinco de Julho, veio o rei de Marrocos, trazendo quatrocentos mil homens de cavalo e cinquenta mil de pé; pôs cerco a este castelo por seis dias, destruindo quanto achou fora dos muros do castelo; e ao sobredito mestre (D. Gualdim Pais, referido na inscrição que está próxima desta) com os seus freires livrou Deus de cair nas suas mãos; e o mesmo rei voltou para a sua pátria com extraordinario prejuízo de homens e cavalos.»

O numero de soldados que compunham o exercito de Yacub está extraordinariamente exagerado nesta inscrição, quer se tomem os cccc milia equitum et quingenta milia peditum por quatrocentos mil cavaleiros e quinhentos mil infantes, como traduzem alguns dos nossos autores, ou se reputem em quarenta mil de cavalo e cinquenta mil de pé, como entendem outros escritores.

Nessas eras em que tão mal se providenciava para a sustentação dos soldados nas suas marchas através de um país inimigo; eras em que pelo grande atraso da agricultura, e pelas guerras que traziam quase sempre em luta os diferentes estados europeus, a maior parte das terras em cada país se achavam inteiramente incultas; em tais circunstancias, dizemos, não é crivel que um exercito que contasse quarenta mil homens de cavalaria e cinquenta mil de infantaria, pudesse caminhar com a rapidez com que as tropas do imperador de Marrocos transpuseram o estreito e atravessaram toda a Andaluzia e Portugal até Torres Novas e Tomar, chegando a estes castelos em estado de poderem intentar, sem necessidade de descanso, um assalto imediato, vigoroso e repetido por seis dias sucessivos.

Todavia é inegável, pelas razões que expendemos em outro lugar deste mesmo artigo, que o exercito que com Yacub se apresentou junto dos muros de Tomar era poderosíssimo, sobretudo em relação aos tempos.

Como se desfez esse poder, convertendo em uma retirada precipitada e desastrosa as arrogâncias e projectos de vingança do invasor, sem tentar nova empresa depois do mau sucesso das armas muçulmanas na expugnação do castelo de Tomar, é assunto em que os historiadores diversificam de opinião. Entretanto, a que parece mais plausível é a que atribui aquela retirada, quase fuga, ás febres endemicas, que no estio se costumam manifestar nos campos banhados pelo Tejo e pelo Nabão, febres que dizimaram as tropas sarracenas no seu trajecto e durante o cerco dos dois mencionados castelos, e que segundo parece feriram mortalmente o próprio Yacub ao quinto ou sexto dia do assedio do castelo de Tomar.

O que é fora de dúvida é que o inimigo levantou o cerco do castelo no dia 11 de Julho, retirando em direcção a Sevilha e Algeciras, e que o imperador de Marrocos morreu de doença antes de se embarcar para a Africa. E também não é menos certo que aquela terrível invasão, que enlutou logo no seu começo os anais da vila de Tomar, deu á historia do castelo e da ordem do Templo em Portugal a sua pagina mais gloriosa.

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